INAPLICABILIDADE DA TARIFAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM CASO DE ACIDENTE DO TRABALHO COM MORTE DO EMPREGADO

26/02/2019 às 21:11
Leia nesta página:

As alterações promovidas pela Reforma Trabalhista na CLT, notadamente no Título II-A, devem ficar restritas à relação entre empregado e empregador, não alcançando os familiares do empregado falecido.

 

INTRODUÇÃO

A Lei n. 13.467/2017, batizada de Reforma Trabalhista, inovou no ordenamento jurídico trabalhista ao tratar do dano extrapatrimonial[1], incluindo os artigos 223-A a 223-G na CLT.

A nova lei gerou bastante polêmica em diversos aspectos, cabendo destaque à previsão da titularidade exclusiva do direito à indenização pela pessoa natural ou ficta lesada (artigo 223-B), à limitação das hipóteses dos bens imateriais juridicamente tutelados (artigos 223-C e 223-D) e, sobretudo, à tarifação do valor da indenização (artigo 223-G).

Quanto a este último aspecto, além de estabelecer critérios subjetivos para a fixação da indenização por danos morais – a saber: a natureza do bem jurídico tutelado; a intensidade do sofrimento ou da humilhação; a possibilidade de superação física ou psicológica; os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; o grau de dolo ou culpa; a ocorrência de retratação espontânea; o esforço efetivo para minimizar a ofensa; o perdão, tácito ou expresso; a situação social e econômica das partes envolvidas; o grau de publicidade da ofensa -, a CLT passou a prever limites objetivos para fixação do valor indenizatório.

Com efeito, prevê o § 1º do artigo 223-G que:

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

Assim, doravante, a indenização por danos morais, na relação de emprego, não pode passar de cinquenta vezes o salário contratual do ofendido, ressalvado o caso de reincidência entre partes idênticas, quando o valor poderá ser elevado até o dobro. Ou seja: a indenização máxima pode chegar a cem vezes o salário contratual do empregado.

Neste breve ensaio, sem se ater às questões relativas à possível inconstitucionalidade de alguns dispositivos da nova lei, mormente no que concerne à tarifação da indenização [2], pretende-se demonstrar que os dispositivos da CLT não se aplicam às hipóteses de indenização por danos morais sofridos pelos familiares, decorrentes da morte de empregado em acidente de trabalho.

 

A NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO HAVIDA ENTRE OS DEPENDENTES DO EMPREGADO E A EMPRESA

Desde longa data entende-se possível a indenização aos familiares da vítima fatal de acidente de trabalho, em razão dos prejuízos materiais (lucros cessantes decorrentes da perda da renda familiar) e morais (sofrimento psicológico causado pela perda do ente querido), a que a doutrina e a jurisprudência passaram a chamar de danos em ricochete.

Embora os possíveis danos advindos com a morte do emprego sejam decorrentes da relação de emprego, não há como considerar que a relação entre familiares e o empregador seja submetida à CLT, pois se trata de uma relação de natureza eminentemente civil.

Não se olvida que para aferir a responsabilidade do empregador deva o Juiz do Trabalho observar o cumprimento das normas relativas à saúde e segurança do trabalho, previstas na CLT e outras normas de caráter trabalhista.

Todavia, o que se deve observar é que o fundamento que possibilita a indenização aos familiares do empregado falecido não está amparado na legislação trabalhista, mas sim na legislação civil, notadamente os artigos 186, 187 e 927 e seguintes do Código Civil.

Vale dizer: o empregador deverá indenizar os familiares porque a morte do empregado causa-lhes sofrimento moral, cujo fundamento legal está nos artigos 186 e 927 do CC. Ainda que o ilícito seja trabalhista, o fundamento da indenização é a lei civil.

Lembre-se que muitos ilícitos que causam danos são atos típicos previstos na lei penal e nem por isso a legislação a ser aplicada à indenização é a penal.

Cite-se como exemplo a hipótese de homicídio (previsto no artigo 121 do Código Penal). Nesse caso hipotético, é fora de dúvidas que os familiares poderão pleitear a reparação com base no Código Civil (artigo 948).

De outro lado, não cabe a alegação de que o Código Penal não prevê a responsabilidade civil, ao passo que a CLT prevê. Isso porque o texto da CLT é silente quanto à hipótese de morte do empregado e indenização aos seus familiares. E mais: além do silêncio da CLT, os dispositivos dos artigos 223-A a 223-G da CLT são incompatíveis com a hipótese que se versa, como se verá adiante.

 

O ARTIGO 223-C DA CLT NÃO PREVÊ O DIREITO À VIDA

O artigo 223-C enumera os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural:

A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

Perceba-se que a vida não está incluída dentre os bens juridicamente tutelados.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nem mesmo na redação dada pela MP 808/2017, com vigência já encerrada, o dispositivo previa o direito à vida.

Não se trata de considerar que o rol do artigo 223-C seja taxativo.

O fundamento hermenêutico para se considerar que um rol é exemplificativo e não taxativo é o de que o legislador não consegue prever todas as situações sociais possíveis.

Assim, o legislador estabelece um rol de situações hipoteticamente mais plausíveis, cabendo ao intérprete, diante dos casos concretos, ajustar a aplicação da lei à situação fática.

Logo, quando o legislador estabelece um rol de direitos, é de se supor que as principais hipóteses foram por ele contempladas.

Neste cenário, considerando que a vida é o principal bem jurídico a ser tutelado, não havia como o legislador, conscientemente, deixar de prever a vida como um dos bens juridicamente tutelados, de modo que o seu silêncio foi eloquente.

Ou seja: o legislador não previu o direito à vida no rol do artigo 223-C da CLT justamente porque, a seu ver, os dispositivos previstos no Título II-A não devem ser aplicados à hipótese de indenização aos familiares do empregado falecido, por ser de natureza civil.

 

A IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO EM DOBRO NO CASO DE MORTE

Como já visto, o valor máximo da indenização por danos morais, previsto na CLT, é de cinquenta salários contratuais do empregado, podendo ser dobrado em caso de reincidência entre partes idênticas (§ 3º do artigo 223-G).

Sem dúvida, no caso de morte a ofensa é gravíssima, sendo que a hipótese, se regulada pela CLT, se enquadraria no inciso IV do § 1º do artigo 223-G da CLT, sendo o limite de indenização devida aos familiares do empregado o valor correspondente a cinquenta salários contratuais.

Todavia, considerando a redação do § 3º (Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização), é evidente que este dispositivo não seria aplicável à indenização em caso de morte.

Isso porque, à obviedade, é impossível a reincidência da hipótese entre partes idênticas, pois uma pessoa só morre uma vez.

Logo, o § 3º acima referido reforça a tese acima levantada, pois não seria lógico que outras infrações gravíssimas pudessem ser dobradas em caso de reincidência, podendo a indenização chegar a cem salários contratuais, e a indenização por lesão à vida ficasse limitada a cinquenta salários contratuais.

Os dispositivos da CLT não são compatíveis, pois, com a hipótese de falecimento do empregado.

 

CONCLUSÃO

As alterações promovidas pela Reforma Trabalhista na CLT, notadamente no Título II-A, devem ficar restritas à relação entre empregado e empregador, não alcançando os familiares do empregado falecido.

Em primeiro lugar, porque a relação existente entre os familiares do empregado e o empregador não é trabalhista, sendo que os danos em ricochete se fundamentam na legislação civil.

Em segundo lugar, porque o direito à vida não está previsto no rol do artigo 223-C da CLT. Não obstante o rol seja exemplificativo, houve um silêncio eloquente do legislador, que preferiu não incluir o direito à vida, justamente para afastar a aplicação dos dispositivos celetistas das indenizações devidas aos familiares em caso de morte do empregado.

Por fim, ao prever a dobra da indenização em caso de reincidência apenas entre as mesmas partes (artigo 223-G, § 3º, da CLT), o legislador deixou evidente que quis deixar para a legislação civil a regulamentação da responsabilidade civil do empregador perante os familiares do empregado falecido, pois não seria razoável e lógico possibilitar indenização maior em caso de ofensa a bens jurídicos menores que a vida, que é, por excelência, o principal bem tutelado pelo Direito.

Portanto, em caso de morte do empregado em acidente do trabalho, a indenização por danos ao patrimônio imaterial dos seus familiares é regulada pelo Código Civil, sendo medida pela extensão do dano (artigo 944 do CC), não se limitando a cinquenta salários mínimos.

 


[1] Critica-se o termo “dano extrapatrimonial”, tendo em vista que os direitos de personalidade fazem parte do patrimônio do empregado (patrimônio ideal, aliás), sendo equivocada a nomenclatura dano extrapatrimonial. Melhor seria que o legislador fizesse referência a “dano ao patrimônio imaterial”.

[2] Há respeitáveis posicionamentos defendendo a inconstitucionalidade da tarifação da indenização, por dentre outros fundamentos, por ofensa ao princípio da isonomia (por levar em consideração a renda do trabalhador) e por potencial ofensa ao princípio da restituição integral.

Sobre o autor
Willian Alessandro Rocha

Bacharel em direito pela UCP - Faculdade de Centro do Paraná, Especialista em Direito Processual Civil (FACINTER) e em Direito e Processo do Trabalho (CESUL), servidor público, Diretor de Secretaria de Vara do Trabalho, aprovado no I Concurso Público Nacional Unificado da Magistratura do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos