Introdução
Em regra, o estudo da participação de um país em um conflito bélico é desenvolvido sob a perspectiva militar, política e, em certos casos, econômica. Dificilmente, no entanto, busca-se realizar uma análise jurídica dos conflitos, mesmo que esta seja interessante tanto do ponto de vista do direito interno quanto do direito internacional público. Neste artigo, o autor tratará de aspectos jurídicos, especialmente atinentes ao direito interno, da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Dessa análise, ainda que se trate de estudo de legislação pretérita, pode-se inferir alguns aspectos relevantes acerca das limitações e possibilidades do controle legal do uso da força em território estrangeiro, bem como dos efeitos internos decorrentes do estado de beligerância.
As condicionantes profundas da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi influenciada por aspectos domésticos e internacionais. Esses aspectos se entrelaçaram ao longo de toda década de 1930 e no início da década de 1940 e foram importantes no processo de tomada de decisão brasileiro em relação à participação direta no conflito. O aspecto determinante na decisão do Brasil foram as expectativas de ganhos diplomáticos, políticos e militares que adviriam da participação direta no conflito ao lado das potências vencedoras, mas a execução dessa estratégia política demandou um conjunto de instrumentos legais que formalizaram a entrada brasileira no conflito. O presente artigo analisa esse conjunto de instrumentos jurídicos que possibilitaram, no âmbito do direito, a entrada brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Diferentemente da maior parte do continente americano, o Brasil optou pela participação direta na Segunda Guerra Mundial, cujas batalhas tinham como epicentros o continente europeu e a região do Oceano Pacífico. O país participou do esforço de guerra por meio da cooperação estratégica e logística com as força norte-americanas e também por meio do envio de tropas militares (Força Expedicionária Brasileira) aos fronts de batalha (PENTEADO, 2006). Os resultados diretos e indiretos dessa participação foram o aumento do potencial industrial do país, a modernização das forças armadas e, consequentemente, a melhora da posição ocupada pelo na ordem internacional, especialmente no âmbito regional. No entanto, a decisão pela participação direta na Segunda Guerra Mundial não foi uma decisão imediata e simples. Aspectos domésticos e internacionais, bem como expectativas construídas com base nesses aspectos, influenciaram a tomada de decisão final, que redundou na entrada na guerra ao lado dos Aliados e no início de uma cooperação uma cooperação especial com os EUA.
O contexto internacional da década de 1930 foi de aumento crescente da tensão entre as principais potências do período. O fim da Primeira Guerra Mundial não implicou a solução de disputas territoriais no continente europeu e em outras partes do mundo. Ao lado disso, em razão das disposições severas do Tratado de Versalhes, a rivalidade franco-germânica foi aumentada. A Sociedade das Nações (SDA), principal organização internacional concebida para garantir a manutenção da paz e da segurança internacionais, tinha sua autoridade enfraquecida por frequentes crises militares internacionais e pelo constante desafio imposto por potências revisionistas da ordem internacional instaurada após a Grande Guerra (GARCIA, 2000). A ausência dos Estados Unidos, que não ratificaram o Pacto da Sociedade das Nações, a necessidade de consenso em quaisquer situações de ação do Conselho (art. 5 do Pacto), a inércia em relação à ruptura da paz em casos isolados (e.g. invasão da Abissínia pela Itália e da Manchúria pelo Japão), a expulsão da União Soviética (1939), após a invasão à Finlândia, foram alguns dos principais problemas enfrentados pela SDA. Esta, no final da década de 1930, encontrava-se bastante desacreditada perante a opinião pública mundial e, considerados todos os fatos belicosos que caracterizaram a década de 1930 e o fortalecimento dos regimes totalitários em diversos países, o conflito generalizado era evento previsível, cuja eclosão escapava por completo ao controle da vacilante organização internacional.
Ao mesmo tempo, como resultado direto da crise econômica que assolava as principais economias do mundo após a crise de 1929 e da insatisfação de diversos países em relação ao arranjo de poder vigente após a Paz de Paris, soluções políticas autoritárias passaram a ser adotadas em diversos países. Para muitos, a crise de 1929 indicava que o capitalismo liberal não era a opção mais adequada para se conseguir desenvolvimento econômico. Em razão disso, ganham força doutrinas político-econômicas que defendem a forte participação do Estado na organização do processo produtivo, corrigindo problemas inerentes à atuação livre das forças de mercado. Ao mesmo tempo, as potências derrotadas na Primeira Guerra Mundial e aquelas não contempladas em seus interesses pelo arranjo de forças da nova ordem internacional buscam, de maneira cada vez mais agressiva, alterar alguns dos aspectos dessa ordem estabelecida ao fim do conflito mundial. Assim, Alemanha, Itália e Japão principalmente entendem que a posição que ocupam no sistema internacional não é compatível com suas potencialidades e, em razão disso, não atende seus interesses e suas ambições no âmbito internacional. Essa situação problemática fornecerá os elementos profundos para a Segunda Guerra Mundial.
Quase que concomitantemente aos acontecimentos na sociedade internacional, na década de 1930, o Brasil vivenciou transformações sociais, políticas e econômicas importantes (FORJAZ, 1984), as quais se refletiriam sobre o arcabouço jurídico do estado brasileiro. As mudanças sociais decorreram especialmente de dois fenômenos demográficos: o aumento considerável da população e o forte êxodo rural, o que causou grande aumento das populações urbanas. Essa urbanização, por sua vez, além de aumentar os problemas típicos das grandes cidades (e.g. criminalidade e degradação ambiental), alterou consideravelmente as características das relações típicas de trabalho. A principal mudança política ocorreu após a Revolução de 1930, com a derrocada das oligarquias paulista e mineira, predominantes durante a Primeira República, e a ascensão de Getúlio Vargas, de representantes de oligarquias marginalizadas e militares dissidentes (tenentes) (FAUSTO, 1970). Em termos econômicos, verificava-se um processo ainda incipiente de industrialização, que se aceleraria e se aprofundaria nos anos seguintes, com reflexos sobre a demografia e sobre a organização social do país.
Como decorrência dessas importantes alterações, o Estado brasileiro também passou por transformações importantes. Após o interregno democrático, entre 1934 e 1937, o Estado brasileiro características de forte centralização política e de intervenção no domínio econômico.
Urbanização, revolução política e industrialização são as bases do processo de modernização do país. Vargas, após liderar o movimento que resultou no fim da Primeira República, vislumbrou grandes oportunidades de desenvolvimento para um país periférico em um contexto de conflito internacional. No contexto de crescente rivalidade entre a Alemanha nazista e as potências liberais, o Presidente brasileiro buscou obter ganhos dos dois lados. Em uma política externa denominada de equidistância pragmática (MOURA, 1980), Vargas beneficiou-se do comércio compensado com a Alemanha, adquirindo produtos industrializados alemães em troca de café e de outros produtos básicos. Nesse período, a importância comercial da Alemanha se eleva consideravelmente, despertando alguns receios de norte-americanos e de outros parceiros comerciais do Brasil (HILTON, 2015, pp. 205; MAcCANN, 2015). Com o início da guerra, Vargas busca obter vantagens norte-americanas em troca do apoio brasileiro ao esforço de guerra Aliado. A proximidade comercial com a Alemanha tornou crível a possibilidade de não colaboração brasileira com os Aliados e facilitou a concessão de benefícios por parte dos norte-americanos.
De certa forma, ocorriam dois movimentos paralelos de transformação: a modernização do Brasil e a tentativa de alteração da ordem internacional por potências revisionistas. Com a entrada do Brasil na guerra, esses dois movimentos se cruzam. O Brasil decide entrar na guerra por razões internas e para realizar objetivos internacionais do país, mas, em ambos os casos, os fatores que determinaram a decisão constituíam expectativas em relação ao futuro. Vargas e parte relevante da cúpula militar e política do país entendiam que a guerra poderia ser duplamente benéfica para o projeto de desenvolvimento do país. A maior aproximação com os EUA possibilitaria, por exemplo, o financiamento de custosos projetos de infraestrutura e de industrialização do país. A obtenção dos créditos necessários à construção de uma grande siderurgia em Volta Redonda seria apenas uma primeira amostra do potencial dessa aproximação com os EUA.
Ao lado disso, os principais tomadores de decisão percebiam que a participação brasileira ao lado dos prováveis vencedores da guerra traria ganhos diplomáticos, políticos e militares importantes. Em termos políticos e diplomáticos, a vitória na guerra alçaria o país a uma posição privilegiada no cenário internacional, aumentando o prestígio do país e possibilitando sua entrada em um seleto grupo de construtores da ordem internacional. Assim, o Brasil previa que participar da guerra ao lado dos Aliados abriria oportunidades para o país construir os arranjos institucionais da nova ordem internacional que emergiria do fim da guerra, podendo avançar em direção a uma posição de modesto rule maker. Para antever esses benefícios, o Brasil valia-se de sua experiência adquirida durante e após a Primeira Guerra Mundial (GARCIA, 2000), período em que grande parte das fronteiras políticas do mundo foram reformuladas e em que foi erigida uma primeira tentativa institucional de governança mundial em matéria de paz e segurança. Na dimensão política e militar, em um raciocínio similar ao postulado pelos teóricos do realismo ofensivo, os tomadores de decisão entendiam que a guerra poderia aumentar a segurança do país em face de suas mais importantes ameaças. Como a modernização das forças armadas era um pré-requisito para o país participar eficientemente da guerra, a cúpula militar brasileira antevia que o país sairia militarmente muito fortalecido da guerra, tornando-se, de maneira evidente, a principal força da América Latina e aumentando muito a vantagem militar em relação à Argentina, seu principal rival no continente sul-americano.
Logicamente, além desses aspectos mais estruturais, havia causas mais imediatas para a participação brasileira. A guerra submarina no Oceano Atlântico, por exemplo, havia causado, de fato, grandes perdas para o país, além de ter gerado espontânea comoção popular contra o regime nazista e sentimento favorável aos aliados. A ideia de solidariedade pan-americana, outrora combatida ou vista com desconfiança pelo Brasil, voltava novamente à tona e fortalecia os laços que uniam o país à grande potência do norte. Igualmente, a existência de uma antiga aliança tácita entre Brasil e EUA (uma aliança não escrita, nas palavras de BURNS, 1966), vigente desde o período do Barão do Rio Branco, também influenciava o Brasil a tomar parte na guerra ao lado dos norte-americanos. Entretanto, nenhum desses aspectos, isoladamente, parecem ter sido determinantes na tomada de decisão brasileira, que se baseou em aspectos mais pragmáticos (quase maquiavélicos) e na busca explícita ao atendimento dos interesses nacionais (HILTON, 2015, p. 214).
Dessa forma, as causas da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial consistem principalmente de expectativas em relação aos ganhos domésticos e internacionais oriundos do engajamento no conflito ao lado das potências vencedoras. Ainda que tenham existido causas mais imediatas, como, por exemplo, as hostilidades alemãs contra embarcações brasileiras, verifica-se que as causas mais profundas estavam ligadas a essa rede de expectativas dos tomadores de decisão. Em grande medida, essas expectativas foram confirmadas, a despeito das decepções posteriores em relação à aliança com os EUA.
Os marcos jurídicos da participação brasileira
A dimensão jurídica da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial pode ser desdobrada em alguns tópicos. Dois deles parecem ter especial relevância, pois concernem aos antecedentes da guerra (condicionantes legais e limitações constitucionais) e aos reflexos internos do período de engajamento do país no conflito. O primeiro diz respeito às condições jurídicas para declaração do estado de guerra; e o segundo concerne às características da decretação do estado de beligerância.
Conforme a Constituição de 1937, a entrada em conflito bélico poderia decorrer de ato combinado do Poder Executivo e Legislativo ou, em certas situações, de ato singular do Poder Executivo. No art. 74, alínea g, há duas situações distintas de participação do pais em guerras: declaração de guerra sem agressão prévia e declaração de guerra após ato de agressão por país estrangeiro. No primeiro caso, entende-se que o início do conflito, para fins jurídicos, depende de conduta ativa formal do país: o início da guerra entre o Brasil e o país inimigo é constituído por ato formal do governo brasileiro. A alínea g do art. 74 da Constituição de 1937, antes do advento da Lei Constitucional nº 9, de 1945, assim prescrevia:
Art. 74 - Compete privativamente ao Presidente da República:
g) declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira;
No primeiro caso previsto na alínea g, a entrada no conflito depende, portanto, de ato complexo, constituído pela vontade manifesta do Executivo, autorizada por ato formal do Legislativo. Conforme verificado na segunda parte da alínea, a autorização congressual é dispensada em caso de agressão ou de invasão do território brasileiro por potência estrangeira. Essa é a regra observada na tradição constitucional brasileira, originária no período imperial. Esse procedimento está, por sua vez, de acordo com a tradição pacífica da política externa brasileira, que defenda a solução pacífica de conflitos, o diálogo diplomático e a prevalência do direito sobre a força.
A alínea k do mesmo dispositivo, por sua vez, trata dos efeitos internos da guerra, manifestos na decretação do Estado de beligerância, que, como no caso da declaração de guerra, também é de competência privativa do Presidente da República:
Art. 74 - Compete privativamente ao Presidente da República:
k) decretar o estado de emergência e o estado de guerra nos termos do art. 166;
O art. 166, mencionado na alínea k, tem redação decorrente de reforma constitucional de 1938, que aumenta os poderes do Poder Executivo e reduz os poderes de intervenção do Legislativo em situações de hostilidades externas.
Art 166 - Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas, ou existência de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da República declarar em todo o território do Pais, ou na porção do território particularmente ameaçada, o estado de emergência.
Desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o Presidente da República declarará em todo o território nacional ou em parte dele o estado de guerra.
§ 1º - Para nenhum desses atos será necessária a autorização do Parlamento nacional, nem este poderá suspender o estado de emergência ou o estado de guerra declarado pelo Presidente da República.
§ 2º - Declarado o estado de emergência em todo o país, poderá o Presidente da República, no intuito de salvaguardar os interesses materiais e morais do Estado ou de seus nacionais, decretar, com prévia aquiescência do Poder Legislativo, a suspensão das garantias constitucionais atribuídas à propriedade e à liberdade de pessoas físicas ou jurídicas, súditos de Estado estrangeiro, que, por qualquer forma, tenham praticado atos de agressão de que resultem prejuízos para os bens e direitos do Estado brasileiro, ou para a vida, os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, domiciliadas ou residentes no País. (grifos nossos)
O mesmo art. 166, no parágrafo 2.°, possibilita a suspensão, em caso de estado de emergência, de direitos e de garantias individuais de estrangeiros presentes no território nacional.
O estado de beligerância contra Itália e Alemanha foi declarado em 31 de agosto de 1942, por meio promulgação do Decreto 10.358/1942. O estado de beligerância contra o Japão só seria declarado ao final do conflito. Interessante notar que o Decreto 10.358/1942, apesar de sua aparente natureza infraconstitucional, tinha o poder, em decorrência do art. 166 da Constituição, de suspender dispositivos constitucionais, inclusive aqueles atinente a direitos e garantias fundamentais, como os previstos no art. 122. O texto do Decreto 10.358/1942 tinha a seguinte redação:
Art. 1º É declarado o estado de guerra em todo o território nacional.
Art. 2º Na vigência do estado de guerra deixam de vigorar desde já as seguintes partes da Constituição:
Art. 122, ns. 2, 6, 8, 9, 10, 11, 14 e 16; Art. 122, n. 13, no que diz respeito à irretroatividade da lei penal; Art. 122, n. 15, no que concerne ao direito de manifestação de pensamento; Art. 136, final da alínea; Art. 137; Art. 138; Art. 155, letras c e h; Art. 175, primeira parte, no que concerne ao curso do prazo.
Parágrafo único – Ressalvados os atos decorrentes de delegação para a execução do estado de emergência declarado no artigo 166 da Constituição, só o Presidente da República tem o poder de, diretamente ou por delegação expressa, praticar atos fundados nesta lei.
Art. 3º O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
O texto simples do Decreto 10.358/1942 impossibilita verificar seu real alcance, em termos de restrição a liberdades e direitos individuais e coletivos. Para isso, faz-se necessário identificar os dispositivos constitucionais mencionados.
Um dos artigos mais afetados Decreto 10.358/1942 foi o importante art. 122 da Constituição de 1937. Foram suspensas integralmente as seguintes garantias e liberdades: de livre circulação pelo território nacional, de inviolabilidade de domicílio e de correspondência, de liberdade de escolha de trabalho, de liberdade de associação e de reunião e de garantia de não ser preso sem determinação judicial.
O texto completo dos incisos do art. 122 suspensos pelo Decreto 10.358/1942 são os seguintes:
2º) todos os brasileiros gozam do direito de livre circulação em todo o território nacional, podendo fixar-se em qualquer dos seus pontos, aí adquirir imóveis e exercer livremente a sua atividade;
6º) a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei;
8º) a liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou comércio, observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público nos termos da lei; (Suspenso pelo Decreto nº 10.358, de 1942)
9º) a liberdade de associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes; (Suspenso pelo Decreto nº 10.358, de 1942)
10) todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem armas. As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração, podendo ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública; (Suspenso pelo Decreto nº 10.358, de 1942)
11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa;
(grifos nossos)
Os incisos 13 e 16 foram parcialmente suspensos nas suas partes referentes, respectivamente, à irretroatividade da lei penal e à livre manifestação do pensamento.
O Art. 136 foi outro dispositivo suspenso pelo Decreto. O mencionado artigo estabelece a proteção do Estado sobre o trabalho, cuja importância social é reconhecida. A parte suspensa refere-se ao final do dispositivo, que dispõe: “A todos é garantido o direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa“. Provavelmente, a suspensão tinha a intenção de desobrigar o Estado a prover e proteger o trabalho. Os art. 137 e 138 foram igualmente suspensos. O primeiro estabelece as balizas normativas do direito do trabalho e o segundo garante a liberdade de organização sindical.
O Decreto também avança sobre os art. 155 (concessão de terras) e sobre o art. 175, acerca da extensão e da renovação do mandato presidencial. O provável propósito da suspensão era inserir possibilidade de ampliação automática do mandato presidencial, bem como garantir o controle pleno do estado sobre todo território do país.
Interessante notar que as características autoritárias do Estado brasileiro, que se evidenciavam no texto original da constituição de 1937, foram recrudescidas pelas mudanças introduzidas pelo Decreto 10.358/1942. Em razão disso, o estado brasileiro passou a se assemelhar, de forma contraditória, àqueles que ele combatia sob a forma da aliança militar do Eixo. Após o término do conflito, essa contradição tornou-se insustentável e foi uma das causas relevantes para queda do Presidente Getúlio Vargas.
Considerações finais
Como observado na organização do texto, o estudo da participação de um país em um conflito bélico é elaborado sob a perspectiva militar, política e, em certos casos, econômica. A análise jurídica dos conflitos ou aquelas que combinam a visão do direito com a de outras áreas são mais raras. Neste artigo, o autor discorreu sobre aspectos factuais e jurídicos acerca da participação brasileira na segunda Guerra Mundial. Verificou-se, na primeira parte do texto, que houve causas internas e externas para participação brasileira no conflito. Se, na perspectiva econômica e política, essa participação gerou resultados positivos para o país, impactando positivamente sua estrutura econômica e sua inserção internacional, do ponto de vista jurídico, o estado de beligerância suspendeu garantias e direitos individuais e coletivos, formalizando constitucionalmente um estado autoritário.
Referências
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