A INCONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO NA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL COM TECNOLOGIA

08/03/2019 às 15:02
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Qual os limites para tributação sobre a tecnologia integralizada como ativo?

A INCONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO NA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL COM TECNOLOGIA

Algumas novidades normativas, ganham ares de ficção científica, por caminharem na contramão do mundo, esse é o caso do recente entendimento da Receita Federal, que em ato declaratório, alterou um um entendimento consolidado desde 2006 e passou a cobrar Imposto de Renda (IR) e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) de estrangeiros que integralizarem capital com transferência de tecnologia.

A decisão da Receita fere a legislação tributária brasileira e deve ser questionada na Justiça pelas empresas que forem autuadas por não pagarem os dois tributos. De acordo com o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7, alíquota de IR para a operação é de 15% e a Cide devida é de 10%.

O que assusta é a subsunção da norma ao caso concreto não existe, afinal não se pode cobrar Cide em capitalização de não residente em empresa brasileira, afinal se o sócio é não residente, e integraliza o capital através de direitos (patentes, registros e outros ativos intangíveis como programas de computadores e suas respectivas licenças, marcas, não se pode falar em ganho de capital.

Vejamos o tratamento que o legislador Constituinte deu a matéria:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. (grifo nosso)

Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.           (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) (grifo nosso)

Vejamos, a autonomia tecnológica se faz através do desenvolvimento conjunto de tecnologias, afinal como imaginar desenvolvimento isolado, como se fossemos uma ilha, em tempos de internet e globalização. O legislador Constituinte, através da EC n°85, através do seu poder constituinte derivado já entendeu que a integralização do capital de uma nova empresa, em tempos de economia disruptiva se faz a através da integralização do capital intelectual ao capital social da empresa, por isso usa o vocábulo absorção, o que só ocorre com a entrada facilitada e estimulada no Brasil.

Com o argumento de que muitas empresas usas planejamentos tributários irregulares e com claro abuso da forma, usa-se a alteração para poder cobrar imposto de algo que era isento até pouco tempo. Porém, não se vê qualquer hipótese legal que possa justificar essa cobrança. O Fisco tem usado o argumento de analogia para defender algo que vale para aquisições ou remunerações, mas que não vale para capitalizações. O próprio Código Tributário Nacional é muito claro de que ela não pode utilizar analogia para a exigência de tributos que não estão previstos em lei.

É de se destacar que quando uma sociedade é formada, cada um dos sócios têm uma quota definida e deve integralizá-la mediante a transferência de bens. O mais comum é que ele aporte dinheiro, mas essa integralização também pode ser realizada com bens intangíveis como tecnologia ou know-how, desde que eles possam ser submetidos à avaliação monetária, os contratos de startups são o melhor exemplo disso.

Uma empresa de tecnologia, por exemplo, poderia receber de um dos sócios o software necessário para a sua operação como integralização da quota. É evidente que o País carece de conhecimento e de tecnologia, então essa mudança passa a ter efeito apenas arrecadatório, e de uma quantia pequena ainda por cima. O que não compensa as decisões de investimentos que serão impactadas pela decisão, além de criar uma figura esdruxula para o Direito Tributário brasileiro.

Também há outro efeito nocivo que é a piora da visão que os estrangeiros possuem da legislação tributária brasileira, frequentemente associada a muita imprevisibilidade, que amplia o edifício da insegurança jurídica, tão falado quando se analisa novos investimentos no Brasil, pois toda e qualquer mudança no planejamento da empresa, gera uma considerável instabilidade.

De nada adianta os apelos pela troca do capital que produz pelo especulativo, que nada ou pouco gera de empregos se não estamos preparado para isso, muito pelo contrário, elevando o custo da agregação tecnológica.

O que mais se escuta é da necessidade do capital não especulativo, investimentos que gerem tecnologia, empregos e conhecimento, que não podemos nos dar ao luxo de perdê-los por mudanças regulatórias.

Vejamos o que diz a norma, Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7 DE 23/08/2016

O Secretário da Receita Federal do Brasil, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos III e XXVI do art. 280 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, e tendo em vista o disposto no art. 72 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e no art. 2º da Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, declara:

Art. 1º A integralização de capital de pessoa jurídica no Brasil com cessão de direito por residente no exterior sujeita-se à incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) à alíquota de 15% (quinze por cento) sobre o valor do direito, conforme previsto no art. 72 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

Parágrafo único. Na hipótese de o direito cedido consistir em aquisição de conhecimentos tecnológicos ou implicar transferência de tecnologia, a integralização de que trata o caput sujeita-se também à incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o valor do direito, nos termos do art. 2º da Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000.

Art. 2º Ficam modificadas as conclusões em contrário constantes em Soluções de Consulta ou em Soluções de Divergência emitidas antes da publicação deste Ato Declaratório Interpretativo, independentemente de comunicação aos consulentes.”

Hora vejamos o absurdo da medida, afinal nesse momento as empresas do setor de tecnologia da informação, cujos ativos intangíveis dominam seu balanço, dominam o topo da décima edição do ranking BrandZ, de acordo com o estudo produzido pela empresa de pesquisas Millward Brown e Grupo WPP, que mede o valor das marcas. Quatro dos cinco primeiros nomes da lista são de TI. Apple lidera, seguida por Google, Microsoft e IBM. A quinta empresa no ranking é a Visa.

A inovação é e sempre será o ato de pensar e produzir algo, seja bem o serviço de uma maneira nunca dantes executada. Estimular essa produção de ideias convertidas em produtos ou serviços, através de um ambiente favorável é uma obrigação do Estado, prevista na nossa Magna Carta.

A casuística normativa Brasileira, fez com que o legislador Constituinte Originário, e o Derivado (EC. N° 85) registrassem em Nossa Magna Carta, nos Artigos 218, 219-A e 219-B o Capítulo dedicado a Ciência, Tecnologia e Inovação, todo o universo regulador da Inovação Brasileira parte da Competência Impositiva ali prevista, onde se lê:

“Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.            (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§ 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo.    (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

Tente entender o propósito da tributação após a leitura desses dispositivos constitucionais:

“Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei.            (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação.           (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

É evidente que tais dispositivos perdem o sentido, afinal esses artigos dão a dimensão do incentivo a ciência e tecnologia no Brasil, mas antes destacamos que a história evolutiva do homem, é sempre contada pelas descobertas inovativas, que o ser humano produziu. Seja através da descoberta do fogo, ou do trabalho, o certo é que na vida humana, a inovação derrama suas tintas desde os nossos primeiros passos.

Ainda sobre a pesquisa, destacamos que o valor total das Top 100 marcas medidas no ranking obteve um crescimento de 126% desde a primeira edição do ranking, há 10 anos, e hoje soma US$ 3,3 trilhões, número 14% superior ao total registrado em 2014.

A pesquisa ressalta que tecnologia da informação é a categoria de crescimento mais rápido, tendo avançado 24% no último ano. As marcas do setor no top 100 valem mais de US$ 1 trilhão.

Em que pese todas essas evidências, de forma atávica, o foco em arrecadar a qualquer custo, cega a visão dos dirigentes de plantão que não entendem que ao penalizar o novo, inviabilizam a construção de novas empresas com considerável valor agregado, ou alguém pensa que o vale do Cilício foi criado sem incentivos fiscais?

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Usamos como exemplo a recente estreia na Bolsa de Valores de Nova York, do Snapchat, avaliado em 28,3 bilhões de dólares o Snapchat, que por certo teve essa cifra levantada por investidores que certamente nunca usaram o aplicativo, assim como esse escriba, demonstrando a importância de empresas, que criam valor e lidam apenas com ativos intangíveis. Nesse caso ele é nada mais é do que uma rede social feita por e para jovens. O app é propositalmente difícil de entender. Não há tutoriais nem explicações sobre como utilizá-lo, os ícones não são autoexplicativos e os novos usuários têm de se virar para decifrá-lo.

Provando que o investidor mantém o interesse em investir em novidades, desde que bem embaladas, afinal apostar em negócios que não são facilmente compreendidos nunca foi problema em Wall Street,

O mercado americano de capitais está aquecido e as ofertas iniciais de ações estão escassas, especialmente no setor de tecnologia, afinal nem todo dia nasce um Google, um Facebook ou uma nova Microsoft, o que pode com um certo cuidado abrir espaço para empresas brasileiras.

Esse talvez tenha sido um dos fatores que fez com que os investidores ávidos, levantassem as ações do Snap em 44% no seu primeiro dia, mesmo tendo ele menos de cinco anos, e ainda dando prejuízo.

No momento ele conta com 158 milhões de usuários diários, segundo os dados divulgados pela empresa. Entre o fim de 2015 e o fim do ano passado, o crescimento da base de usuários foi de quase 50% — e é esse número que interessa aos investidores. Afinal, gigantes como Facebook e Google já não são capazes de se expandir na mesma velocidade. Logo no mundo atual, juntar novos consumidores que deixam parte do seu tempo na rede é algo de muito valor, pois tempo é dinheiro, é esse o maior ativo das redes sociais, “tempo”, é isso que elas disputam a sua audiência, seja lhe tirando de outra rede social ou de um programa de tv.

Não são poucos os desafios, afinal desenhar um modelo de negócio disruptivo diante do Google e o Facebook, com suas audiências consagradas, não é fácil, pois igualmente ele vive da publicidade, porém diferentemente dos concorrentes, a empresa ainda comercializa a maioria dos anúncios à moda antiga, com uma equipe de vendas especializada. Somente uma pequena parte da venda de publicidade é automatizada, o que permite os ganhos de escala e a lucratividade estratosférica dos sistemas concorrentes.

Lucros, dividendos ou a valorização dos seus papeis o que espera primeiro o investidor?

Por certo espera antes de mais nada, um ambiente que facilite e estimule o investimento no novo, e não um sistema retrógrado que cria mais dificuldades além daquelas já conhecidas por todo empreendedor brasileiro.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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