Comercio internacional e compras governamentais

16/03/2019 às 13:04
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Neste artigo, o objetivo do autor é analisar as normas internacionais acerca de compras governamentais e de alguns dos impactos econômicos que estas podem acarretar.

Neste artigo, o objetivo do autor é analisar as normas internacionais acerca de compras governamentais e de alguns dos impactos econômicos que estas podem acarretar. Essas normas podem afetar diretamente a forma como os Estados realizam seus processos de licitação e de contratações públicas, bem como podem reduzir o instrumental de estímulo econômico direcionados às empresas nacionais.

A importância das compras governamentais relaciona-se à função relevante desempenhada pelo Estado na economia. Ao buscar atender necessidades elementares de funcionamento e objetivos de investimento, o Estado influencia diretamente o nível da demanda agregada da sociedade e, por conseguinte, afeta o desempenho econômico dos agentes produtivos privados. As compras governamentais, por isso, constituem parte importante do produto agregado de muitas economias. Elas correspondem, em média, entre 10% e 15% do PIB e por parcela ainda mais elevada dos orçamentos públicos.

Exatamente por representarem parte relevante dos gastos de uma sociedade, as compras governamentais podem constituir instrumento poderoso de estímulo à produção doméstica. Se, mediante disposições legais, o Estado discriminar produtores nacionais e estrangeiros, pode colocar as empresas nacionais em condições privilegiadas de competição. Esse tipo de procedimento, comumente adotado pelos Estados, tem reflexos diretos sobre o nível geral da renda do país e sobre a geração de empregos, além de aprestar impacto indireto sobre os investimentos em pesquisa e desenvolvimento e sobre o domínio nacional de novas tecnologias.

No âmbito do sistema multilateral do comércio, sob a perspectiva jurídica, os primeiros ensaios importantes de disciplina internacional do tema ocorreram no decorrer da Rodada Tóquio (1973-1979)[1], sob a forma de acordos (códigos) plurilaterais (WTO, 2018). Esse tipo de acordo, diferenciando-se dos acordos multilaterais, não obrigava todas as Partes contratantes do GATT, impossibilitando, destarte, a uniformização das regras referentes ao tema. A natureza plurilateral e, portanto, parcial do tratamento jurídico internacional dispensado às compras governamentais não foi superada na Rodada Uruguai, que resultou na criação da OMC – Organização Mundial do Comércio.

O arcabouço normativo para o tema ainda é centralizado pelo Acordo sobre Compras Governamentais (GPA, em sua sigla em inglês), acordo plurilateral celebrado na Rodada Tóquio, com suas emendas subsequentes, e que foi incorporado aos acordos da OMC, sem, contudo, vincular todos os membros da organização. Hodiernamente, ele é aplicável apenas a quarenta e seis membros da OMC, que constituem as dezenove Partes do GPA, contando a União Europeia como uma parte, ainda que os membros europeus tenham níveis de compromissos distintos. No Comitê de Compras Governamentais, que tem a função de reger o cumprimento das disposições do Acordo, a esses Estados somam-se vinte e oito Estados observadores. Desse grupo, apenas nove indicaram o interesse de futuramente aderirem ao acordo, uma vez que a condição de observador não implica, necessariamente, interesse aprofundar o compromisso com o tema.

No âmbito do GPA, as Partes ofertam listas em que explicitam (listas positivas) as entidades públicas que serão abarcadas pelas disposições do acordo. As listas variam conforme o Estado, podendo incluir entidades da estrutura central do governo, governos estaduais (para o caso de estados federados), administrações regionais e locais, bem como entes da administração indireta, inclusive autarquias e empresas públicas, as quais são submetidas parcialmente dinâmica do mercado.

A opção pelas listas positivas indica algumas características importantes do GPA. Primeiramente, essa opção indica dificuldades de consenso acerca do tema. Diversamente das listas negativas, em que se enumeram exceções à regra da liberação, as positivas são indicativo de que não se tem pleno consenso dos objetos e das formas como deve ocorrer a liberalização. Em segundo lugar, como ocorre no caso do acordo de serviços (GATS), as listas positivas, na qualidade de arrolamento numerus clausus, possibilitam comprometimento mais controlado com a liberalização.

O tema das compras governamentais é também tratado em organismos internacionais regionais e em acordos bilaterais e regionais de comércio. Especificamente no continente americano, esfera de interesse direto para o Brasil, destacam-se a concentração e administração de dados e de informações produzidas pela Rede Interamericana de Compras Governamentais (RICG) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, bem como as disposições contidas no Protocolo de Montevidéu (Mercosul), no North American Free Trade Agreement (NAFTA), na Comunidade Andina (CAN) e nos diversos Acordos de Alcance Parcial celebrados na moldura jurídica ampla da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

No âmbito bilateral, também há tratados internacionais dotados de dispositivos sobre contratações públicas. Geralmente inseridas sob a forma de seção especial nos acordos mais recentes de livre comércio, as compras governamentais, em situações mais raras - como no caso do acordo Chile-Uruguai, vigente desde 2012, e no caso do Acordo Chile-Mercosul, ainda não vigente - figuram como objeto exclusivo de tratado bilateral.

Essas normas internacionais, por sua vez, induzem a modificação das normas doméstica dos países acerca de licitação e contratações públicas, inclusive influenciando a forma como são celebrados e executados contratos administrativos. As regras aprovadas podem ensejar a necessidade de rever a respectiva legislação doméstica com a finalidade de aproximar suas disposições às regras e princípios internacionalmente acordados. Em alguns casos, a legislação interna foi reformada inclusive após consulta pública aberta a atores não nacionais; em outros, a legislação interna contém referência textual aos tratados internacionais de livre comércio firmados pelo país.

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Na dimensão econômica, a tendência é que a participação nesses acordos acarrete o barateamento das compras do governo e, por consequência, diminua gastos do setor público e reduza preços de serviço prestados públicos prestados a particulares. Simultaneamente, outra importante consequência econômica consiste no desvirtuamento de um instrumento de indução econômica às atividades das empresas nacionais. As contratações públicas, ao terem de tratar de forma igual empresas nacionais e estrangeiras, com base no princípio da não discriminação, expresso da ideia de tratamento nacional, deixam de ter função indutiva do crescimento das empresas brasileiras.

As compras governamentais durante muito tempo estiveram ausentes das discussões sobre comercio internacional. Na atualidade, no entanto, o tema integra arranjos comerciais importantes e constitui parte do sistema multilateral de comércio, na forma de acordo plurilateral. A tendência é que o tema passe a ser, cada vez mais, objeto de acordo comerciais. Em razão das necessidades de alterações profundas na legislação interna e dos impactos relevantes na economia, o pais deve avaliar com parcimônia conveniência de estabelecer compromissos internacionais que vinculem o Estado em um esquema liberalizante de contratações públicas.

 


[1] As negociações comerciais no âmbito do sistema multilateral de comércio ocorrem por meio de rodadas de negociação, nas quais as partes apresentam agenda de temas a serem discutidos com o objetivo final de estabelecer acordos comerciais.

Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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