Ementa: Hermenêutica jurídica com ênfase nos princípios axiológicos da administração condominial e elegibilidade dos cargos eletivos, lei da ficha limpa, Constituição Federal, Lei Complementar nº 64/1990, Lei Ordinária nº 10.406/2002 e Instrução Normativa RFB nº 1.548/2015.
- Introito.
Versa o presente estudo acerca dos princípios norteadores da administração condominial, elegibilidade do síndico e conselho fiscal, no âmbito da Constituição da República Federativa do Brasil, Lei Complementar nº 64/1990, Lei Ordinária nº 10.406/2002 e Instrução Normativa RFB nº 1.548/2015.
A hermenêutica jurídica aplicada ao caso está umbilicalmente vinculada aos princípios axiológicos da sociedade moderna e uma interpretação sistemática teleológica do ordenamento jurídico hodierno, no plano de microssistema, dirigido para condomínios edilícios e associações de moradores.
- Os princípios da administração condominial.
Os princípios gerais de direito são fontes primárias que esmeram alicerçar o desenvolvimento construtivo da norma e regulamentação dos atos praticados pela sociedade.
O conceito de condomínio é melhor definido pela comunhão da propriedade em proporcionalidade de igualdade, direitos e deveres, sobre o todo da fração ideal.
Tratando-se de propriedade em comum, os direitos e deveres que impõe sobre o bem deve ser exercício por um administrador, o qual possui a incumbência de zelar pelo patrimônio, obedecendo rigorosamente as normas jurídicas.
No plano de microssistema, o condomínio edilício e associações de moradores compõe a característica equipada de “microestado”, ou seja, possui a finalidade promover todos os atos necessários para o bem comum.
A teoria classista da administração defendida por Henry Faiol[i] caracteriza-se pela ênfase na estrutura organizacional, da visão do homem econômico e pela busca da máxima eficiência organizacional.
Há que se impor uma interpretação analógica entre a administração condominial e associações de moradores com a administração do Estado, ante a equiparação da finalidade jurídica, pois ambos objetivam “promover todos os atos necessários para o bem comum”, sendo o Estado um plano macro e os pequenos conjuntos habitacionais como um microssistema.
A luz desse raciocínio podemos estão compreender que a administração condominial deve obedecer os princípios básicos da administração pública, que segundo o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles “estão consubstanciado em doze regras de observância permanente para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa e contraditório segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público”[ii].
Os supraditos princípios deverão pautar os atos praticados pela gestão administrativa condominial e assemelhados, tornando o interesse comum a prevalência sobre o interesse individual.
- Aplicação de sistema democrático no direito condominial
O paralelismo do exercício democrático entre o Estado e condomínios e assemelhados são evidenciados pelo artigo 1º, inciso V, § único e artigo 14, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil, CFRB e artigos 1.347 e 1.356, ambos do Código Civil, CC, vejamos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
...
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei...
E
Art. 1.347. A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.
Art. 1.356. Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico
Observa-se que o legislador preservou o sufrágio, preservando o direito de escolha do eleitor, razão pela qual, o mandatário exerce atividade vinculada de representatividade para gerir os atos de interesse comum.
O exercício democrático no plano do direito condominial e assemelhados, impõe reconhecer o dever de observância do mandatário aos atos praticados frente a administração, tanto é verdade que no artigo 1.356 do CC o legislador facultou a fiscalização ao denominado conselho fiscal, o qual detém a competência de dar parecer sobre as contas do síndico.
A administração do condomínio poderá ser exercida por qualquer interessado, ainda que não condômino, em prazo de até dois anos, entretanto, ao conselho fiscal há um delimitador para escolha de seus membros, sendo que o legislador afastou a faculdade do exercício de conselho fiscal por não condômino, ou seja, o conselho fiscal poderá ser exercido somente por condôminos.
Por razões óbvias existe um interesse de ser, o condômino é aquele que detém o direito de propriedade, a preservação dos interesses da propriedade em comum deve ser fiscalizada somente por aquele que possui o interesse de preservação do bem comum, haja vista que terceiro desvinculado ao direito de propriedade poderia negligenciar o dever de fiscalizar incorrendo grave prejuízo ao patrimônio alheio.
Muito embora o legislador tenha assegurado a possibilidade de terceiro estranho ao condomínio exercer a atividade delegada de gestão administrativa, o parecer das contas do síndico fora preservado ao legítimo interessado e proprietário do patrimônio em comum.
Portanto, a aplicação do sistema democrático no direito condominial possui delimitadores que objetivam a preservação do bem comum entre condôminos sobre o interesse do particular.
- O procedimento eleitoral em condomínios
Nesse raciocínio, o procedimento eleitoral em condomínios deve ser realizado de forma equânime e interpretado sob a ótica do ordenamento jurídico hodierno de aplicação analógica com viés aos princípios da democracia, moralidade, probidade, liberdade de propaganda, igualdade ou isonomia.
O princípio da probidade ou boa-fé no âmbito do direito eleitoral condominial, está umbilicalmente vinculado ao interesse social de segurança da relação jurídica candidato e eleitor, vez que o dever de agir com honradez, lealdade e moralidade deverão sobremaneira ser preservados.
O artigo 14, § 9º da CFRB determinou à lei complementar o dever de estabelecer outros casos de inelegibilidade, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, vejamos:
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta
A Lei Complementar nº 64/1.990 regulamentou a matéria assegurando a inelegibilidade para qualquer cargo:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
a) os inalistáveis e os analfabetos;
b) os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura; (Redação dada pela LCP 81, de 13/04/94)
c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
3. contra o meio ambiente e a saúde pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
8. de redução à condição análoga à de escravo; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
9. contra a vida e a dignidade sexual; e (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade;
j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Observa-se pelo artigo 1º, inciso I que o legislador foi enfático ao expressa a terminologia “para qualquer cargo”. O exercício da atividade delegada trata-se de um cargo, uma incumbência atribuída ao síndico, conselho fiscal e assemelhados.
Segundo dicionário Michaelis a melhor definição de Cargo é:
cargo
car·go
sm
1 Aquilo que é ou se tornou incumbência de alguém; encargo.
2 Responsabilidade assumida em relação a alguém ou a alguma coisa; obrigação.
Portanto, o rol taxativo da inelegibilidade definida no artigo Lei Complementar nº 64/1.990 compreende interpretação extensiva e deve ser aplicada no âmbito das eleições condominiais e assemelhados.
O legislador restringiu a capacidade de representação por aqueles que carecem de probidade, devendo o concorrente ao cargo mandatário comprovar por documentos públicos a idoneidade moral, nos termos do artigo 14, § 9º da CFRB.
A comprovação da idoneidade e probidade é ônus decorrente do interessado ao cargo mandatário, devendo apresentar certidões que comprovam o afastamento da inelegibilidade, não podendo haver inversão do referido ônus, haja vista a hipossuficiência do eleitor na busca de informações pessoais do pretenso candidato.
A habilitação ao cargo de síndico, conselho fiscal e assemelhados deverá ser previamente acompanhada de certidões negativas forenses que comprovem a inexistência de condenação transitada em julgado nos crimes taxativos previstos no artigo 1º, inciso I, alínea “e” da Lei Complementar nº 64/1.990 e demais condenações e condições estabelecidas no rol das alíneas do referido diploma legal.
A Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela Receita Federal do Brasil - RFB também é documento idôneo para comprovar a regularidade fiscal do candidato, possibilitando o registro da Ata de Eleição e alterações cadastrais perante a Fazenda Nacional, permitindo a legítima representação do condomínio ou assemelhados.
Impõe a Instrução Normativa RFB nº 1.548/2015 quanto a obrigatoriedade da inscrição do Cadastro de Pessoa Física, CPF, para aqueles que integrem o polo passivo de relação tributária principal ou acessória, seja na condição de contribuinte ou responsável, bem como os respectivos representantes legais, nos termos da legislação tributária da União, estados, Distrito Federal ou municípios, nos termos do artigo 3º, da supra norma, vejamos:
Art. 3º Estão obrigadas a inscrever-se no CPF as pessoas físicas:
I - residentes no Brasil que integrem o polo passivo de relação tributária principal ou acessória, seja na condição de contribuinte ou responsável, bem como os respectivos representantes legais, nos termos da legislação tributária da União, estados, Distrito Federal ou municípios;
Eventual cancelamento, pendência de regularização, suspensão ou quaisquer irregularidades do CPF perante a RFB constitui irregularidade e é óbice para o exercício do cargo mandatário, vez que impossibilita os registros públicos do representante legal do condomínio ou assemelhados.
Grande parte dos atos constitutivos do condomínio e associações, ora convenção condominial e estatutos, lamentavelmente são carentes de regramentos específicos para todos os atos vigentes na relação condominial e associativa.
Porém, seguindo a Teoria da Hierarquia das Normas, concebida pelo jurista austríaco Hans Kelven, a lacuna ou ausência de disposto normativo na convenção condominial ou estatutos, não afasta a aplicação imediata da norma cogente no ordenamento jurídico pátrio.
Portanto, deverá o candidato ao pleito de cargo mandatário em sede de condomínios ou associações comprovar a idoneidade moral e probidade por certidões forenses e regularidade perante a Fazenda Nacional pela Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela RFB.
São José dos Campos, 7 de março de 2019.
[i] https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_clássica_da_administração
[ii] Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição, 01.2003. Editora Malheiros:2004 página 87.