A administração pública municipal e a gestão de riscos ambientais urbanos

07/03/2019 às 16:31
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Aborda-se o funcionamento da Administração Pública Municipal no que tange à gestão de riscos ambientais urbanos.

RESUMO

O presente artigo aborda o funcionamento da Administração Pública Municipal no que tange à gestão de riscos ambientais urbanos. Analisa-se a eficácia jurídica e social das normas que regem a ocupação e o uso de espaços territoriais urbanos no tocante à prevenção e à redução de desastres ambientais. Para consecução do fim colimado estudou-se as normas aplicadas no controle e prevenção de riscos ambientais, almejando-se identificar as políticas públicas mais adequadas ao planejamento e ordenamento do território da cidade. Ressalta-se que além da proposição políticas mais adequadas ao controle e prevenção de riscos, foi delineado o planejamento ambiental urbano como mecanismo de fomento do equilíbrio entre desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental.

Palavras-chave: gestão de riscos; planejamento urbano; políticas públicas; riscos ambientais; sustentabilidade ambiental.

ABSTRACT

This article deals with the functioning of the Municipal Public Administration with regard to the management of urban environmental risks. The legal and social effectiveness of the regulations governing the occupation and use of urban territorial spaces in relation to the prevention and reduction of environmental disasters is analyzed. In order to achieve the collimated goal, we studied the norms applied in the control and prevention of environmental risks, aiming at identifying the most appropriate public policies for the planning and planning of the city's territory. It should be stressed that in addition to proposing policies more adequate to the control and prevention of risks, urban environmental planning was designed as a mechanism to promote the balance between economic development and environmental sustainability.

Keywords: risk management; public policies; urban planning; environmental risks; risk management; environmental sustainability.

1 INTRODUÇÃO

O crescimento urbano desordenado dos últimos anos, acompanhado de forte adensamento populacional, tem contribuído para o aumento de áreas de risco ambiental em áreas urbanas, tornando a questão da prevenção de danos em um dos maiores problemas enfrentados pela Administração Pública e pela sociedade.

Observa-se que cidades do interior do país, ainda em fase de desenvolvimento, multiplicaram o tamanho da sua população, gerando um grande acréscimo de necessidades estruturais nas áreas ocupadas e a complexidade de gestão dos impactos sociais e ambientais sobre os locais de assentamento.

Nesse desiderato, as cidades tidas como polos regionais têm atraído populações oriundas de áreas circunvizinhas em busca de melhores oportunidades de trabalho e estudo, que, não obstante, encontram um cenário urbano despreparado para absorver o forte adensamento populacional.

A concentração de pessoas e atividades em centros urbanos regionais, sem o planejamento necessário por parte do poder público, se tornou a grande causa dos problemas de ocupação desordenada do espaço territorial. Neste contexto, vislumbra-se a ineficiência das políticas públicas de gestão urbana em tratar da sustentabilidade ambiental das cidades, que, atualmente, são verdadeiros contínuos de terra ocupada por bolsões de pobreza.

Deste modo, as normas que regem a ocupação, o uso e o parcelamento do solo urbano, apresentam-se como relevantes aos estudos atuais do Direito Administrativo e do Direito Ambiental e Urbanístico, sobretudo, ao apontar para uma harmoniosa utilização da propriedade, visando o respeito ao meio ambiente, como direito constitucional permanente.

2 OS RISCOS AMBIENTAIS NOS ESPAÇOS URBANOS

Os desastres ambientais e os acidentes naturais estão cada vez mais frequentes, seja pela ação antrópica negligente, seja pelos fenômenos naturais de grande intensidade como as mutações climáticas globais. Tais eventos adversos têm, a cada dia, transformado substancialmente os ecossistemas com impactos ambientais diretos nas populações locais (GUIMARÃES et al, 2012).

Na atualidade, o elevado do número de pessoas morando em áreas tidas como de risco ambiental tem sido um aspecto demasiadamente negativo  do processo de urbanização, em que fatores econômicos e sociais contribuem para o agravamento desse quadro.

O risco ambiental, como a classe maior dos riscos, segundo Egler (1996), abrange, em sua proposta, desde a ocorrência de perigos naturais e impactos da alocação de fixos econômicos no território, até as condições de vida da sociedade, o que implica em avaliações em diferentes escalas.

Nesse contexto, a ocorrência de um processo ou fenômeno natural pode ou não gerar perdas e danos. Quando gera, ele é chamado de acidente e quando não gera, ele é chamado de evento. A susceptibilidade de uma área com relação a determinado fenômeno caracteriza a possibilidade de sua ocorrência, enquanto que risco envolve a possibilidade de que um fenômeno seja acompanhado de danos e perdas (CERRI e AMARAL, 1998).

É inegável que o modelo de desenvolvimento contemporâneo tem gerado um agravamento substancial do processo de degradação da natureza. Tal processo, denominado risco natural, faz parte da dinâmica da natureza, isto é, sua ocorrência independe da ação antrópica. Não obstante, com a intensificação dos atos humanos, diversos processos naturais passaram a ocorrer com mais frequência, podendo ser observados nas inúmeras alterações decorrentes da ocupação e uso do solo.

Neste sentido, a professora Lucí Hidalgo Nunes aponta que “o palco maior das calamidades naturais tem sido o espaço urbano, que cresce em termos de área ocupada pelas cidades e da proporção de pessoas que as habitam” (NUNES, 2015).

3 POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E PLANEJAMENTO URBANO

As políticas públicas voltadas para a cidade são princípios e ações que têm como objetivo planejar o ordenamento e desenvolvimento sustentável urbano, assegurando a toda à população o direito a uma cidade saudável.

A Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988) consolidou um movimento de diversos setores da sociedade quando incluiu em seu texto um capítulo específico para a política urbana, que prevê uma série de instrumentos para a garantia, no âmbito de cada município, do direito de defesa de função social da propriedade e da democratização da gestão urbana.

A Constituição atribuiu ao Município funções de planejamento, gestão, controle e desenvolvimento dos espaços urbanos. Observa-se, então, a relação intrínseca entre planejamento e política urbana, pois o planejar pode ser visto como um processo político-administrativo de governo, que, apesar estar calcado em conhecimentos teóricos, precisa estar delineado como políticas e diretrizes práticas (DIAS, 2012).

Ademais, o planejamento urbano tem como fim o ordenamento, a articulação e a equiparação do espaço territorial, de modo racional, direcionando a malha urbana, com suas áreas ou zonas, a determinados usos e funções de cada uma (DI SARNO, 2004).

O planejamento público consiste em uma atividade que orienta possibilidades, arranjos institucionais e políticos. Planejar é um processo, enquanto o plano é um registro momentâneo deste processo e o planejador é seu facilitador. Quando um governo planeja, os propósitos devem ser claros e compatíveis com os princípios e diretrizes estabelecidos pela Constituição, emanada da soberania popular (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2012).

A tomada de decisão pelos governos, em todo o seu ciclo, deve, assim, observar os critérios de desenvolvimento sustentável, buscando transformar as dimensões deste em critérios objetivos de políticas públicas.

Segundo a professora Daniella Maria dos Santos Dias (2012) um bom planejamento ambiental urbano implica na elaboração de programas que envolvam, dentre outras estratégias: planejamento com estabelecimento de metas e cronogramas; estratégia e metodologia de ação; formas do registro e divulgação dos dados coletados; periodicidade e forma de avaliação do desenvolvimento do plano de ação; bem como, levantamento de riscos.

Com efeito, diz-se que a prevenção de riscos ambientais no planeamento e ordenamento do território urbano são viáveis, desde que seja precedida pela análise e consequente correta aplicação de normas técnicas e jurídicas, que regulamentam o uso de espaços territoriais da cidade.

Surge assim, a proeminência de se implantar políticas públicas que venham a contribuir para prevenção de danos ambientais causados pelas práticas da maximização dos lucros em detrimento da conservação e preservação das áreas de relevância socioambiental.

4 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A GESTÃO DO USO E PARCELAMENTO DO SOLO URBANO

A Constituição da República promulgada em 1988 inovou ao elevar o meio ambiente à categoria de bem tutelado pelo ordenamento jurídico, sistematizando a matéria ambiental, estabelecendo o direito ao meio ambiente sadio como um direito fundamental, bem como, de forma inovadora, instituiu a proteção do meio ambiente como princípio da ordem econômica, no artigo 170.

A matéria ambiental é tratada em diversos títulos e capítulos da Constituição. O Título VIII (Da Ordem Social), em seu Capítulo VI, no artigo 225, caput, expõe que todos nós temos direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que ser caracteriza por ser um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e que se impõe ao Poder Público e à coletividade, que por sua vez tem o dever de defendê-lo e preservá-lo (BRASIL, 1988).

O artigo 225 dispõe que a geração atual não tem o direito de usufruir de todos os recursos fornecidos pelo meio ambiente de modo a deixar para as próximas gerações um saldo negativo, trata-se de um verdadeiro mandamento de equidade “intergeracional” (KIS, 2004). Com base nisso, é possível observar que o citado dispositivo tem uma natureza dúplice, ou seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para presentes e futuras gerações é, ao mesmo tempo, um direito e um dever fundamental do Poder Público e de toda coletividade.

A Constituição também dispõe de modo expresso o dever do Poder Público em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) atuar na defesa do meio ambiente, tanto nos âmbitos administrativo e legislativo, quanto jurisdicional, adotando políticas públicas necessárias para se cumprir o dever imposto.

Desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, o direito de propriedade ganhou uma nova roupagem, que não só o social, existente anteriormente nas outras constituições, mas também o ambiental, uma vez que a propriedade passou a ser operada em subordinação ao cumprimento de sua função ambiental e social.

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A função socioambiental da propriedade também foi reconhecida de forma expressa pela Constituição nos seus artigos 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 186, inciso II. Quando se afirma que a propriedade tem uma função social, na verdade está se dizendo que ao proprietário se impõe o dever de exercer o seu direito em benefício da coletividade. Verifica-se, pois, conforme dispõe Edis Milaré (2014), que a propriedade se socializou, significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual. Acontece que atualmente não se cogita mais da mera função social, mas da sua função socioambiental, pois o proprietário fica obrigado a preservar para presentes e futuras gerações o ecossistema que a integra.

A Constituição fixou como objetivos da política urbana o pleno desenvolvimento das funções socioambientais da cidade e a garantia do bem-estar dos seus habitantes. Deste modo, a plenitude da função social é cumprida quando a cidade proporciona aos seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, além do piso vital mínimo que é compreendido pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados e um meio ambiente sano e equilibrado.

Dentro do contexto de função socioambiental da propriedade, a Constituição de 1988 veio para consolidar o movimento de diversos setores sociais e de abrangência nacional que lutou para incluir no texto constitucional instrumentos capazes de instaurar uma verdadeira função social da cidade no processo de construção sustentável do espaço urbano (LEAL, 1998). Assim, foi incluído na Lei Maior um capítulo específico para a política urbana que previa uma série de instrumentos para a garantia, no âmbito de cada município, do direito de defesa de função social da cidade e da propriedade e da democratização da gestão urbana (MOREIRA, 2014).

Acontece que, não bastava incluir no texto da Constituição princípios e instrumentos da função social, era necessária uma legislação específica para que os ideais pudessem ser implementados. Então, foi concebido o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 2001).

O Estatuto da Cidade, ao definir os fundamentos da política urbana e apresentar propostas para articulação de ações e de recursos para enfrentar o problema habitacional, tornou-se importante instrumento de gestão ambiental ao incorporar o conceito de cidade sustentável (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010).

As principais características do Estatuto estão ligadas a atribuição dada aos municípios na implementação de planos diretores participativos, definindo uma série de instrumentos urbanísticos, que, por sua vez, tem no combate às ilegalidades presentes na maioria das regularizações fundiárias dos imóveis urbanos seu principal objetivo.

No que tange ao ambiente urbano o Estatuto em seu artigo 1º, parágrafo único, dispõe que: “esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2001).

No mesmo diapasão, o artigo 2º da lei em apreço dispõe que todos tem direito a cidades sustentáveis, sob a égide do direito à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, preocupando-se não só com as gerações presentes, mas também com as futuras. Não obstante, são dezesseis incisos instituídos com o intuito de ordenar ações de interesse social para a democratização do uso dos espaços urbanos (MOREIRA, 2014).

Contudo, o uso adequado da propriedade imóvel urbana, que resulte na efetiva utilização de sua função socioambiental, ainda enfrenta vários obstáculos para a sua concretização, haja vista que as garantias preconizadas no Estatuto se revestem de diretrizes que ensejam disputas entre diferentes interesses, principalmente da especulação imobiliária.

Conforme preconizado no Estatuto da Cidade, a gestão do uso e ocupação dos espaços territoriais urbanos é uma condição para se alcançar o desenvolvimento sustentável que seja capaz de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade de satisfazer as futuras gerações.

Eis que nos últimos anos, o intenso crescimento das cidades reforçou o papel do planejamento urbano como relevante instrumento de organização das ações públicas visando o bem-estar da coletividade e a justiça social. Nesse sentido, a Constituição de 1988, ao tratar da política urbana, definiu como obrigatório o Plano Diretor para cidades com população acima de 20.000 habitantes (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010).

Corroborando com o mandamento constitucional, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 2001) reafirmou o objetivo do estabelecimento do Plano Diretor como instrumento fundamental da política de desenvolvimento e expansão urbana que, por sua vez, deve englobar o território do Município como um todo.

Por sua vez, o parcelamento do solo urbano é um instrumento de execução da política de desenvolvimento e expansão urbana, disciplinado no artigo 30, inciso VIII da Constituição da República de 1988, que dispõe: “compete aos Municípios:” “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;” (BRASIL, 1988). Também, vincula-se às diretrizes do artigo 2º da Lei 10.257 de 2001 (Estatuto das Cidades) compreendendo normas urbanísticas, ambientais, sanitárias, civis e penais visando disciplinar a ocupação do solo e o desenvolvimento urbano.

O tema também e tratado pela Lei 6.766 de 1979 (BRASIL, 1979), que dispôs sobre o parcelamento do solo urbano e em seu artigo 2º. Segundo a exegese da lei em apreço, o parcelamento de solo urbano é um termo gênero, cujas espécies são o loteamento e o desmembramento (GALHARDO, 2004). Por loteamento deve-se compreender a divisão de gleba em lotes com destinação específica, como abertura de novas vias, logradouros ou prolongamentos, modificações ou ampliações das vias existentes. Já por desmembramento deve-se entender a subdivisão de glebas de terras em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente sem modificações no espaço territorial.

Pelo exposto, compreende-se que a normatização do parcelamento do solo urbano tem por objetivo ordenar o crescimento da cidade estabelecendo critérios e parâmetros de uso e ocupação do solo. O parcelamento caracteriza-se por loteamento, desmembramento e desdobro de lotes, definidos pelo Plano Diretor, sujeitos à aprovação do município, devendo atender ao princípio da função socioambiental da propriedade e da cidade.

Acontece que muitos municípios ainda não possuem lei própria de parcelamento, uso e ocupação do solo como parte integrante da política municipal de desenvolvimento urbano, que por sua vez deveria ser elaborada em consonância com a Lei Orgânica e o Plano Diretor do Município. Nesse sentido, almeja-se uma iniciativa de lei que venha a preencher essa lacuna.

Considerando os aspectos físicos, jurídicos e sociais envolvidos na falta de políticas públicas consubstanciadas em um efetivo planejamento ambiental constata-se que aumentam diuturnamente as áreas de deflagração de risco (principalmente de deslizamentos e de enchentes) no espaço territorial urbano em várias cidades do interior do país.

Os Planos Diretores vigentes, na maioria das cidades, no tocante ao parcelamento do solo, não restringiram o crescimento desordenado e nem coibiu de modo eficaz a especulação imobiliária. Ademais, a Administração Pública não prioriza a reversão do uso das áreas em fundo de vale, ao contrário, contribuiu para a aceleração da expansão das construções ao aprovar os projetos que de alteraram substancialmente o ecossistema urbano.

Casos de desabamentos de moradias, enchentes, assoreamento de cursos d’água, destruição de cobertura vegetal nativa e desenvolvimento de processos erosivos, tem sido cada vez mais frequentes nos espaços territoriais da cidade. Nesse contexto, o parcelamento irregular do solo urbano é uma atividade que tem sido responsável pelo comprometimento da segurança e da qualidade de vida dos cidadãos.

Não obstante, a Administração Pública Municipal tem papel fundamental no controle ambiental do parcelamento do solo, pois essa é uma atividade tradicionalmente vinculada à gestão municipal, conforme dispõe a Lei de Parcelamento e Ocupação do Solo (Lei 6.766 de 1979).

Eis que a aprovação de loteamentos e desmembramentos são realizadas pelos Municípios e devem considerar os seus impactos potenciais sobre o meio ambiente, assim como garantir a devida mitigação e compensação dos mesmos.

5 A GESTÃO DE RISCOS AMBIENTAIS URBANOS NOS MUNICÍPIOS EM DESENVOLVIMENTO

Devido à carência de políticas públicas eficientes, os desastres ambientais e os acidentes naturais em espaços territoriais urbanos têm afetado parte significativa da população, gerando inúmeras vítimas e prejuízos econômicos. Por isso, diz-se que a conjunção entre especificidades do substrato geológico, eventos climáticos e aumento expressivo da urbanização tem conduzido a situações socioambientais críticas.

Com relação ao uso inadequado do solo, a situação atual das cidades, especialmente as que se encontram em fase de desenvolvimento, apresenta-se mais grave ainda, já que a ocupação territorial ilegal não é cadastrada pela administração pública municipal. Acontece que a informalidade na ocupação dos espaços urbanos tem sido tolerada pelos entes municipais.

Ademais, o crescimento econômico periférico de cidades polo regionais, geralmente vem acompanhado de um crescimento da população de baixa renda, que chega em busca de oportunidades de emprego e sobrevivência, mas não tem condições de instalar-se em regiões mais bem equipadas e estruturadas. Por isso, está população acaba criando um bloco ilegal nas cidades, tais como: favelas, cortiços e ocupações em áreas de risco; geralmente, em periferias longínquas e à margem dos investimentos públicos.

Nesse contexto, a quantidade de informalidade urbana requer uma política territorial mais ampla e efetiva, sobretudo, sustentável, de forma a oferecer moradia com custos compatíveis com a capacidade econômica das famílias. Por conseguinte, é essencial um modelo de desenvolvimento que busque harmonizar o homem ao meio em que ele vive.

Para se organizar e minimizar os desequilíbrios urbanos, em seus aspectos, políticos, econômicos, sociais e ambientais, é preciso, antes de tudo, promover a qualidade de vida da população por meio do planejamento (CASSILHA e CASSILHA, 2009).

É possível, então, afirmar que as políticas públicas urbanas devem incentivar um desenvolvimento sustentável das cidades com menor impacto ao meio ambiente, sendo desenvolvidas em parcerias do governo com a sociedade. Na questão ambiental, os interesses são diversos, e com uma extensa pauta, o governo local segue regulando, criando leis e, principalmente, fiscalizando. Contudo, é na periferia que a questão se agrava, haja vista, que além da falta de planejamento urbanístico e ambiental, as construções não são respaldadas por técnicas ou normas, que se fossem cumpridas serviriam para minimizar os riscos geológicos e ambientais (RAMOS e GOMES, 2016).

Assim, a necessidade de se antecipar a ocorrência de tragédias associadas a áreas de risco depende de políticas de prevenção de desastres naturais, que nos últimos anos tem ganhado maior atenção do poder público, principalmente devido à repercussão nacional e internacional de grandes desastres ambientais, como o ocorrido na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro em 2011, em que enchentes e deslizamentos vitimaram 918 e cerca de 30 mil ficaram desalojados e desabrigados (PORTAL G1, 2016).

Como medidas principais, cada Município deve ter um Código de Obras e Posturas e um Plano Diretor, em consonância com a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e Lei Federal de Proteção e Defesa Civil, para que os órgãos públicos não somente fiscalizem, mas, sobretudo, identifiquem e sistematizem técnicas adequadas e soluções, que venham a minimizar os problemas de riscos geológicos e ambientais da cidade.

Contudo, também, é necessária que haja uma lei específica que venha complementar às normas gerais do regime urbanístico, no tocante ao parcelamento, uso e ocupação de solo. Esta lei, sendo instituída, irá normatizar a execução de loteamentos, desmembramentos, arruamentos e edificações, bem como a realização de planos, projetos, obras e serviços, que afetem a organização físico-territorial do Município.

Vislumbra-se a necessidade irrefutável de normatização da urbanização com vistas a incorporar na teoria abstrata da norma a concretude dos cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova visão levaria a uma mais estreita colaboração entre Engenharia, Arquitetura, Urbanismo e Direito Ambiental de modo a adequar os projetos de desenvolvimento à natureza, ao invés de, burocraticamente, pretender adequar a natureza a seus projetos.

Ademais, é patente que o gestor público ambiental deve se orientar pela eficiência e, sobretudo pela ética, para alcançar o interesse público do uso sustentável dos recursos naturais disponíveis. Pois, “bom administrador, é antes de tudo aquele que consegue produzir o efeito desejado, que alcança um bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade, imparcialidade e moralidade” (RAMOS, 2016).

Observa-se então que a sociedade acaba pagando caro pela inexistência de uma política pública municipal elaborada em consonância aos princípios do desenvolvimento sustentável, de modo a inverter o caminho que se percorre atualmente, qual seja, o de agir a partir do fato consumado. Se contrário fosse, e se adotasse uma política habitacional honesta e competente impediria ou, no mínimo, reduziria substancialmente as ocupações perigosas.

Assim sendo, as dificuldades inerentes ao Poder Público Municipal, pela ausência de fiscalização efetiva, em que pese o enorme custo da ociosa máquina pública, mostra-se muitas vezes incapaz de, no mínimo, orientar para que se não ocupem áreas perigosas sem os indispensáveis cuidados geotécnicos entre outros. Ademais, o comportamento desvirtuado dos gestores públicos ao longo dos anos, não só permitiu ocupações indevidas, bem como chegou a estimulá-las, dotando essas áreas de infraestrutura que levaram à sua expansão.

A utilização de normas jurídicas e técnicas precisam ser constantemente atualizadas, para estarem coerentes com a realidade subjacente. Por sua vez, estas devem estar em sintonia com as novas tecnologias e políticas públicas, que visem não somente a arrecadação por meio de tributos e multas, mas sim a conscientização do cidadão por meio de programas de educação ambiental, que direta e indiretamente, poderão minimizar os riscos ambientais e geológicos nas diferentes áreas urbanas.

Somente assim, com um conjunto normativo jurídico consistente, alicerçado em regramentos técnicos específicos, é possível otimizar a prevenção de riscos. Então, para se conseguir ter uma visão global da cidade e conseguir administrar seu território de modo eficaz, é necessário um Plano Diretor e um conjunto de leis que reflitam os indicadores sociais (DIAS, 2012).

Então, é emergente a revisão dos planos diretores em consonância com um novo Código de Obras e Posturas e uma Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, que tragam em seu bojo dispositivos normativos, claros e objetivos, capazes de prevenir a ocupação do solo em áreas de risco geológico e assim reduzir a propensão de danos ambientais. Uma vez que o zoneamento do território baseado na avaliação da vulnerabilidade e do risco é considerado o instrumento para a integração dos riscos no planeamento ambiental.

O caminho para a solução do problema da urbanização desorganizada não é simplesmente impedir a construção em chamadas áreas de risco geológico, mas, construir (se não houver alternativa) com as devidas técnicas e o bom senso, de forma segura e tecnicamente sustentável.

Assim, espera-se que, com maior conhecimento e aplicação das normas jurídicas e regramentos técnicos que regem o controle da ocupação dos espaços territoriais urbanos, os gestores públicos venham a encontrar soluções que minimizem os problemas de riscos geológicos e ambientais, proporcionando uma melhor qualidade de vida para a população que tanto sofre com as intervenções no meio ambiente.

6 CONCLUSÃO

A urbanização é um fenômeno ambiental, econômico e, sobretudo, social, que tem afetado todos os aspectos que envolvem a gestão pública das sociedades contemporâneas, principalmente no que se refere à ocupação de espaços urbanos em desenvolvimento.

Pondera-se que é imprescindível que se realize uma constante fiscalização estratégica por parte do poder público, evitando obras e serviços irregulares, de tal forma que minimizem a criação de áreas de riscos, protegendo a população, as encostas, nascentes e cursos d’água.

Assim sendo, uma política pública preventiva de riscos ambientais, para ser verdadeiramente eficaz, deve se pautar pelo planejamento do desenvolvimento urbano de forma sustentável. Para tanto, deve-se buscar a adoção tanto de medidas estruturais, quanto à adoção de medidas não estruturais, com implantação de planos preventivos de defesa civil para os períodos das chuvas mais intensas, monitoramento e atendimento das situações de emergência, e acima de tudo, promover a informação pública e a capacitação para prevenção de riscos.

Vislumbram-se estratégias de cunho técnico, social e político, com a utilização do conhecimento e da aplicação das normas jurídicas e técnicas que regem o controle da ocupação dos espaços territoriais urbanos, no sentido de que sejam encontradas soluções que minimizem os problemas de riscos, que tanto afetam a população que vive em localidades subdesenvolvidas.

Ademais, além da identificação das áreas de risco ambiental em nível técnico-científico, necessita-se da participação mais efetiva da sociedade, com o envolvimento das entidades públicas e privadas, na busca do equilíbrio entre o tão desejado desenvolvimento econômico e social, em sintonia com a preservação do meio ambiente.

Destarte, almeja-se que o presente estudo possa de alguma forma vir a contribuir para o melhoramento do planejamento ambiental e urbanístico das cidades em desenvolvimento, norteando principalmente o papel dos gestores públicos ambientais do município em suas formas de atuação e, sobretudo, corroborando na busca de melhores soluções, tendo como norte o desenvolvimento sustentável.

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Sobre o autor
Jomar de Oliveira Ramos

Advogado, professor de Direito em universidades (Civil, Processo Civil, Ambiental) e cursos preparatórios para concursos (Constitucional, Administrativo e Humanos), com mestrado em Meio Ambiente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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