Capa da publicação Condenação do Brasil no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia): consequências do descumprimento
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Sentença internacional no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil e suas consequências no caso de descumprimento

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado brasileiro, ao assumir compromisso internacional por meio de pactos ou tratados internacionais, exerce plenamente sua soberania para convencionar. A submissão à Corte IDH foi uma expressão de soberania na qual o Estado escolheu sujeitar-se àquelas regras do jogo, isto é, às consequências da jurisdição internacional da referida corte.

Uma vez submetido, não se trata de uma questão de escolha sobre o cumprimento. Tal qual um contrato, o princípio do pacta sunt servanda se aplica também aos tratados internacionais, impondo o cumprimento, ante as obrigações prévia e formalmente assumidas. Uma vez signatário, o Estado passa a ter o compromisso na harmonização de ambas dimensões normativas, não cabendo escusas face à contrariedade de ordem interna (RESENDE, 2013).

Nesse raciocínio, ante a legitimidade da sentença proferida, o Estado brasileiro guarda obediência à Corte IDH e, por essa razão, deve cumprir na integralidade a sentença internacional prolatada pelo mencionado tribunal. Aliás, tendo fundamento em Direito Internacional, seara em que se envolvem soberanias em estado de igualdade, o descumprimento de Estado signatário implica não somente em desobediência à Corte IDH, mas também passa a mensagem de desrespeito às normas pactuadas e desrespeito diante os demais Estados soberanos (RAMOS, 2005).

Esse mesmo autor lembra que mascarar situação de adimplemento quando na verdade se está descumprindo obrigação constante em sentença, com habilidade de ilusionismo não é mais possível (como outrora fora) frente aos mecanismos de publicidade, dinamicidade da informação e medidas avaliativas disponíveis.

Uma vez caracterizado o descumprimento da sentença internacional, o Estado-Membro pode ter uma pluralidade de sanções aplicadas, desde a pressão moral/social, restrições econômicas, diplomáticas, políticas e podendo chegar a outras sanções mais gravosas a serem definidas pela Assembleia Geral da OEA. Entretanto, coloca-se em dúvida até que ponto tais sanções realmente provocam no Estado-Membro o desejo de adimplir adequadamente determinada decisão internacional.

É fato que não há mecanismo que imponha a execução forçada das decisões da Corte IDH. Porém, felizmente, segundo Trindade (1999), há um alentador índice de cumprimento das decisões e cooperação dos Estados na sua forma espontânea.

Por último, não há previsão de expulsão da OEA, mesmo nos casos mais graves de inadimplemento. E essa decisão de não expressar expulsão coaduna com os objetivos expressos na Convenção Americana de Direitos Humanos, onde se valoriza a conscientização do Estado-Membro, situação essa preferível à de se ter menos um Estado comprometido com os compromissos de direitos humanos no continente americano. Aliás, é mais efetiva a propagação dos direitos humanos pela sua promoção do que pelos atos de império.

Fazer valer a sentença internacional ao aplicar sanções diversas e impor internalização de norte interpretativo de normas (principalmente quando contrárias à da ordem interna) tem sido um desafio no campo do Direito Internacional, pois sempre se esbarrará em debates sobre dominação, igualdade e soberania dos Estados.

No final das contas, por mais espinhoso que seja enveredar conclusões pacíficas sobre o tema, tal estrutura de como age o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (com seus erros e/ou acertos) é, de longe, melhor do que uma absoluta falta de proteção.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGHI, Jean Michel. OEA – Organização dos Estados Americanos. Barueri-SP: Editora Manole, 2004.

BERNARDES, Marcia Nina. Sistema Interamericano de Direitos Humanos como esfera pública transnacional: aspectos jurídicos e políticos da implementação de decisões internacionais. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 8, n° 15, dez/2011, p. 150.

CEIA, Eleonora Mesquita. A Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o desenvolvimento da proteção dos Direitos Humanos no Brasil. Rio de Janeiro. R. EMERJ, v. 16, n. 61, p. 113-152, 2013.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. CIDH, 1979.

LATTANZI, Flavia. Garanzie dei diritti dell’uomo nel diritto internazionale generale. Milano: Giuffrè, 1983.

MAGALHÃES, José Carlos. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Ano 46, nº 181, jan-mar/2009, Brasília, 2009.

OSUNA, Karla Irasema Quintana. La Corte Interamericana de Derechos Humanos y la ejecución de sus sentencias en Latinoamérica. Instituto de Investigaciones Jurídicas de La Universidad Nacional Autônoma de México. Ciudad Universitária, 2002.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. OEA, 1978.

__________. Carta Democrática Interamericana. OEA, 2001.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos. Revista CEJ, v. 9, n. 29, p. 53-63, 2005.

RESENDE, Augusto César Leite de. A executividade das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. Revista de Direito Internacional. Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 225-236.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Vol. 2. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

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Notas

[1] A incompetência ratione temporis arguida pretendeu eliminar qualquer responsabilidade do Estado brasileiro nessa demanda na Corte IDH frente aos acontecimentos na chamada Guerrilha do Araguaia em razão do tempo. Isso porque o Brasil somente admitiu e submeteu-se à jurisdição internacional da Corte IDH em 10 de dezembro de 1998, mediante o Decreto Legislativo nº 89/1998, no qual contém cláusula de restrição de responsabilidade a eventos ou acontecimentos anteriores à sua adesão (ou seja, aplicação da não-retroatividade).

[2] Houve rejeição parcial da primeira exceção preliminar arguida sobre a ratione temporis. Como o Estado brasileiro reconheceu a Corte IDH a partir da data de 10 de dezembro de 1998, todos os atos após essa data adentrariam para a apreciação do julgamento, inclusive os anteriores a essa data, mas que possuíam caráter contínuo ou permanente, como o caso de desaparecimento forçado de pessoas, que permanece enquanto o corpo não é encontrado.

[3] Houve rejeição quanto à alegada “falta de esgotamento de recursos internos” em razão da pendência de julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, uma vez que não apresentou tal alegação em momento processual oportuno (que seria junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos). Além disso, não se sustenta tal alegação porque esse recurso não caberia às famílias das vítimas, e ainda, o objeto da ação não se relaciona com os direitos violados em si, mas quanto à harmonia com as regras constitucionais.

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Sobre o autor
Wilson Simões de Lima Júnior

Doutorando em Direito (UniCEUB). Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional (UNITAU). Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil (UFU). Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito Processual Civil (UNISUL). Professor universitário (UNICERRADO/Goiatuba-GO). Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Wilson Simões. Sentença internacional no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil e suas consequências no caso de descumprimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5784, 3 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72546. Acesso em: 23 nov. 2024.

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