ANOTAÇÕES SOBRE O DIREITO CANÔNICO
Rogério Tadeu Romano
As comunidades religiosas organizando-se e vivendo sob a inspiração dos princípios evangélicos, foram estabelecendo práticas, usos e costumes que adquiriram a força do ius non scriputum, ascendendo à categoria de cânones.
Os magnos Concílios da Igreja, como o da Niceia(325 d.C) e o de Constantinopla(381 d.C) multiplicaram esses cânones, depois compilados com a denominação de Canones Apostolicus.
Após os Concílios de Niceia(325 d.C) e dea Sárdica(343 d.C), a Igreja Católica Romana foi orientada pelas cartas ou decretais de bispos e papas, como Syrtacus(384 d.C), Anastasius II(496 d.C) e Adrianus I(774 d.C), cujos cânones se propagaram por regiões que hoje são denominadas por França, Inglaterra e Espanha.
Coube a Gratianus, cerca do ano 1.148, fazer a seleção das decretais, incorporando as verdadeiras e incorporando as falsas na sua Concordantia discordantum canonum, depois chamada de Decretum, que se compunha de três partes: I – tratava das fontes do Jus Canonicium e das pessoas e dos ofícios eclesiásticos, compreendendo 101 distinctionis, subdivididas em cânones; II – consistia em 36 causae, subdivididas em quaestiones, com os cânones correspondentes; III – regia os sacramentos e o ritual da Igreja, De consecratione, contendo cinco distinctiones. Mais tarde, passou a constituir a 1ª do Corpus Iuris Canonici, denominação consagrada a partir de Gregorius XIII, por volta de 1.582.
O Decretum de Gratianus foi divulgado largamente e recebeu inúmeros comentários e anotações dos estudiosos, que vieram enriquecê-lo. Vieram as Compilationes, em que se incluíram os decretais extravagantes, merecendo destaque o Beviarium extravagantium, compilado por Bernardus de Pavia, cerca de 1.190.
Gregorius IX, em 1.230, fez acrescentar a esse complexo normativo nove “decretais” de Innocentius III e mais 196, “capítulos” de sua autoria, que serviram de base à 2ª Parte do Corpus Iuris Canonici.
Sob Bonifácio VIII, uma comissão de canonistas elaborou nova “coleção oficial” dos cânones, que foi publicada em 1.298, com o nome de Liber Sextus, contendo as constituições posteriores a 1.234 e os decretos dos dois concílios ecumênicos de Lião. Foi preparada outra “coleção oficial” sob os cuidados de Clemente V e por ele promulgada em 1.314 – as Clementinae – foi acrescida das “Extravagantes”, de João XXII, em 1.317, que incluíram as constituições clementinas e os decretos do Concílio de Viena(1.311). Por fim, as Extravagantes Communes, reunindo os editos papalinos de mais de um século, sob Sisxtus IV(1.484), com vários títulos e livros, encerram o ciclo gestatório do Corpus Iuris Canonici.
Benedictus XV promultou em 1.917, o Codex Iuris Canonici, com 2.414 cânones ou artigos, distribuídos em cinco livros, que compreendem normas gerais(cânon I, usque 86), “das pessoas”(cânon 87 a 725), “das coisas” (cânon 726 usque 1.551), “de processos”(cânon 1.552 usque 2.194) e “de delitos e penas” (cânon 2.195 usque 2.414).
O Direito Canônico é proveniente da lei da Igreja Católica e da Anglicana.
A vida da comunidade eclesial é diretamente regulada pelos chamados Direitos Canônicos, os quais se relacionam com os católicos espalhados pelo mundo. Todas as suas características estão regulamentadas no Código do Direito Canônico e a Igreja Católica mantém um Tribunal Eclesiástico que faz julgamentos baseados no mesmo.
Foi o papa João Paulo II que, em janeiro de 1983, revisou e promulgou as diretrizes do Direito Canônico que, hoje, é vigente no mundo católico. A nova Constituição Apostólica substituiu a que havia sido promulgada pelo papa Bento XV em 1917. Alguns anos mais tarde da revisão publicada por João Paulo II, este mesmo papa também promulgou o código que deveria ser utilizado para as igrejas católicas do Oriente, intitulando-o de Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
A Constituição Apostólica Sacrae disciplinae leges, promulgada a 25 de Janeiro de 1983, voltou a chamar a atenção de todos para o facto de que a Igreja, enquanto comunidade espiritual e visível e ao mesmo tempo ordenada hierarquicamente, tem necessidade de normas jurídicas "a fim de que o exercício das funções que lhe foram confiadas por Deus, especialmente a do sagrado poder e da administração dos sacramentos, possa ser adequadamente organizado". Em tais normas, é necessário que resplandeça sempre, por um lado, a unidade da doutrina teológica e da legislação canónica e, por outro, a utilidade pastoral das prescrições, mediante as quais as disposições eclesiásticas estão ordenadas para o bem das almas.
A fim de garantir mais eficazmente quer esta necessária unidade doutrinal, quer a finalidade pastoral, às vezes a suprema autoridade da Igreja, depois de ter ponderado as razões, decide as oportunas mudanças das normas canónicas, ou então introduz nelas alguns acréscimos. Este é o motivo que nos induz a redigir a presente Carta, que diz respeito a duas questões.
Antes de tudo, nos cânones 1008 e 1009 do Código de Direito Canónico, sobre o sacramento da Ordem, confirma-se a distinção essencial entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial e, ao mesmo tempo, evidencia-se a diferença entre episcopado, presbiterado e diaconato. Pois bem, depois que, tendo ouvido os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé, o nosso venerado Predecessor João Paulo II estabeleceu que se devia modificar o texto do número 1581 do Catecismo da Igreja Católica, a fim de retomar mais adequadamente a doutrina sobre os diáconos, da Constituição dogmática Lumen gentium (cf. n. 29) do Concílio Vaticano II, também nós consideramos que se deve aperfeiçoar a norma canónica que diz respeito a esta mesma matéria. Portanto, depois de ouvir o parecer do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, estabelecemos que as palavras dos supramencionados cânones sejam modificadas como sucessivamente indicado.
Além disso, dado que os sacramentos são os mesmos para toda a Igreja, é de competência unicamente da suprema autoridade aprovar e definir os requisitos para a sua validade, e também determinar aquilo que se refere ao rito que é necessário observar na celebração dos mesmos (cf. cân. 841), e tudo isto é válido também para a forma que deve ser observada na celebração do matrimónio, se pelo menos uma das partes foi baptizada na Igreja católica (cf. câns. 11 e 1108).
Todavia, o Código de Direito Canónico estabelece que os fiéis, que se separaram da Igreja com um "acto formal", não são obrigados às leis eclesiásticas relativas à forma canónica do matrimónio (cf. cân. 1117), à dispensa do impedimento de disparidade de culto (cf. cân. 1086) e à autorização pedida para os matrimónios mistos (cf. cân. 1124). A razão e o fim desta exceção à norma geral do cân. 11 tinha a finalidade de evitar que os matrimónios contraídos por aqueles fiéis fossem nulos por defeito de forma, ou então por impedimento de disparidade de culto.
Todavia, a experiência destes anos demonstrou, ao contrário, que esta nova lei gerou não poucos problemas pastorais. Antes de tudo, pareciam difíceis a determinação e a configuração prática, nos casos individuais, deste ato formal de separação da Igreja, quer quanto à sua substância teológica, quer quanto ao próprio aspecto canónico. Além disso, surgiram muitas dificuldades tanto na ação pastoral como na prática dos tribunais. Com efeito, observava-se que da nova lei pareciam nascer, pelo menos indiretamente, uma certa facilidade ou, por assim dizer, um incentivo à apostasia naqueles lugares onde os fiéis católicos são numericamente exíguos, ou então onde vigem leis matrimoniais injustas, que estabelecem discriminações entre os cidadãos por motivos religiosos; além disso, ela tornava difícil o retorno daqueles batizados que desejavam intensamente contrair um novo matrimónio canónico, depois do fracasso do precedente; enfim, omitindo outras considerações, muitíssimos destes matrimónios tornavam-se de facto para a Igreja matrimónios chamados clandestinos.
Considerando tudo isto e avaliando cuidadosamente os pareceres tanto dos Padres da Congregação para a Doutrina da Fé e do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, como também das Conferências Episcopais que foram consultadas acerca da utilidade pastoral de conservar ou então ab-rogar esta exceção à norma geral do cân. 11, pareceu necessário abolir esta regra introduzida no corpo das leis canónicas atualmente em vigor.
Portanto, estabelecemos que se elimine do mesmo Código as palavras: "e dela não tiver saído por um ato formal" do cân. 1117, "e não a tenha abandonado por um ato formal" do cân. 1086 §1, como também "e que dela não tiver saído por um ao formal" do cân. 1124.
Portanto, depois de ter ouvido a este propósito a Congregação para a Doutrina da Fé e o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e pedido também o parecer aos nossos Veneráveis Irmãos Cardeais da S.R.I. que guiam os Dicastérios da Cúria Romana, estabelecemos quanto segue:
Art. 1. O texto do cân. 1008 do Código de Direito Canónico seja modificado de modo que doravante resulte assim:
"Mediante o sacramento da ordem, por divina instituição, alguns de entre os fiéis, pelo carácter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, e assim são consagrados e delegados a servir, segundo o grau de cada um, com título novo e peculiar, o povo de Deus".
Art. 2. O cân. 1009 do Código de Direito Canónico doravante terá três parágrafos, no primeiro e no segundo dos quais se manterá o texto do cânone em vigor, enquanto no terceiro o novo texto seja redigido de modo que o cân. 1009 §3 resulte assim:
"Aqueles que são constituídos na ordem do episcopado ou do presbiterado recebem a missão e a faculdade de agir na pessoa de Cristo Cabeça; os diáconos, ao contrário, sejam habilitados para servir o povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade".
Art. 3. O texto do cân. 1086 §1 do Código de Direito Canónico é modificado do seguinte modo:
"É inválido o matrimónio entre duas pessoas, uma das quais tenha sido batizada na Igreja católica ou nela recebida, e outra não batizada".
Art. 4. O texto do cân. 1117 do Código de Direito Canónico é assim modificado:
"A forma acima estabelecida deve ser observada se ao menos uma das partes contraentes tiver sido batizada na Igreja católica ou nela recebida, salvas as disposições do cân. 1127 §2".
Art. 5. O texto do cân. 1124 do Código de Direito Canónico é assim modificado:
"O matrimónio entre duas pessoas batizadas, uma das quais tenha sido batizada na Igreja católica ou nela recebida depois do batismo, e outra pertencente a uma Igreja ou comunidade eclesial que não esteja em plena comunhão com a Igreja católica, é proibido sem a licença expressa da autoridade competente".