INTRODUÇÃO
O percurso temporal da base normativa do contrato especial de trabalho e da Justiça Desportiva no país começou a caminhar juntamente com a criação da Justiça do Trabalho, em 1941, quando foi instituído o Conselho Nacional de Desportos e demais conselhos estaduais, por meio do Decreto-lei n° 3.199.
Gradual e superficialmente, a relação de trabalho passou a ser desenhada pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a qual em momento posterior, por meio da Lei Pelé, teria sua aplicação somente subsidiária.
Com foco ao profissional de futebol, fora publicada a Lei n° 6.354/76, conhecida como Lei do Passe, a qual sofreu duras críticas, sobretudo, de natureza ética e social por, dentre outras razões, ter originado uma relação de dependência entre o atleta e o empregador.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, firmou-se como princípios fundamentais do desporto o direito do cidadão de acesso ao esporte e o dever do Estado de fomentar as práticas desportivas: proporcionando autonomia para entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; destinando recursos públicos para a promoção do desporto; diferenciando, quanto ao tratamento, o desporto profissional e o não-profissional; protegendo e incentivando as manifestações desportivas de criação nacional (art. 217 CRFB/88).
Passando a dar maior atenção à prática desportiva profissional em geral, no ano de 1993, por meio da Lei n. 8.672, conhecida como Lei Zico, foram instituídas normas gerais sobre desportos.
No ano de 1998, substituindo a Lei do Passe, foi publicada a Lei n. 9.615, conhecida como Lei Pelé, propondo mudanças importantes no cenário do esporte, em especial à profissionalização dos atletas.
Com a crescente exploração econômica do esporte e o sonho de tantos atletas de sobreviver da profissão desportiva, complexas questões jurídicas passaram a surgir, chegando à Justiça Desportiva ações referentes ao direito de imagem, direito de arena, bichos, luvas, dopagem, reconhecimento do vínculo de emprego, remuneração, salário e transações contratuais.
A realidade jurídico-trabalhista veio se moldando, e não seria diferente com o contrato que a regula, o qual também teve sua readequação frente à evolução legislativa e as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias.
No presente artigo será apresentada a readequação em que refere a sistemática rescisória do contrato, ou seja, a alteração disposta pela Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, que expurgou a cláusula penal do sistema jurídico desportivo e criou novas cláusulas desportivas de inserção obrigatória.
O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL
Dentre as modalidades do desporto, depara-se no artigo 3.º, inciso III, da Lei n.9.615/98 o desporto de rendimento, objetivado para obter “resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações”, podendo, ser praticado de forma profissional e não-profissional.
A forma profissional do desporto se diferencia por ter um contrato formal de trabalho que vincula o atleta profissional e a entidade de prática desportiva, mediante remuneração.
A natureza jurídica do contrato de trabalho do atleta profissional é considerada especial por ter especificações próprias segundo as normas gerais da Lei n. 9.615/98 e regras de prática desportiva.
Tem como características peculiares a empregadora ser entidade desportiva, a exigência de contrato formal por tempo determinado, a obrigatoriedade de previsão contratual de cláusulas desportivas de natureza indenizatória e compensatória e a possibilidade de, somente aos 16 (dezesseis) anos de idade, o atleta ter seu primeiro contrato.
Ressalta-se que o atleta considerado não-profissional em formação, maior de 14 (quatorze) anos e menor de 20 (vinte) anos de idade, poderá receber bolsa de aprendizagem, como forma de auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, mediante contrato formal e sem a vinculação empregatícia.
A vigência do contrato especial de trabalho não poderá ser inferior a 03 (três) meses nem superior a 05 (cinco) anos, não havendo qualquer aplicabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho no que tange a prorrogação, tácita ou expressa, originar um contrato por prazo indeterminado e a vedação quanto ao contrato por tempo determinado ser estipulado por mais de 02 (dois) anos.
A ALTERAÇÃO LEGISLATIVA E CONSEQUENTE READEQUAÇÃO DA RESCISÃO CONTRATUAL
A Lei n.º 9.615/98 previa, até o advento da Lei n.12.395/11, que o contrato formal de trabalho deveria constar, obrigatoriamente, a cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.
O valor da referida cláusula poderia ser livremente estabelecida pelos contratantes, até o limite máximo de 100 (cem) vezes o montante da remuneração anual pactuada, com limitações previstas legalmente e aplicadas de forma automática, de acordo com o ano da rescisão do contrato, se no primeiro, segundo, terceiro ou quarto ano.
A cláusula penal desportiva regia a rescisão do contrato e era dirigida apenas ao atleta, nos casos em que rompido o contrato de trabalho por sua iniciativa. Em razão das diversas críticas a respeito e das consequentes dissidências, a SBDI-1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho firmou o entendimento em favor da unilateralidade da cláusula penal:
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007. ATLETA PROFISSIONAL. CLÁUSULA PENAL. LEI N.º 9.615/98 – LEI PELÉ. RESPONSABILIDADE PELA SUA SATISFAÇÃO. OBRIGAÇÃO DIRIGIDA APENAS AO ATLETA. NÃO PROVIMENTO. Responderá apenas o atleta profissional, e não a entidade desportiva, pela obrigação inserta no art. 28 da Lei n.º 9.615/98 – a chamada Lei Pelé – referente à cláusula penal, naqueles casos em que rompido o contrato de trabalho por sua iniciativa. No caso de ser o clube o motivador do rompimento contratual, não haveria que se falar em pagamento de cláusula penal, sendo garantidos ao atleta, nestes casos, os direitos previstos na legislação comum trabalhista, segundo disposição do § 1.º daquele permissivo legal, notadamente a multa rescisória prevista no art. 479 da CLT, conforme disciplina do art. 31 da Lei Pelé. Embargos conhecidos e desprovidos. (Processo: E-RR – 10770052.2004.5.02.0054 Data de Julgamento: 30/10/2008, Redatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/11/2008).
A disposição da cláusula penal era vista como necessária para o controle das negociações e do equilíbrio entre os clubes, caso contrário, a rescisão contratual pelo atleta para transferência à um clube mais forte, sem qualquer cominação, ensejaria o enfraquecimento das competições e da promoção do esporte.
Além disso, a cláusula penal também tinha como objetivo fortalecer os times brasileiros quando se tratava de transferência internacional de clubes, não havendo qualquer limite de valores para sua aplicação, diversamente do que ocorria no âmbito nacional.
Com o advento da Lei no ano de 2011 a cláusula penal foi expurgada da legislação, isso porque era reiterado o dissenso entre a sua unilateralidade ou bilateralidade, assim, como forma de aprimorar e equilibrar a relação jurídico-trabalhista, passou a vigorar novas cláusulas de regulação da extinção contratual: a cláusula indenizatória, acionada em favor das entidades desportivas e a cláusula compensatória, acionada em favor dos atletas.
O TÉRMINO ANTECIPADO DO CONTRATO E O EXERCÍCIO DAS CLÁUSULAS DE REGULAÇÃO DA EXTINÇÃO CONTRATUAL
Quando o contrato especial de trabalho chega ao seu termo, o vínculo entre as partes dá-se por dissolvido. A partir disso, o atleta profissional pode firmar uma nova relação empregatícia com outra entidade desportiva de interesse.
Entretanto, não seguindo o fluxo natural da relação jurídico-trabalhista e findando o contrato antecipadamente, seja pelo atleta profissional, seja pela entidade desportiva, sabidamente a parte que não deu causa restará em prejuízo, visto os dispêndios e expectativas criadas.
A Lei Pelé dispõe em seu artigo 28 prevê a obrigatoriedade da previsão contratual tanto da cláusula indenizatória desportiva, quanto da cláusula compensatória desportiva, cada qual com sua particularidade.
A cláusula indenizatória desportiva é prevista em favor da entidade contratante e será devida quando, durante a vigência do contrato, o atleta for transferido para outra entidade, nacional ou estrangeira; ou, ainda, quando o atleta solicitar unilateralmente o afastamento das atividades, mas acabar retornando à elas dentro do prazo de 30 (trinta) meses e, necessariamente, em outra entidade de prática desportiva.
Denota-se que, diferentemente da revogada cláusula penal que somente persistia enquanto o contrato perdurasse, a nova cláusula obrigatória mantém-se durante os 30 (trinta) meses posteriores ao afastamento das atividades do atleta, tudo como forma de evitar o conluio e falsas motivações.
O valor a título de pagamento indenizatório pelo atleta poderá ter seu valor livremente estipulado pelas partes, possuindo limitação máxima tão somente para as transferências nacionais, a qual deverá respeitar até 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário contratual, sendo solidariamente responsável pelo pagamento a nova entidade empregadora, por influência da teoria do terceiro cúmplice motivador, prevista pelo Código Civil Brasileiro.
Quanto ao limite previsto, há a aproximação do escopo da cláusula penal, pois a legislação continua a objetivar o fortalecimento dos clubes brasileiros ao não estipular qualquer limitação para transferências internacionais.
Por sua vez, a cláusula compensatória desportiva tem sua previsão em favor do atleta nos casos de rescisão decorrente do inadimplemento salarial pela entidade empregadora, nas hipóteses de rescisão indireta previstas pelo artigo 483 da CLT, e na dispensa imotivada.
A retro mencionada cláusula deverá ser executada, inclusive, quando a entidade constar em atraso com o pagamento do contrato de direito de imagem do atleta, por período igual ou superior a 03 (três) meses, ainda que de forma parcial. E, quando o atleta estiver cedido por meio de contrato de empréstimo, o não pagamento dos seus salários e contribuições, por 02 (dois) meses, implicará na incidência daquela a seu favor, sob a responsabilidade da entidade cessionária.
O valor compensatório de responsabilidade da entidade desportiva ao atleta também poderá ser livremente estipulado pelas partes, atentando-se a limite mínimo e máximo, quais sejam, no importe mínino correspondente ao valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato e no importe máximo de 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão.
À vista do exposto, com pagamento da devida cláusula desportiva, seja indenizatória ou compensatória, o vínculo desportivo do atleta com a entidade empregadora, considerado de natureza acessória ao vínculo empregatício, dissolver-se-á para todos os efeitos legais, podendo as partes prosseguirem sem mais embaraços.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a readequação da sistemática rescisória do contrato especial de trabalho do atleta passou a ter notória importância a partir do surgimento de diversos precedentes a cerca da aplicabilidade da cláusula penal.
Após reiteradas decisões a respeito, inclusive da SBDI-1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho que firmou o entendimento de que a cláusula penal tão somente trabalhava a favor do empregador, e estando os atletas descontentes com a decisão que se instalava no âmbito desportivo, a alteração legislativa urgiu para pacificar os ânimos.
Atualmente, a Lei Pelé prevê a obrigatoriedade da disposição contratual das cláusulas indenizatória e compensatória, juntamente com as limitações a título de pagamento rescisório, como forma de equilibrar as relações, tanto do atleta com o clube, quanto entre os próprios clubes no momento da disputa pelo atleta profissional.
A evolução do equilíbrio no momento da rescisão do pacto é parte importante do desenvolvimento do direito desportivo laboral, mas, em síntese, as discussões doutrinárias e jurisprudenciais continuarão, em especial quanto ao contrato de trabalho que o regulamenta, por se tratar de uma legislação precária e que há anos vem moldando o seu próprio sistema jurídico desportivo laboral.