O Estado de Coisas Inconstitucional e a Aplicabilidade dos Direitos Fundamentais

THE UNCONSTITUTIONAL STATE OF THINGS AND THE APPLICABILITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS

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O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL E A APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

THE UNCONSTITUTIONAL STATE OF THINGS AND THE APPLICABILITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS

Gabriel Cunha Alves

Yoko Aparecida Nakamura de Oliveira

 

RESUMO

O presente artigo trata do fenômeno intitulado Estado de Coisas Inconstitucional e de sua relação com os Direitos Fundamentais que, uma vez inobservados pela omissão do Poder Público podem vir a gerar a declaração e aplicação na prática deste fenômeno, que se observa no plano do mundo empírico. Assim, tem como objetivo explicar as principais peculiaridades do Estado de Coisas Inconstitucional, analisando seu surgimento e os requisitos necessários para sua possível aplicação. Deste modo, por meio do método de abordagem dedutivo, busca-se expor as principais consequências e efeitos advindos do Estado de Coisas Inconstitucional e de sua declaração, bem como analisar se a declaração de tal fenômeno deve ou não ser realizada ante as situações reiteradas de desatenção aos Direitos Fundamentais, que são basilares em um Estado Democrático de Direito. Mostrando-se o artigo proposto de suma relevância por estar ligado aos Direitos Fundamentais, se tratando de um tema que possui divergências quanto a sua aplicação e quanto aos efeitos que visa produzir, expondo dessa forma as principais críticas quanto ao fenômeno e ao ativismo judicial em geral. Pretende-se dessa forma, trazer mais conhecimento sobre o tema em voga, considerando principalmente a possibilidade de sua declaração no Brasil em atenção a princípios caros do mundo jurídico.

Palavras-Chave: Inconstitucional. Direitos Fundamentais. Estado Democrático.

 

ABSTRACT

This article deals with the phenomenon titled State of Unconstitutional Things and its relation to fundamental rights which, once unobserved by the omission of the public power can generate the declaration and application in the practice of this phenomenon, which is observed In the plan of the empirical world. Thus, it aims to explain the main peculiarities of the state of unconstitutional things, analyzing its emergence and the necessary requirements for its possible application. Thus, through the method of deductive approach, it is sought to expose the main consequences and effects of the state of unconstitutional things and its declaration, as well as to examine whether the declaration of such a phenomenon should or should not be carried out before the situations reiterated inattention to fundamental rights, which are the cornerstones of a democratic state of law. Showing the proposed article of paramount relevance because it is linked to fundamental rights, if it is a subject that has differences in its implementation and the effects it seeks to produce, thereby exposing the main criticisms of the phenomenon and judicial activism in general. It is intended in this way, to bring more knowledge on the topic in vogue, especially considering the possibility of its declaration in Brazil in attention to expensive principles of the legal world.

Keywords: Unconstitutional. Fundamental Rights. Democratic State.

 

INTRODUÇÃO

O Estado de Coisas Inconstitucional é de fato um tema atual, haja vista que foi declarado pela primeira vez em 1997, e se mostra de suma importância por adentrar nos Direitos Fundamentais e no campo da Política.

Como é sabido, os Direitos Fundamentais constituem o alicerce a ser observado em cada país, comumente previsto em suas constituições respectivas dada a sua importância.

A inobservância desses Direitos, aliados a reiteradas omissões por parte do Poder Público, traz a tona o chamado Estado de Coisas Inconstitucionais, que por meio de sua declaração pretende, em síntese, a melhoria da situação grave em que se encontram os Direitos Fundamentais.

Desse modo, o estudo do Estado de Coisas Inconstitucional e sua declaração é recente e amplo por tratar da imensa gama de Direitos Fundamentais e da atuação do Poder Público, no Direito Contemporâneo.

O método de abordagem utilizado será o método dedutivo, com a premissa maior partindo do fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional, até chegar-se a premissa menor das consequências da adoção e declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, ante a situação de flagrante inconstitucionalidade da omissão de Direitos Fundamentais.

O artigo se utiliza do tipo de pesquisa de natureza explicativa, através do tipo de delineamento de pesquisa bibliográfica, devido a análise a fontes doutrinárias, legislações e artigos científicos. Por meio ainda da observação, realizando a coleta de dados em referência ao material bibliográfico.

Assim, o presente aplica-se ao ramo do Direito Público, com ênfase no Direito Constitucional, focado na pesquisa dos Direitos Fundamentais e aos fatores que levam a sua inaplicabilidade, bem como a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional.

Visando atingir um amplo número de pessoas, para melhor esclarecimento quanto ao tema proposto e aos Direitos essenciais de cada ser humano, que se encontram devidamente positivados e que merecem maior atenção do Poder Público.

No primeiro capítulo será abordado sobre a origem do Estado de Coisas Inconstitucional, no mundo e no Brasil, trazendo uma noção básica sobre o fenômeno.

Analisará quanto as características do Estado de Coisas Inconstitucional, seguido de uma breve explanação referente aos Direitos Fundamentais, para de uma forma lógica explicar a relação entre estes.

Por fim, será tratado do fenômeno do Ativismo Judicial, que seria um gênero do qual é espécie o Estado de Coisas Inconstitucional, trazendo ainda críticas referentes aos fenômenos.

Assim, pretende-se por meio do presente artigo abordar as principais peculiaridades da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, a fim de agregar quanto ao tema proposto, visando analisar sua aplicação na prática.

1 DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

O fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI, se refere a uma situação fática que pode ser observada no mundo jurídico, sendo tratada como uma espécie de Ativismo Judicial.

Foi declarado, com esta nomenclatura, pela primeira vez em 1997, por meio da Sentencia de Unificación (SU) 559, na Colômbia, através de sua Corte Constitucional.

Na ocasião, se discutia quanto a aplicação de Direitos previdenciários aos professores colombianos, onde diversas demandas implicaram na atenção aos Direitos fundamentais destes.

Anos mais tarde, trataram ainda, sobre a questão penitenciária colombiana e o deslocamento de pessoas gerado pela ação de grupos armados, respectivamente nos anos de 1998 e 2004.

Por seu turno, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal – STF, tratou sobre o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional, apenas em 2015, na Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 347/DF (Supremo Tribunal Federal, Pleno. ADPF nº 347 MC/DF. Rel.: Min. Marco Aurélio. DJ. 09/09/2015), onde o tema em voga era o sistema penitenciário brasileiro.

A Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental foi trazida pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e pretendia por meio do controle concentrado de constitucionalidade o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, da penitenciária pátria.

O pleito se deu, em síntese, pela situação, ainda atual em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, face ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana, que deve ser assegurada a todos os indivíduos, inclusive aos cumpridores de penas, uma vez que, neste sentido, o único Direito a ser restringido é o da liberdade.

Desse modo, o Estado de Coisas Inconstitucional como um todo, surgiu com a intenção de melhorar a atuação do Poder Público, ante as sucessivas violações de Direitos Fundamentais previstos constitucionalmente. Assim:

Aprofundando a ideia de omissão inconstitucional relacionada a falhas estruturais, a proposta volta-se a situação particular de omissão estatal que implica violação massiva e contínua de direitos fundamentais. Para proteger a dimensão objetiva desses direitos, a Corte Constitucional colombiana acabou tomando medida extrema: reconhecer a vigência de um ECI. Trata- se de decisão que busca conduzir o Estado a observar a dignidade da pessoa humana e as garantias dos direitos fundamentais uma vez que esteja em curso graves violações a esses direitos fundamentais uma vez que esteja em curso graves violações a esses direitos por omissão dos poderes públicos. (CAMPOS, 2016, p. 96).

Portanto, trata-se de um fenômeno a ser observado em situações últimas, quando não existem mais possibilidades de melhoria na efetivação dos Direitos Fundamentais.

1.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

Conforme salientado alhures, o Estado de Coisas Inconstitucional tem a pretensão de buscar possíveis soluções para as inconstitucionalidades praticadas contra a população de forma reiterada e de cunho gravíssimo, em virtude de omissões do Poder Público.

Não se trata de defender os Direitos Fundamentais de apenas um indivíduo, mas sim, de vários indivíduos, quando são afetados e/ou atingidos pela violação dos Direitos Fundamentais, que se pode visualizar o fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional:

[...] atua para proteger não um direito fundamental individual, mas o sistema de direitos fundamentais, sua dimensão objetiva, derivados não de um enunciado constitucional específico e expressivo de uma ordem de legislar, e sim da constituição como um todo. A declaração do ECI mostra-se, dessa forma "mecanismo jurídico" marcado pela “presença de um juiz constitucional muito mais ativo socialmente, mais comprometido com a busca de soluções profundas aos problemas estruturais" que "repercutem sobre o desfrute dos direitos fundamentais". Um juiz constitucional que vai ultrapassa a resolução de casos particulares e "assume uma verdadeira dimensão de estadista destacando-se como um agente de transformação", cujas decisões exigem "a atuação coordenada de diferentes autoridades públicas" dirigida à superação das violações direitos fundamentais (CAMPOS, 2016, p. 97).

De modo que, a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, vem como forma de proteger o sistema de Direitos Fundamentais em si, visando a observância dos Direitos Fundamentais previstos para o maior números de pessoas, para todas as pessoas.

O fenômeno trata de situações que em:

(a) é grave, permanente e generalizada a violação de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo e indeterminado de pessoas (na hipótese, não basta uma proteção insuficiente); (b) há comprovada omissão reiterada de diversos e diferentes órgãos estatais no cumprimento de suas obrigações de proteção dos direitos fundamentais, que deixam de adotar as medidas legislativas, administrativas e orçamentárias necessárias para evitar e superar essa violação, consubstanciando uma falha estrutural das instâncias políticas e administrativas (isto é, não basta, para caracterizar o ECI, a omissão de apenas um órgão ou uma autoridade); (c) existe um número elevado e indeterminado de pessoas afetadas pela violação; e (d) há a necessidade de a solução ser construída pela atuação conjunta e coordenada de todos os órgãos envolvidos e responsáveis, de modo que a decisão do Tribunal – que se reveste de natureza estrutural, na medida em que envolve uma pluralidade de providências – é dirigida não apenas a um órgão ou autoridade, mas sim a uma pluralidade órgãos e autoridades, visando à adoção de mudanças estruturais […] (CUNHA, 2015).

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Ainda quanto aos pressupostos:

Em síntese, são três os pressupostos do Estado de Coisas Inconstitucional:

a constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo de pessoas;

a falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, verdadeira “falha estatal estrutural”, que gera tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e agravamento da situação;

a superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes — são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos etc (CAMPOS, 2015).

Como se verifica, os principais requisitos para o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional são: o desrespeito reiterado de Direitos Fundamentais, de diversas pessoas, desaguando na vulnerabilidade massiva, ante a comprovada omissão por parte do Poder Público e a falha estrutural do sistema, de cunho complexo, que exige a atuação de diversas esferas estatais, pretendendo-se melhoras significativas.

Diverge das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, pois não tratam de lei ou ato normativo, e sim possuem uma visão mais ampla e generalizada da inconstitucionalidade, o que acaba por adentrar ao mundo empírico.

Assim, o Estado de Coisas Inconstitucional exige não apenas mudanças estruturais, mas implantação ou melhoria das políticas públicas, com melhor distribuição de recursos e efetividade prática, diante das peculiaridades da situação, de forma que:

Não é possível alcançar esses objetivos, necessário para superação do quadro de inconstitucionalidades, por meio dos instrumentos tradicionais de jurisdição constitucional. Sem embargo, são a dramaticidade e a complexidade da situação que justificam ou mesmo impõem a heterodoxia dos remédios judiciais. No entanto, as cortes devem ser cientes das próprias limitações. Devem saber que não podem resolver o quadro atuando isoladamente, e que de nada adiantará proferirem decisões impossíveis de serem cumpridas. Cortes devem adotar ordens flexíveis e monitorar a sua execução, em vez de adotar ordens rígidas e se afastar da fase de implementação das medidas. Em vez de supremacia judicial, as cortes devem abrir e manter o diálogo com as demais instituições em torno das melhores soluções. O ativismo judicial é estrutural, mas pode e deve ser dialógico (CAMPOS, 2015).

 

No Brasil, no âmbito da ADPF nº 347, a Corte declarou a existência do Estado de Coisas Inconstitucional, ordenando a elaboração de um plano de construção e reparação das unidades carcerárias.

Determinou ainda que o governo nacional viabilizasse os recursos orçamentários necessários, exigiu dos governadores que criassem e mantivessem presídios próprios, requerendo, por fim, ao Presidente da República que adotasse medidas necessárias para assegurar o respeito dos Direitos dos internos nos presídios brasileiros.

No presente caso se verificou que as ordens não foram devidamente efetivadas, devido a suposta falta de flexibilidade, falta de acompanhamento e monitoramento da implementação da decisão, aliada a ausência de diálogo e compreensão dos envolvidos.

A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional assim, não obteve o resultado pretendido quanto a situação em concreto dos Direitos dos internos no sistema carcerário brasileiro.

Em suma, o Estado de Coisas Inconstitucional trata da possibilidade da Corte Constitucional do país condenar o próprio Estado a viabilizar as políticas públicas necessárias, em casos de extrema gravidade estrutural.

Assim, com a constatação de omissão reiterada pelos Poderes Executivo e Legislativo, a Suprema Corte poderá condenar o Estado a uma mudança em sua estrutura, como forma de melhoria e correção.

1.2 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Da análise histórica do surgimento dos Direitos Fundamentais, pode-se verificar, que estes surgiram justamente com a finalidade de limitar e controlar o Poder Estatal, evitando abusos por parte deste e pretendendo assegurar uma vida digna aos seres humanos. Com base nisso:

O jusnaturalismo entende que o homem possui direitos independentemente do Estado, os direitos do homem são poucos e essenciais como o direito à vida e a sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade e o direito à liberdade. Entende- se como direito à liberdade a independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro. Os direitos naturais são, portanto, os direitos que cabem ao homem em virtude de sua existência. A esse gênero pertencem todos os direitos intelectuais, e os direitos de agir do indivíduo para o próprio bem-estar. (BOBBIO, 1992, p. 73-74).

Para o jusnaturalismo, a simples existência do ser humano faz com que ele seja sujeito de Direitos naturais, sendo assim inerentes ao próprio ser humano e essenciais.

Alguns dos principais marcos documentais quanto a origem dos Direitos Fundamentais, se deram com a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, Norte-Americana, em 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, na França.

Ambas com fortes inspirações do pensamento jusnaturalista, considerando o ser humano como portador de Direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis.

Estes Direitos Fundamentais são constantemente alterados, haja vista que com o decorrer do tempo mostram-se viáveis as alterações, seja criando novos dispositivos legais, a fim de sanar as necessidades atuais, seja tirando a validade de um Direito antes considerado fundamental, em ordenamento jurídico passado, e que não mais se mostra pertinente.

Sendo assim, podem ser criados e extintos Direitos Fundamentais de acordo com a evolução e a pretensão da sociedade, como por exemplo, mudanças de pensamentos e costumes.

Assim, os Direitos Fundamentais, são aqueles que se encontram devidamente positivados na Constituição, como no Brasil se encontram previstos principalmente, mas não apenas, no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.

Na atual Constituição, promulgada em 05 de outubro de 1988, intitulada de Constituição Cidadã, devido ao seu surgimento após um longo período de ditadura militar, os Direitos Fundamentais foram incluídos no rol taxativo de cláusulas pétreas, não podendo assim serem abolidos da respectiva constituição.

Observa-se que:

A noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, que tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular (MORAES, 2008, p.19).

Isto demonstra a preocupação do legislador constituinte em proteger de uma forma mais efetiva os Direitos Fundamentais, tão importantes para a própria existência do ser humano.

 Assim, “os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, [...], os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado” (BONAVIDES, 2008, p. 561).

Noutro giro, os Direitos Fundamentais no Brasil tem a característica de possuírem aplicabilidade imediata, prescindindo de normas programáticas, podendo desse modo, serem aplicados tão logo se mostrem cabíveis, como se depreende do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Assim, vislumbra-se que os Direitos Fundamentais permitiram certo controle dos abusos por parte do poder do Estado, visando ainda melhores condições de vida ao ser humano.

No entanto, deve-se efetivar a aplicabilidade dos Direitos Fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, que acabam por se tornarem em sua maioria inaplicáveis, devido a omissão ou inércia do Estado e no caso, do Poder Público.

2 DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO ATIVISMO JUDICIAL E CRÍTICAS AOS FENÔMENOS 

Outro fenômeno jurídico que merece destaque é o Ativismo Judicial. Este também exige do Poder Judiciário uma postura positiva para a efetivação de Direitos, uma vez que:

Ativismo judicial é uma expansão do exercício da discricionariedade judicial, no qual um juiz ou um Tribunal cria ou estende um direito, afasta a aplicação da lei, ou utiliza-se do poder judicial para promover mudanças sociais (judicial overreaching) e intervir ou efetivar políticas públicas (policy making) (VITOVSKY, 2010, p. 91).

Nesse sentido, o Estado de Coisas Inconstitucional é tido como uma espécie de Ativismo Judicial, na medida em que, busca por meio do Poder Judiciário maior concretude dos Direitos Fundamentais.

A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional pressupõe uma atuação Ativista do Tribunal, voltando-se a uma espécie de Ativismo Judicial Estrutural Dialógico.

Assim, as decisões judiciais acabam por interferir nos Poderes Legislativo e Executivo, bem como, nas questões de políticas públicas e orçamentárias, por abarcar todo o sistema.

Esses dois fenômenos, entretanto, não se confundem com o da Judicialização Política, uma vez que nesta se exige a efetivação por meio de outros Poderes, como o Legislativo e Executivo e não do Poder Judiciário.

Importante crítica que surge quanto ao Estado de Coisas Inconstitucional se refere exatamente quanto ao fato de exigir ações de efetivação por parte do Poder Judiciário:

[...] ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, econômicos e culturais. (CANOTILHO, 2000, p. 462).

Seguindo pensamento similar, aduz que:

[...] o objeto do controle de constitucionalidade são normas jurídicas, e não a realidade empírica — vista de forma cindida — sob a qual elas incidem. Portanto, minha discordância é com o modo como a noção de ECI foi construída. Receio pela banalização que ela pode provocar. Tenho receio de um retorno a uma espécie de jusnaturalismo ou uma ontologia (clássica) que permita ao judiciário aceder a uma espécie de “essência” daquilo que é inconstitucional pela sua própria natureza-em-um-país-periférico. Uma espécie de realismo moral (STRECK, 2015).

Nesse diapasão, as principais críticas quanto ao Ativismo Judicial, abarcam também o fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional, como espécie de Ativismo Judicial.

Tais críticas residem em suma, no questionamento quanto a legitimação constitucional do Judiciário e na observância da separação dos poderes, prevista no artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Neste sentido:

As objeções são especificações dos tradicionais discursos contra a prática ativista da jurisdição constitucional: riscos de subjetivismo e arbítrio judicial; ilegitimidade democrática e irresponsabilidade institucional de juízes e cortes; violação à separação de poderes e o fim das fronteiras entre Direito e Política (CAMPOS, 2015).

Ora, não se pretende a utilização do Estado de Coisas Inconstitucional de forma indiscriminada, fator temido pelos críticos, mas a declaração formal em casos específicos, colocando em primeiro lugar a observância de Direitos tão importantes aos indivíduos:

[...]Não há ubiquidade, e sim excepcionalidade. Além de excepcional, o ECI não favorece unilateralismos judiciais. [...] nada pode ser resolvido pelo Judiciário isoladamente. Ao contrário, é próprio do ECI que a solução seja perseguida a partir de medidas a serem tomadas por uma pluralidade de órgãos. Por meio de ordens flexíveis, nas quais não consta a formulação direta das políticas públicas necessárias, o tribunal visa catalisar essas medidas, buscar a superação dos bloqueios políticos e institucionais que perpetuam e agravam as violações de direitos. O ECI funciona como a “senha de acesso” da corte à tutela estrutural: reconhecido o ECI, a corte não desenhará as políticas públicas, e sim afirmará a necessidade urgente que Congresso e Executivo estabeleçam essas políticas, inclusive de natureza orçamentária (CAMPOS, 2015).

Ademais, o Estado de Coisas Inconstitucional como forma de Ativismo Judicial, não se trata de uma ferramenta e sim de uma situação de fato, verificada no mundo empírico.

A mitigação do princípio da separação dos poderes dessa forma, pode ser efetuada em favor da preservação dos Direitos Fundamentais, visando um bem maior.

Saliente-se, mitigação e não exclusão. A importância de tal princípio vem estampada ao ser prevista no começo da Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 2º e posteriormente vir tratada como cláusula pétrea no artigo 60, parágrafo 4º, in verbis:

Art. 60 [...]

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Charles-Louis de Secondar, o Barão de Montesquieu, em sua obra intitulada De L’Esprit des Loix, datada de 1748, trouxe a tona a clássica noção de separação dos poderes.

Aqui não tirando o mérito daqueles que anteriormente versaram sobre tal necessidade de separação dos poderes, por meio de “tripartição”, a exemplo de Locke e Aristóteles.

Verifica-se que desde o início, Montesquieu não pretendia a separação em si dos poderes, mas a combinação destes, assim não se deve tratar o princípio da separação dos poderes de forma rígida, insuscetível de mitigação e preterindo um pensamento em prol de Direitos:

Hoje o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação dos poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes (SILVA, 2011, p. 109).

O próprio Sistema de Freios e Contrapesos foi criado com a finalidade de que os Poderes pudessem criar mecanismos ante a eventual necessidade de se conterem.

De forma que, o Poder Judiciário estaria apto a agir, visando impedir violações de Direitos Fundamentais pelos outros Poderes, ainda que a violação se dê pela inobservância.

Não se trata, portanto, de “corrigir a incompetência dos outros poderes”, mas de promover diálogos democráticos entre os poderes e a sociedade em torno das melhores soluções. As sentenças estruturais, próprias do ECI, em conterem ordens flexíveis e sujeitas a monitoramento, buscam promover a colaboração harmônica e deliberativa entre os poderes em torno de um objetivo comum: superar o quadro de inconstitucionalidades. Portanto, não há supremacia, subjetivismo ou arbítrio judiciais, e sim diálogos e cooperação institucionais. (CAMPOS, 2015).

 

A aplicação (declaração) do fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional, exige um diálogo entre os Poderes, bem como uma atuação mútua, a fim de se colocar em primeiro lugar os Direitos Fundamentais que devem ser assegurados.

Mostra-se como questão primordial a efetivação desses Direitos, não de forma banalizada, mas analisando onde ocorre a omissão generalizada apta a causar problemas em todo o sistema.

CONCLUSÃO

Conforme demonstrado ao longo do artigo, o Estado de Coisas Inconstitucional se dá pela omissão do Poder Público quanto aos Direitos Fundamentais.

Quando a omissão é generalizada e merece uma atenção especial diante da falha do sistema em efetivar tais Direitos, é possível sua declaração, pretendendo-se uma verdadeira melhora com resultados práticos.

As principais peculiaridades do Estado de Coisas Inconstitucional e sua declaração consistem no fato de analisar o que pode ser feito ante as falhas reiteradas mediante omissão do Poder Público, em aplicação efetiva dos Direitos Fundamentais de forma geral.

Observa-se a necessidade de cooperação e de políticas públicas eficazes, onde no âmbito do Direito Público, com ênfase no Direito Constitucional se faz relevante o estudo de tal fenômeno.

Se diferencia por se tratar de um fenômeno que ocorre no mundo empírico, trazendo grande impacto para a realidade em si dos Direitos Fundamentais e sua (in) aplicação.

Quanto ao seu surgimento, o primeiro uso da nomenclatura ocorreu na Colômbia, no entanto já existem decisões no Brasil quanto ao tema, que tem buscado uma fundamentação cada vez melhor para a sua aplicação.

Com a coleta de dados, referentes as pesquisas bibliográficas inseridas no corpo do presente artigo, em especial as referências doutrinárias, pode-se verificar que a aplicação do fenômeno ainda se mostra em processo de aceitação e debate por se tratar de um tema recente.

No Brasil, a declaração do fenômeno do Estado de Coisas Inconstitucional é alvo de críticas por alguns doutrinadores, por supostamente não findar na real solução para os problemas e exigir ação mútua, ameaçando a separação de poderes, bem como, pela possível banalização deste.

Entretanto, os Direitos Fundamentais, por se tratarem de Direitos de observância obrigatória e verdadeiras cláusulas pétreas, merecem serem assegurados e efetivados, principalmente aos indivíduos que acabam por se encontrar em situação de vulnerabilidade pelo seu desrespeito.

Assim, em que pese se tratar de um fenômeno do mundo empírico, o Estado de Coisas Inconstitucional busca efetivar Direitos, possui uma pretensão ampla, se mostrando de essencial estudo no Direito como um todo, uma vez que afeta todos os chamados ramos do Direito.

Desse modo, observados os requisitos necessários para a sua declaração e respeitados os limites previstos, deve-se buscar a maior ação ante a omissão do Poder Público, primando pela observância dos Direitos no mundo real e assegurando em primeiro momento a dignidade mínima para os seres humanos.

Onde a colaboração entre os Poderes e o essencial diálogo há de se fazer valer, buscando-se superar eventuais dificuldades e barreiras, almejando por um objetivo maior em comum.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 07 jul. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, n. 347. Relator: Ministro Marco Aurélio. Publicado no Diário de Justiça em: 09 set. 2015.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 13 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 2000.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo Campos. Estado de Coisas Inconstitucional. Salvador: Juspodivm, 2016.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural#_ftn1>. Acesso em: 13 ago. 2018.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Devemos temer o “Estado de Coisas Inconstitucional”?. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-15/carlos-campos-devemos-temer-estado-coisas-inconstitucional>. Acesso em: 13 ago. 2018.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <https://www.brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional>. Acesso em: 08 fev. 2018.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

STRECK, Lenio Luiz. Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de ativismo. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional-forma-ativismo>. Acesso em: 10 jun. 2018.

VITOVSKY, Vladimir Santos. Ativismo Judicial. Curitiba: Juruá, 2010.

 

 

Autores:

 

Gabriel Cunha Alves, Administrador, Servidor da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Amazonas, Especialista em Direito Militar, Segurança Pública e Docência em Administração Pública (FCV). E-mail: [email protected]

Yoko Aparecida Nakamura de Oliveira, Advogada, Residente Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), Especialista em Direito Público: Constitucional e Administrativo do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), Especialista em Direito Penal e Processual Penal do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), E-mail: [email protected]

Sobre os autores
Gabriel Cunha Alves

Administrador, Servidor da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Amazonas, Especialista em Direito Militar, Gestão em Segurança Pública e Docência em Administração Pública.

Yoko Aparecida Nakamura de Oliveira

Advogada, Residente Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), Especialista em Direito Público: Constitucional e Administrativo do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), Especialista em Direito Penal e Processual Penal do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).

Informações sobre o texto

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