Direito fisioterapêutico.

Conhecimentos forenses que fazem diferença na atuação profissional e na prevenção do erro fisioterapêutico

Leia nesta página:

Além de se manter constantemente atualizado cientificamente e tecnologicamente, o fisioterapeuta deve conhecer conceitos do direito que norteiam sua atividade profissional.

Para o seu exercício profissional legal o Fisioterapeuta necessita obrigatoriamente da inscrição no Conselho Regional da circunscrição em que pretende atuar. Este é o primeiro aspecto do direito a ser interpretado pelo profissional. Mas, atualmente, assim como a outros profissionais da área da saúde, se impõe ao profissional Fisioterapeuta a necessidade de conhecimentos mais aprofundados, e a implantação em seu cotidiano de rotinas de gestão ético-legais além do previsto em seu Código de Ética e Deontologia, estabelecido pela Resolução 424 de 2013 do COFFITO – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Interpretamos que esta necessidade de conhecimentos mais aprofundados no universo do direito seja devida principalmente a duas resumidas razões: A primeira diz respeito ao que preconiza o próprio Código de Ética e Deontologia profissional já referenciado, quando em seu parágrafo único do Artigo 5º diz que:

 (...) No exercício de sua atividade profissional o fisioterapeuta deve observar as normatizações e recomendações relativas à capacitação e à titulação emanadas pelo Conselho Federal de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional. (...)

E a segunda, de maior desconhecimento do profissional Fisioterapeuta e dos demais da área da saúde, diz respeito às imputações legais que podem recair sobre o profissional, à luz de responsabilidades Civil, Criminal e até em relação ao Código de Defesa do Consumidor.

 Neste sentido, fica claro que a atuação do profissional Fisioterapeuta que conhece adequadamente seus limites legais será acompanhada pelo sucesso técnico que a acompanha. Ou seja, pensando inversamente, a deficiência da capacitação técnica profissional (o saber fisioterapêutico) é ponto pacífico de insucesso profissional, e mais ainda se somado ao desconhecimento de responsabilidades legais mínimas relacionadas à sua atuação.

Convém neste texto então tecer algumas considerações conceituais que podem fazer diferença neste tema de “Direito Fisioterapêutico”, extensivo às demais profissões da área da saúde, quando o assunto é a concretização de um erro profissional causador de dano ao cliente, que também pode ser denominado como paciente, doente e até usuário.

Se há efetivamente um dano/lesão comprovada pelo profissional fisioterapeuta (erro fisioterapêutico), o tema do Direito que norteará a discussão será o relativo à Responsabilidade Civil de perfil subjetivo. Este tipo de responsabilidade é caracterizada pela presença obrigatória da relação de nexo entre o referido dano/lesão e a ação ou omissão técnica do profissional fisioterapeuta, e este dano é considerado um “ato ilícito” por parte do profissional, conforme o artigo 927 do Código Civil brasileiro diz que:

(...) Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (...).

E o embasamento que fundamenta o cumprimento da “obrigação de reparar o dano” também está fundamentado no Código Civil nos artigos relevantes a este assunto:

(...) Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. (...)

De acordo com o ordenamento jurídico, para que possa haver a caracterização efetiva de uma lesão/dano, interpretado como ato ilícito e, por conseguinte o profissional fisioterapeuta possa sofrer ação de indenização, é necessário que estejam presentes quatro elementos:

  1. A conduta técnica, seja de forma ativa (ação) ou negativa (omissão),
  2. A culpa,
  3. A violação do direito de outrem
  4. A lesão/dano.

A ação ou omissão técnica do profissional Fisioterapeuta pode possuir relação com a caracterização de eventual responsabilidade criminal de sua parte, na análise de culpa que as envolve. Define-se culpa através da violação de um dever jurídico por negligência, imprudência ou imperícia do profissional. Se esta violação é proposital, atuou o profissional com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa.

Quando a referência é dolosa a esfera de responsabilidade é efetivamente transferida da seara civil para a criminal, podendo envolver inclusive crimes contra a saúde pública e crimes contra a relação de consumo. O dolo criminal tem duas subdivisões, A primeira, conhecida como dolo direto, incide quando o agente quis o resultado, e a segunda, chamada dolo eventual (ou condicionado), ocorre quando o agente assumiu o risco de produzir esse mesmo dano/lesão.

Convém apresentar, também conceitualmente, a caracterização de culpa não proposital sobre o dano/lesão determinado pela conduta do profissional Fisioterapeuta:

  1. A imprudência é a falta de zelo quanto a uma ação, ou seja, o Fisioterapeuta apesar de ser dotado de conhecimento técnico para realizar determinado ato fisioterapêutico, não o faz de forma cautelosa. O profissional tem total conhecimento sobre o risco de alguma atitude a ser ou não tomada, mas a ignora e toma a decisão de agir mesmo assim.
  2. A negligência ocorre quando o fisioterapeuta deixa de apresentar uma conduta baseada em um roteiro técnico de boas práticas, não se investe das devidas precauções, age com descuido, sem atenção.
  3. A imperícia refere-se a falta de habilitação e/ou capacitação técnica para determinado ato fisioterapêutico.

À luz do direito, o erro fisioterapêutico, é a consequência negativa previsível e evitável de um ato fisioterapêutico, representada por dano físico e/ou funcional. Não é caracterizada então como erro fisioterapêutico uma consequência negativa de seu ato profissional, se não previsível ou evitável por circunstâncias alheias à vontade do Fisioterapeuta.

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Além do viés dos conceitos do direito para o contexto atual da Fisioterapia, o universo forense permite ao profissional também interpretar que é possível exercer atividade como consultor, assessor, perito, árbitro (juiz arbitral) dentre outras funções forenses, em benefício também de seus clientes e atores do direito.

Pelo exposto, acreditamos que o profissional Fisioterapeuta deve vislumbrar um aprofundamento nos conhecimentos em “Direito Fisioterapêutico”, com vistas à uma prestação de serviços com a qualidade que o momento da profissão merece.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, A V. Curso de direito Civil: Teoria geral das obrigações/ 7. ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 1998 – p. 238.

COSTA NETO J. Considerações sobre crimes de perigo abstrato e crimes negligentes (ou culposos) à luz de novas perspectivas: Figueiredo Dias, Claus Roxin e Günther Stratenwerth, 2011. 56p. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF. 2011.

GONÇALVES, C R. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. 1. Direito civil 2. Direito civil - Brasil I.

LUCAS, R W C. Fisioterapia Forense. Atuação Fisioterapêutica na Justiça Estatal e Provada. 4 ed. Florianópolis. Rocha. 2016.

STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.

Sobre o autor
Ricardo Wallace das Chagas Lucas

Presidente da CAF - Câmara Arbitral de Fisioterapia da ABFF - Associação Brasileira de Fisioterapia Forense; Especialista em Ergonomia (UFSC); Mestre em Ciências do Movimento Humano; Doutor em Princípios da Cirurgia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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