Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da revisão criminal, pós 1988: Análise crítica do papel do Promotor de Justiça enquanto defensor da ordem jurídica

14/03/2019 às 18:30
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PALAVRAS-CHAVE:Ministério Público. Revisão criminal. Constituição Federal de 1988. Fundamento de validade. Ordem jurídica. Defensor. Efetivação da justiça. Legitimidade.


À luz da Carta Constitucional de 1988, pelo teor de seu art. 127, o Ministério Público está autorizado a formular o pedido de revisão criminal (art. 621 do CPP), desde que o faça em favor do condenado. O autorizativo tem fundamento teleológico, na medida em que o Parquet expressa, hoje, o interesse primordial do Estado de obtenção de uma sentença justa, seja esta absolutória ou condenatória.

Se observarmos, a instituição passou por profundas alterações com o advento da Constituição Federal de 1988. De órgão meramente acusador, a guardião do regime democrático e defensor da ordem jurídica, o Ministério Público transformou-se em instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, sendo reconhecida, aos seus membros, ampla independência funcional no exercício da função.

Não sem razão, por ser uma parte diferenciada, cujo compromisso último é apenas com a efetivação da justiça, é que se admite, de forma inequívoca, por exemplo, que o Ministério Público recorra em favor do réu, que peça a sua absolvição ou que impetre o habeas corpus.

Agindo assim, como fiscal da ordem jurídica, não há como negar-lhe, portanto, como consectário lógico, a titularidade da revisão criminal.

Nesse sentido, Eugênio Pacelli destaca que “como compete ao MP zelar pela defesa da ordem jurídica (art. 127, CF), tem ele atribuição para impedir a privação da liberdade de quem quer que esteja injustamente dela privado, seja por meio de habeas corpus, seja pela via da revisão criminal”.[1]

Paulo Rangel, por sua vez, com precisão, pontifica que o Parquet tem legitimidade ativa ad causam “para requerer a revisão criminal em favor do restabelecimento da ordem jurídica violada com um erro judiciário, pois a legitimidade não é em favor do condenado, mas, sim, a favor da reintegração do ordenamento jurídico agredido com o erro judiciário”.[2]

O art. 623 do Código de Processo Penal está vazado nos seguintes termos:

“A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”

Ora, não faria o menor sentido a leitura do aludido dispositivo legal, que elenca o rol dos legitimados para a propositura da revisão criminal, dissociada da força normativa do texto constitucional, na medida em que este serve de fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico e não o contrário.

Se atentarmos, o Código de Processo Penal, em vigor, é datado do ano de 1941, quando a posição do Ministério Público era totalmente diversa, não tendo assumido, ainda, o status de defensor da sociedade delineado pela Carta de 1988.

Não é de se estranhar, assim, que o legislador processual penal não apontasse o Parquet, àquela época, como um dos legitimados para propor a revisão criminal, o que não significa, nem de longe, que o dispositivo, hoje, não deva ser interpretado à luz do novo fundamento constitucional de validade.

Sob outro aspecto, quando trata de recursos, embora saibamos que a revisão criminal não possua tal natureza, mas, aqui, apenas, para fins de argumentação, em mais de uma passagem, o Código de Processo Penal elenca um rol apenas exemplificativo, sem inibir que outros atores, além daqueles apontados no texto legal, possam recorrer. Ao tratar dos legitimados para a apelação, no art. 577, por exemplo, o código não mencionou a figura do curador e, apesar disso, jamais lhe foi negada tal legitimidade para interpor o recurso.[3] 

Feitas essas considerações, portanto, e tomando o Ministério Público com a feição que lhe foi dada pela Carta de 1988, despido da condição de mero acusador, concluímos que não há como negar-lhe a possibilidade de, na busca da correta aplicação da justiça, manejar o pedido de revisão criminal, devendo ser afastada, pois, qualquer argumentação no sentido da sua ilegitimidade ativa ad causam.


BIBLIOGRAFIA

  1. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
  2. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
  3. PINTO, Ronaldo Batista. Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de Revisão Criminal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007.

Notas

[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 788.

[2] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 623.

[3] PINTO, Ronaldo Batista. Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de Revisão Criminal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007.

Sobre o autor
José da Costa Soares

Bacharel em direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE; pós-graduado em direito público pela Faculdade Maurício de Nassau; pós-graduado em direito eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ESMAPE. Promotor de Justiça do estado de Pernambuco (Cumaru/PE).

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