O Direito ao dividendo como mecanismo de proteção da personalidade jurídica na sociedade por ações

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O presente trabalho trata de uma breve análise da influência do direito ao dividendo, inerente aos acionistas de uma sociedade por ações tem o poder de influenciar na manutenção da personalidade jurídica de uma companhia.

  

Ao longo do tempo a concepção de empresa sofreu inúmeras alterações. Dá-se especial destaque às evoluções na administração e na relação dos sócios com a própria companhia. Tais mudanças ocorrem em consonância com as ocorridas na sociedade e na economia em geral: conforme foi sendo notada a necessidade de garantias individuais para o homem, também se percebeu a necessidade de proteger os interesses dos sócios dentro de uma sociedade. Assim, o reconhecimento dos direitos dos acionistas se deu com finalidade semelhante aos Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão, ou seja, de proteção e busca por equilíbrio. No capítulo X da Lei das Sociedade por Ações (Lei nº 6.404/1976) são enunciados os direitos do acionista, pessoa titular de valor mobiliário que representa uma porcentagem do capital social da companhia.

Os direitos e deveres do acionista existem com o objetivo de proteger a sociedade e garantir as condições necessárias para que ela alcance seu objetivo, qual seja, a obtenção de lucro. As obrigações dos acionistas, mais especificamente do acionista controlador, também se encontram explícitas no Capítulo X da Lei das Sociedades por Ações, e se relacionam com as suas contribuições para a fundação e o funcionamento da sociedade, e outras medidas concernentes à transparência e prestação de contas. Caso assumam posições na administração também existe uma série de responsabilidades que o sócio deve assumir além das inerentes à qualidade de acionista, compromissos estes presentes no Capítulo XII da referida Lei.

Dentre os direitos do acionista, daremos especial atenção à participação nos lucros sociais e direito ao dividendo. Sua distinção é uma das questões mais controversas do direito societário, pois é no âmbito dos lucros sociais de onde surgem os maiores conflitos entre os interesses dos administradores, dos acionistas controladores, acionistas minoritários e até da sociedade: como deve ser realizada a sua apropriação, distribuição e reinvestimento?

Os direitos à participação nos lucros e ao dividendo são essenciais ao funcionamento da sociedade, e a sua

  1.                   Os direitos e deveres dos Acionistas

Os direitos individuais dos sócios têm proteção legal decorrente da natureza contratual da sociedade. São direitos existentes de forma análoga aos Direitos Fundamentais do Homem que são tutelados pelo Estado Democrático. Eles estão divididos em quatro categorias: são os direitos de participação na administração da companhia, direitos de fiscalização, direitos patrimoniais e direitos dissolutórios. São direitos subjetivos organizados para facilitar a atuação dos sócios durante a vida da empresa ao mesmo tempo em que protege os seus interesses privados contra possíveis violações, mas sempre atuando de modo a defender o interesse social contra o comportamento irregular de por parte de outros sócios ou administradores. O impedimento do exercício de qualquer um desses direitos pode ser contestado em ação judicial, sendo possível a exigência de reparação por perdas e danos.

Os direitos de participação na administração da sociedade possibilitam que o sócio participe na forma de conduzir a sociedade, bem como determine as principais condutas a serem concretizadas pela companhia. A participação na sociedade é manifestada, naturalmente, quando o sócio opta por também integrar a administração da empresa, ou ainda, na interferência indireta. Sua expressão se dá essencialmente quando o acionista exerce o direito de voto.

A fiscalização das contas da companhia é essencial para garantir a não apenas a probidade da empresa, mas também para continuar garantindo a proteção do patrimônio dos sócios. Dessa forma, os direitos de fiscalização garantem que os sócios possam ter acesso às informações sobre as atividades sociais desempenhadas, através da exigência de esclarecimento dos administradores, e verificar a autenticidade de tais informações. Esses direitos são de titularidade do acionista, mas podem ser delegados a um órgão delegado – o Conselho Fiscal – ou outro membro eleito em separado.

Os direitos patrimoniais se referem à retribuição pelo investimento realizado na companhia, mas também à restituição em caso de encerramento da sociedade. Nesta classe destaca-se o direito do sócio ao dividendo. Por fim, os direitos dissolutórios são os que garantem aos sócios a possibilidade de resolver o vínculo societário, sendo sua principal expressão o direito de retirada. São alternativas possíveis quando ocorrem mudanças estruturais ao longo da vida da sociedade, e também podem ser acionados quando existem grandes ameaças aos interesses privados e legítimos dos sócios.

Outra categoria importante de direitos dos sócios, são os chamados Direitos Essenciais. Têm a função primordial de estabilizar as funções de poder internas da companhia através da proteção ao sócio minoritário, mas também garantem a conservação do poder de controle. Por serem direitos de natureza pública, ou seja, extrapolam a vontade das partes, eles são inderrogáveis e irrenunciáveis, de forma que não podem ser alterados nem pelo estatuto social e tampouco pela assembleia-geral da companhia. Cabe ao acionista, todavia, deixar de exercer alguns desses direitos em certas situações. O direito de participação nos lucros sociais trata-se da sua principal prerrogativa, resultante da natureza contratual da companhia. É direito permanente de qualquer acionista, independentemente da espécie ou número de ações que ele possua. A prerrogativa de titularidade deste direito é diferente do seu exercício, uma vez que requer existência e apuração prévias de lucro.

As diferentes intenções que os acionistas possuem no momento de associação geram uma divisão destes entre dois grupos: os acionistas controladores e os investidores (ou minoritários). Dessa forma, é natural que ocupando diferentes posições, esses acionistas também tenham funções diferentes na atuação na companhia.

O acionista controlador, incumbido da função de traçar as estratégias para que a companhia possa obter maiores lucros, tem os artigos 116 e 116-A da Lei das Sociedades por Ações dedicados aos seus deveres. Já o artigo 117 apresenta as hipóteses de abuso de poder do controlador, e indica que ele responde pelos danos causados por atos nessas condições.

Ele possui uma série de prerrogativas que lhe são designadas pela assembleia-geral para tomar todas as medidas que considerar cabíveis na busca pelos objetivos sociais da companhia. Suas decisões são limitadas por mecanismos internos da empresa, mas também através da existência do direito de participação nos lucros sociais, que evitam medidas que possam privar os demais acionistas de participarem dos resultados da atividade empresarial.

As medidas tomadas pelo acionista controlador devem ser no sentido de execução do objeto social da empresa. No geral, as decisões tomadas pelo acionista controlador prevalecem em relação à minoria. Existem, todavia, mecanismos na Lei nº 6.404/1976 para proteger acionistas minoritários em relação a eventuais abusos – é o caso dos Direitos Essenciais, já mencionados anteriormente, e outros direitos específicos dos acionistas minoritários, como a fixação de uma parcela mínima para os dividendos.

II.                 Direito ao lucro e direito ao dividendo

Uma das questões mais controversas do direito societário é a distinção entre direito ao lucro e direito ao dividendo. São conceitos intrinsecamente relacionados, uma vez que o próprio conceito de dividendo está incluído no de lucro. Os lucros sociais podem ser divididos em duas categorias, e a participação dos acionistas nos lucros obtidos deve ocorrer em ambas as esferas: os lucros podem ser não distribuíveis, quando visam reforçar o patrimônio líquido da companhia, e podem ser distribuíveis, contexto no qual se insere o direito ao dividendo.

Direito ao dividendo é a prerrogativa de recebimento da parcela do lucro líquido de uma companhia. Através dele, o acionista pode obrigar a sociedade a apurar o lucro social, declará-lo e pagar a parcela devida a cada um dos sócios. Considerando a natureza de direito expectativo do lucro social – a distribuição depende da existência de lucro –, a exigência dos dividendos é derrogável e renunciável, o que permite à companhia certa liberdade ao determinar o uso do lucro social. A derrogabilidade do direito ao dividendo deve ser manifestada sempre tendo como norte o interesse social, e é limitada pelo princípio da boa-fé. A renúncia, por sua vez, não afeta os interesses individuais dos sócios e tampouco desestrutura a estabilidade da companhia. Pelo contrário, a possibilidade de renúncia garante a coerência em um sistema que dá liberdade à sociedade na destinação dos seus lucros sociais. Ainda assim, é importante ressaltar que a derrogabilidade e renunciabilidade ainda são limitadas para evitar quaisquer abusos de poder.

Conforme já apontado, o direito de participar do lucro social é direito irrevogável, imutável, infungível e inderrogável. Entretanto, a Lei n 6.404/1976 permite suspensão do seu exercício quando um acionista deixar de cumprir quaisquer das suas obrigações, sejam elas definidas pela lei ou pelo estatuto. A suspensão é encerrada com o fim da mora do sócio, que recupera os seus direitos suspensos com efeitos ex tunc. Evidencia-se então, através da derrogabilidade do direito ao dividendo, a diferença entre este e o direito à participação nos lucros sociais.

A necessidade de limitação de partilha do lucro social decorre da possibilidade de abuso da maioria societária em relação à parcela minoritária, e sua regulação busca controlar os desentendimentos relativos a essa divisão. É facultado à sociedade definir no seu estatuto social o dividendo mínimo obrigatório a ser dividido entre os sócios. No caso de omissão, a Lei define que a parcela a ser distribuída deve corresponder à metade do lucro auferido em cada exercício.

Antes da lei de 1976, a distribuição dos dividendos era de responsabilidade da assembleia, oportunidade na qual os administradores e controladores quase sempre optavam por reinvestir todo o lucro social, visando garantir maior segurança e autonomia nas atividades da companhia. Com essa prática os lucros sociais já não traziam retorno financeiro aos sócios, o que desestimulava o investimento nas atividades produtivas, e, consequentemente, o desenvolvimento do mercado. Assim, quando a lei estipulou uma porcentagem de dividendo mínimo obrigatório, foi buscando equilibrar os diferentes interesses quanto à destinação dos lucros, evitando que os administradores e controladores concentrem todo o capital somente nos investimentos.

Além da porcentagem mínima de dividendo, a lei também determina que as parcelas de lucros sociais que não forem distribuídos são registrados como reserva especial, e se ainda não forem utilizados nos exercícios subsequentes, serão repartidos na forma de dividendos. Isso ocorre para que não haja perigo de que os administradores e controladores, que têm mais poder e informação acerca dos lucros da sociedade, repartam as quantias segundo seus próprios interesses, e não os da sociedade no geral.

Os administradores e os membros do Conselho Fiscal têm responsabilidade solidária nas esferas civil e criminal quando houver distribuição irregular de dividendos dos acionistas. Estes, por sua vez, são obrigados a restituir apenas os dividendos recebidos de má-fé, caracterizada nos casos em que o acionista estiver ausente da assembleia geral que declarou tais dividendos, quando houver omissão, houver a distribuição sem que exista ou quando for configurado conflito com o levantamento de balanço, e, naturalmente, quando existir conhecimento da ilegalidade dos valores após o recebimento.

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III.              A personalidade jurídica

A personalidade jurídica das companhias está diretamente relacionada com o seu patrimônio. Há reconhecimento da empresa como o centro e como destinatária de tudo o que rege o direito societário. O instituto da personalidade jurídica surgiu da necessidade de unir os esforços de vários indivíduos para a consecução de um objetivo em comum, e da inevitabilidade de conferir autonomia a esta união. Na sociedade, o objetivo é a geração de lucro através de uma atividade econômica,  finalidade principal de separação entre o patrimônio criado em conjunto e o patrimônio de cada um desses indivíduos que compõem a sociedade. A empresa, dotada de personalidade, tem seus próprios interesses, e os administradores e controladores têm a função de conduzi-la de modo que todas as suas atividades devem ser orientadas visando atingi-los.

A criação e garantia dos direitos dos acionistas é essencial para assegurar conservação da personalidade jurídica da companhia, ou seja, para manter a sociedade funcionando. Mais ainda, a divisão dos dividendo é primordial para que, mantendo o equilíbrio das relações entre os acionistas, administradores e controladores, a companhia continue produzindo, se desenvolvendo e gerando lucro.

Em estudo feito com cerca de 4.000 companhias de diferentes países, foi analisada como a proteção dos acionistas influencia na atividade da companhia. Rafael La Porta, líder do trabalho, chegou à conclusão que quanto mais sólida a proteção dos acionistas não controladores, mais eles se sentiam confiantes para investir na companhia, e, consequentemente, maiores eram os dividendos. A instituição do dividendo mínimo obrigatório, alternativa utilizada pela lei brasileira, aumentou a segurança dos acionistas, que se sentiram mais motivados a realizar investimentos. Evidencia-se, portanto, que a tutelar os direitos dos sócios -- principalmente com a garantia à distribuição dos dividendos -- é essencial para que a companhia se desenvolva, e assim, tenha a sua personalidade jurídica fortalecida.

V.                     Bibliografia

COMETTI, M. T. O direito dos acionistas de participar nos lucros sociais. Mestrado em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, 2007. 204f Orientador: Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho.

COMPARATO. O direito ao Lucro nos Contratos Sociais, p. 150-157.

LEÃES, L. G. (1969). Do direito do acionista ao dividendo, p. 255-313. São Paulo, SP.

ROBERT, B. (2011). Dividendo mínimo obrigatório nas sociedades por ações brasileiras, p. 37-80. São Paulo, SP. Ed. Quartier Latin do Brasil.

SANTOS, Eliza Ferreira dos. Os direitos essenciais do acionista. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, p. 137-147, jul. 1987. ISSN 0034-8023. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rcp/article/view/60151/58468>. Acesso em: 25 Set. 2018.

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