PALAVRAS-CHAVE:Ministério Público. Revisão criminal. Constituição Federal de 1988. Fundamento de validade. Ordem jurídica. Defensor. Efetivação da justiça. Legitimidade.
À luz da Carta Constitucional de 1988, pelo teor de seu art. 127, o Ministério Público está autorizado a formular o pedido de revisão criminal (art. 621 do CPP), desde que o faça em favor do condenado. O autorizativo tem fundamento teleológico, na medida em que o Parquet expressa, hoje, o interesse primordial do Estado de obtenção de uma sentença justa, seja esta absolutória ou condenatória.
Se observarmos, a instituição passou por profundas alterações com o advento da Constituição Federal de 1988. De órgão meramente acusador, a guardião do regime democrático e defensor da ordem jurídica, o Ministério Público transformou-se em instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, sendo reconhecida, aos seus membros, ampla independência funcional no exercício da função.
Não sem razão, por ser uma parte diferenciada, cujo compromisso último é apenas com a efetivação da justiça, é que se admite, de forma inequívoca, por exemplo, que o Ministério Público recorra em favor do réu, que peça a sua absolvição ou que impetre o habeas corpus.
Agindo assim, como fiscal da ordem jurídica, não há como negar-lhe, portanto, como consectário lógico, a titularidade da revisão criminal.
Nesse sentido, Eugênio Pacelli destaca que “como compete ao MP zelar pela defesa da ordem jurídica (art. 127, CF), tem ele atribuição para impedir a privação da liberdade de quem quer que esteja injustamente dela privado, seja por meio de habeas corpus, seja pela via da revisão criminal”.[1]
Paulo Rangel, por sua vez, com precisão, pontifica que o Parquet tem legitimidade ativa ad causam “para requerer a revisão criminal em favor do restabelecimento da ordem jurídica violada com um erro judiciário, pois a legitimidade não é em favor do condenado, mas, sim, a favor da reintegração do ordenamento jurídico agredido com o erro judiciário”.[2]
O art. 623 do Código de Processo Penal está vazado nos seguintes termos:
“A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”
Ora, não faria o menor sentido a leitura do aludido dispositivo legal, que elenca o rol dos legitimados para a propositura da revisão criminal, dissociada da força normativa do texto constitucional, na medida em que este serve de fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico e não o contrário.
Se atentarmos, o Código de Processo Penal, em vigor, é datado do ano de 1941, quando a posição do Ministério Público era totalmente diversa, não tendo assumido, ainda, o status de defensor da sociedade delineado pela Carta de 1988.
Não é de se estranhar, assim, que o legislador processual penal não apontasse o Parquet, àquela época, como um dos legitimados para propor a revisão criminal, o que não significa, nem de longe, que o dispositivo, hoje, não deva ser interpretado à luz do novo fundamento constitucional de validade.
Sob outro aspecto, quando trata de recursos, embora saibamos que a revisão criminal não possua tal natureza, mas, aqui, apenas, para fins de argumentação, em mais de uma passagem, o Código de Processo Penal elenca um rol apenas exemplificativo, sem inibir que outros atores, além daqueles apontados no texto legal, possam recorrer. Ao tratar dos legitimados para a apelação, no art. 577, por exemplo, o código não mencionou a figura do curador e, apesar disso, jamais lhe foi negada tal legitimidade para interpor o recurso.[3]
Feitas essas considerações, portanto, e tomando o Ministério Público com a feição que lhe foi dada pela Carta de 1988, despido da condição de mero acusador, concluímos que não há como negar-lhe a possibilidade de, na busca da correta aplicação da justiça, manejar o pedido de revisão criminal, devendo ser afastada, pois, qualquer argumentação no sentido da sua ilegitimidade ativa ad causam.
BIBLIOGRAFIA
- OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
- RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
- PINTO, Ronaldo Batista. Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de Revisão Criminal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007.
Notas
[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 788.
[2] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 623.
[3] PINTO, Ronaldo Batista. Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de Revisão Criminal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007.