A atualização dos valores das modalidades licitatórias pelo Decreto nº 9.412/18 e seus reflexos

20/03/2019 às 08:18
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Este artigo visa esclarecer o grau de abrangência da atualização das modalidades de licitação trazidas pelo Decreto nº 9.412/18, bem como sobre a possibilidade dos Estados e Municípios legislarem sobre a matéria.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos Gerais. 2. Análise dos valores atualizados. 3. Considerações sobre a competência constitucional dos Entes Federados para legislar sobre licitação. 4. Da possibilidade dos municípios estabelecerem limites às modalidades licitatórias. 5. As atualizações dos valores trazidos pelo Decreto nº 9.412/18 terão validade sobre todos os Entes Federados ou apenas para a União? Conclusão

 

Introdução

 

O tema foi escolhido a partir do grande número de dúvidas veiculadas pela atualização da Lei nº 8.666/93 pelo Decreto nº 9.412/18, que consiste na aplicabilidade apenas pela a União ou também pelos demais Entes federados.

 

A Lei nº 8.666/93 dispõe dos procedimentos adotados pela administração pública quando deseja realizar compras ou contratar a prestação de serviços, já que a Poder Público deve garantir a busca pelo melhor preço e observância dos demais princípios administrativos, não podendo agir com liberalidade de escolha como um particular.

 

Assim, o interesse em apresentar esse tema consiste em retirar qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do Decreto, e para isso, será feita uma análise da parte histórica, levantamento de dados atuais, jurisprudências sobre o tema para chegar à conclusão pela aplicação ou não da atualização dos valores das modalidades licitatórias.

 

1. Aspectos Gerais

 

A Lei nº 8666 dispõe sobre as regras gerais de licitação, ela foi publicada no dia 21 de junho de 1993, época em que a moeda corrente no Brasil era o Cruzeiro.  Todavia, com a implantação do real em 1994, as disposições da Lei que se referiam às modalidades de licitação de acordo com o valor do serviço ou da compra do bem, passaram a estar desatualizados.

 

Com o advento da Lei 9.648 promulgada no dia 27 de maio de 1998, foram estabelecidos novos valores para as modalidades de licitação para a contratação de obras e serviços de engenharia, o valor limite da contratação via Convite passou a ser de até R$ 150.000,00; para a Tomada de Preços, este patamar passou a ser de até R$ 1.500.000,00; e para a modalidade Concorrência, o valor estimado seria acima de R$ 1.500.000,00.

 

Para outras compras e serviços não previstos no inc. I, a realização de Convite foi de até R$ 80.000,00; o teto para a realização de Tomada de Preços foi de até R$ 650.000,00; e a Concorrência ficou limitada a valores estimados acima de R$ 650.000,00.

 

Entretanto, passados quase 20 anos desde a última atualização, o governo federal não fez qualquer atualização dos valores até então vigentes, o que provocou um entrave na administração pública, uma vez que a finalidade dos artigos da referida lei não era mais alcançada por conta dos valores ínfimos.

 

Como, por exemplo, podemos citar o valor da dispensa de licitação que consistia em R$ 8.000,00 (oito mil reais) para compras e outros serviços que não fossem de obras ou de engenharia. Tal valor limitava quase que totalmente a possibilidade da administração realizar compras, em razão do valor irrisório para a administração.

 

O art. 120 da Lei nº 8666/93, dispõe que os valores estipulados na referida Lei, terão a faculdade de serem revistos anualmente, conforme pode ser verificado a seguir:

 

Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.

 

No entanto, apesar da referida previsão, essa permissibilidade não foi utilizada e consequentemente a estagnação em manter os valores inicialmente propostos, nunca foi justificada pelo Poder Público, indo de encontro com os princípios norteadores do direito administrativo, em especial o Princípio da eficiência.

 

Em junho de 2018, o Presidente da República, Michel Temer, por meio do Decreto nº 9.412/2018 atualizou os valores das modalidades de licitação, da seguinte forma:

 

Art. 1º  Os valores  estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ficam atualizados nos seguintes termos:

I - para obras e serviços de engenharia:

a) na modalidade convite - até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);

b) na modalidade tomada de preços - até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e

c) na modalidade concorrência - acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e

 

II - para compras e serviços não incluídos no inciso I:

a) na modalidade convite - até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);

b) na modalidade tomada de preços - até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e

c) na modalidade concorrência - acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).(destaque nosso)

 

 

Ao realizar a atualização, automaticamente houve também alteração em outros artigos da lei que utilizam como base esses valores, como é o caso da dispensa, dispensa de licitação para os consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificada como Agências Executivas, em que o parágrafo primeiro do art. 24 autoriza a dispensa de 20% (vinte por cento) para respectivas compras, obras e serviços contratados por este Ente, dentre outras.

 

Para melhor entendimento, passamos a fazer um quadro esclarecendo as principais mudanças acima expostas:

 

Tabela 1: Principais mudanças trazidas pelo Decreto nº 9.412/18

 

Obras e Serviços de Engenharia

Compras e demais serviços

Concorrência

Acima de R$ 3.300.000,00

Acima de R$ 1.430.000,00

Tomada de Preço

Até R$ 3.300.000,00

Até R$ 1.430.000,00

Convite

Até R$ 330.000,00

Até R$ 176.000,00

Dispensa

Até R$ 33.000,00

Até R$ 17.600,00

Dispensa para consórcios públicos e autarquia ou fundação qualificada como Agências Executivas

Até R$ 66.000,00

Até R$ 35.200,00

 

2. Análise dos valores atualizados

Caso fosse feita uma atualização dos valores das modalidades de licitação conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio de 1998 até julho de 2018, teríamos um aumento estimado em 246,72%, conforme cálculos realizados no site do Banco Central do Brasil:

Tabela 2: Atualização dos valores das modalidades licitatórias

Dados básicos da correção pelo IPC-A (IBGE)

Dados informados

   

Data inicial

05/1998

Data final

07/2018

Valor nominal

R$   80.000,00  

Dados calculados

Índice de correção no período

3,4672510

Valor percentual correspondente

246,7251000 %

Valor corrigido na data final

R$   277.380,08  

Cálculos realizados utilizando o site do Banco Central. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigir PorIndicedo?method= corrigirPorIndice Acesso em 19/10/2018

 

Analisando os novos valores estipulados pelo Decreto nº 9.412, verifica-se um acréscimo de 120% (cento e vinte por cento), tanto no tipo de obras e serviços de engenharia quanto nas compras e demais serviços. Nesse sentido, vejamos o aumento no quadro comparativo entre os valores anteriores e o atual:

 

OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

COMPRAS E DEMAIS SERVIÇOS

 

Antes

Agora

Antes

Agora

Concorrência

Acima de R$ 1.500.000,00

Acima de R$ 3.300.000,00

Acima de R$ 650.000,00

Acima de R$ 1.430.000,00

Tomada de Preço

Até R$ 1.500.000,00

Até R$ 3.300.000,00

Até R$ 650.000,00

Até R$ 1.430.000,00

Convite

Até R$ 150.000,00

Até R$ 330.000,00

Até R$ 80.000,00

Até R$ 176.000,00

Dispensa

Até R$ 15.000,00

Até R$ 33.000,00

Até R$ 8.000,00

Até R$ 17.600,00

Dispensa para consórcios públicos e por autarquia ou fundação qualificada como Agências Executivas

Até R$ 30.000,00

Até R$ 66.000,00

Até R$ 16.000,00

Até R$ 35.200,00

 

Assim, o que o governo fez foi atualizar os valores com base em metade da inflação acumulada desde 1998, permitindo com essa ampliação o alcance do objetivo inicial da administração quando da elaboração da Lei nº 8.666/93 que consistia em realizar compras e realização de serviços de forma menos onera por procedimentos mais céleres, como o convite e a dispensa.

Nesse sentido, é importante trazer à baila a notícia publicada no site do Ministério do Planejamento, em que foi feita a exposição do Ministro de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Estevão Colnago, sobre o tema:

Além da atualização de acordo com a inflação, a medida visa aprimorar a gestão pública. Para o ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Esteves Colnago, a alteração foi um ajuste necessário. “Houve um descompasso de mais de 20 anos. Os novos valores terão como resultado procedimentos de compras menos onerosos, considerando-se o custo indireto de uma licitação em relação aos valores dos bens e contratações que são objeto dessas modalidades de licitação”, afirmou. (disponível em: http://www.planejamento.gov.br/noticias/decreto-atualiza-valores-para-licitacoes-e-contratos, acesso em 19/10/2018)

 

3. Considerações sobre a competência constitucional dos entes federados para legislar sobre licitação

A Constituição Federal estabelece em seu inciso XXVII, artigo 22 que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação para a administração pública, sendo garantido aos demais Entes legislar de modo suplementar, o que abarca a hipótese dos estados e municípios regulamentar normas gerais, observando as proibições e ausências de norma específica por parte da União.

O artigo 22 da Lei 8.666/93, que dispõe sobre as modalidades de licitação: concorrência, tomada de preço, convite, concurso e leilão, é considerado norma geral e por isso é matéria de competência exclusiva da União, não sendo admitido a extensão ou exclusão por outro ente federado.  No entanto, o artigo 23 da referida Lei tem sido considerado como norma específica, o que permitiria que os estados e os municípios legislassem de modo suplementar.

Desse modo, entende-se que os Municípios e os Estados estariam aptos a legislar sobre a atualização dos valores da lei de licitação em conformidade com a realidade regional ou local. Sendo vedada, qualquer alteração do valor que afastasse o objetivo inicial da norma, de modo que tornasse possível a fraude. Esse entendimento também é corroborado pelo Professor Rodrigo Valgas dos Santos, colunista do site direito do estado, que assim dispõe:

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De toda sorte, o que restaria vedado aos demais entes federados é aumentar vertiginosamente os valores relativos a cada modalidade, pois isto desnaturaria a regra da licitação pública.

 

Mesmo para os que entendem sejam os próprios valores normas gerais de competência exclusiva da União e que não possam os municípios legislar sobre o tema, o fato é que a respectiva atualização pelos municípios não fere a norma geral de competência privativa da União. Pelo contrário, a realiza plenamente. Afinal, não se trata de fixar limite ao alvedrio da União, mas de aplicá-lo de modo atualizado mantendo justamente os parâmetros fixados pela própria União. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rodrigo-valgas-dos-santos/problemas-decorrentes-da-ausencia-de-atualizacao-dos-limites-de-dispensa-previstos-no-art-24-I-e-II-da-lei-8666-93, acesso em 20/10/2018.

 

4. Da possibilidade dos municípios estabelecerem limites às modalidades licitatórias

 

Inicialmente, é importante trazer à baila que o Decreto-Lei nº 2.300/1986 estabelecia as regras sobre licitações e contratos até entrar em vigor a atual Lei de Licitações, ele dispunha expressamente sobre a proibição dos Estados, Distrito Federal e Territórios sobre majorar os limites das modalidades de licitação, bem como do impedimento de expandir os casos de dispensa. Nesse sentido, passamos a transcrever o artigo 85 da Lei revogada, ipsis litteris:

        Art 85. Aplicam-se aos Estados, Municípios; Distrito Federal e Territórios as normas gerais estabelecidas neste decreto-lei.

        Parágrafo único. As entidades mencionadas neste artigo e no artigo seguinte não poderão ampliar os casos de dispensa de licitação, nem os limites máximos de valor fixados para convite, tomada de preços e concorrência. (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2300-86.htm. Acesso em 20/10/2018) destaque nosso

 

Com a promulgação da Lei 8.666/93, apesar de diversos outros artigos terem sido reproduzidos a partir da norma anterior, verifica-se que o legislador optou que a proibição referente aos Estados, Distrito Federal e dos Municípios sobre a impossibilidade de alteração dos limites máximos de valor das modalidades licitatórias não fosse reproduzida, o que direciona a entender a permissibilidade da atual norma quanto à possibilidade de todos os entes estipularem os valores das modalidades licitatórias.

 

Os valores estabelecidos às modalidades de licitação pela Lei 8.666/93 não foram alterados desde maio de 1998, e em razão da mora da União para atualizar essas importâncias, muito se discutiu sobre a competência dos municípios para disciplinar sobre o assunto.

 

O Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso (TCE/MT), por meio de consulta realizada no ano de 2014, formulada pela Prefeitura de Campos de Júlio, seguiu o posicionamento de que os municípios poderiam aprovar leis adotando novos valores para as modalidades licitatórias, por entender que o art. 23 da Lei 8.666 seria uma hipótese de norma específica e não norma geral, permitindo que os Entes federativos pudessem estipular novos valores às modalidades de licitação.

Destarte, a competência legislativa suplementar dos demais entes federados consiste na faculdade em regulamentar as normas gerais preenchendo aquilo que não foi disposto pela norma geral e amoldando às peculiaridades regionais e locais.

Tal argumento foi utilizado pelo TCE/MT como fundamento para o seu parecer consulta e que segundo notícia veiculada em seu site, como consequência de seu posicionamento, tanto o Estado do Mato Grosso quanto cerca de 50 (cinquenta) municípios atualizaram os valores das modalidades de licitação, estabelecendo novos valores como forma de atender as necessidades regionais e locais. Nesse sentido, transcreveremos parte da notícia publicada no dia 09/08/2017:

 

Em Mato Grosso, em consonância com orientação do TCE-MT, a Assembleia Legislativa, pela Lei 10.534/2017, e mais de 50 Câmaras Municipais promoveram a atualização dos valores pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M/FGV). "A nota técnica da CGU mostra o acerto do TCE-MT, que teve a coragem de enfrentar uma questão que vinha travando a administração, especialmente a gestão financeira descentralizada em milhares de unidades públicas, a exemplo das escolas", registrou o conselheiro presidente Antonio Joaquim. (Disponível em https://www.tce.mt.gov.br/conteudo/show/sid/73/cid/44864/t/CGU+estuda+corrigir+valores+de+modalidades+de+licita%E7%E3o+e+cita+iniciativa+do+TCE-MT. Acesso em 20/10/2018)

 

Mesmo existindo essa orientação por parte do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, de acordo com as informações veiculadas pelo próprio site do TCE/MT, mais de 30 (trinta) leis municipais que disciplinaram sobre a atualização dos valores tiveram sua constitucionalidade questionada pelo Ministério Público Estadual, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas foram julgadas improcedentes pela maioria dos votos do plenário do Tribunal de Justiça Estadual.

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS DE MUNICÍPIOS MATOGROSSENSES QUE ATUALIZARAM OS VALORES LIMITES DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS PREVISTOS NO ARTIGO 23 DA LEI 8.666/93 (LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS). CONCEITO DE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 193 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO. ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES (CF, ART. 22, XXVII). AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE NAS NORMAS MUNICIPAIS IMPUGNADAS PORQUE PROMOVERAM MERA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES PREVISTOS NA LEI NACIONAL. CONCEITO DE FEDERAÇÃO. AUTORREGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL QUE TEM RESPALDO NAS AUTONOMIAS CONFERIDAS AOS ENTES FEDERADOS PELO ART. 18 DA CONSTITUÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS COLETIVIDADES AUTÔNOMAS. 1) A Constituição Federal de 1988 é clara ao franquear aos estados e municípios a competência para legislarem sobre normas específicas em matéria de licitações e contratos administrativos, uma vez que a competência privativa da União Federal restringe-se à legislação sobre normas gerais (CF, art. 22, inc. XXVII). 2) A norma que estabelece os tetos de faixas licitatórias para cada modalidade de licitação, prevista no art. 23 da Lei 8.666/93, é norma geral, uma vez que a matéria exige uma uniformização nacional. De outro lado, não há confundir esta norma geral com a norma que atualiza monetariamente os valores historicamente previstos como tetos de faixas licitatórias. 3) As normas impugnadas na presente ação não tratam do cumprimento de preceitos fundamentais de licitações e contratações públicas, não traçam diretrizes, não falam de princípio geral, não tratam de modalidade licitatória, não tratam de direitos dos licitantes, não dispõem sobre igualdade de condições de todos os concorrentes, não criam restrições à licitação, não criam espécie de dispensa ou inexigibilidade de licitação. As normas municipais impugnadas apenas aplicaram medida anti-inflacionária nos tetos de faixas licitatórias estabelecidas no art. 23 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e, portanto, devem ser qualificadas como normas específicas. 4) O art. 120 da Lei 8.666/93, na parte em que estipula periodicidade e índice de revisão de valores monetários, é norma que deriva da competência privativa da União para legislar sobre sistema monetário (art. 22, inc. VI, da CF/88). Todavia, na parte que estipula a competência para o reajuste ao Poder Executivo Federal, a fim de respeitar as autonomias dos demais entes federativos consagradas no art. 18 da CF/88, reconhece-se sua incidência apenas para as licitações e contratos administrativos a serem firmados pela Administração Pública Federal. 5) Nessa lógica, havendo lei estadual, distrital ou municipal, autorizando o respectivo Chefe do Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM dos valores fixados na Lei 8.666/93 – para licitações e contratos administrativos de cada ente federativo distintamente – estar-se-ia cumprindo o disposto no art. 18 da CF/88. 6) Caso concreto em que, ao invés de editarem lei autorizando os respectivos Prefeitos a revisarem, anualmente, pelo IGPM, os valores ficados na Lei 8.666/93 – para as licitações a serem realizadas no âmbito territorial de cada Município -, levaram a própria matéria da revisão à competência da Câmara de Vereadores, promovendo a revisão monetária por lei. 7) Vício de inconstitucionalidade que não se verifica, uma vez que as normas municipais impugnadas afirmam o conteúdo jurídico do princípio federalista, em especial, do princípio da autonomia das coletividades autônomas, que integram o conceito de Federação, estejam ou não expressos na Constituição. (ADI 61768/2016, DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, TRIBUNAL PLENO, Julgado em 23/03/2017, Publicado no DJE 22/06/2017) Disponível em https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/471882840/direta-de-inconstitucionalidade-adi-617688520168110000-61768-2016 Acesso em 20/10/2018

 

5. As atualizações dos valores trazidas pelo Decreto nº 9.412/18 terão validade sobre todos os entes federados ou apenas para a União?

 

Antes de adentrar a esse tema, é importante analisar a natureza de um decreto. O inciso IV do art. 84 da Constituição, dispõe que compete ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. O decreto faz parte do poder regulamentar, que é um ato típico do chefe do Poder Executivo, fazendo parte dele tanto os decretos quanto os regulamentos.

 

Para a elaboração de um decreto, não é necessário haver participação do poder legislativo, sendo um ato que depende unicamente do chefe do executivo, e por isso, mais célere e simples. Com isso, muito se discute sobre a sua abrangência ser a nível federal ou nacional, pois caso o entendimento seja de abrangência nacional, existe o posicionamento de que não estaria sendo preservada a autonomia federativa, já que um simples decreto do poder executivo, que pressupõe hierarquia estaria tendo aplicabilidade invasiva aos outros Entes, embora a Constituição tenha garantido a autonomia para auto-organização, autoadministração, bem como elaborar própria legislação, desde que não contrária à lei geral.

 

Nessa linha mencionaremos parte do posicionamento do artigo do Dr. Antônio Sérgio Pereira, ipsis litteris:

 

Sem razão, portanto, falarmos na expansibilidade dos efeitos do Decreto Federal n. 9.412/2018 a entes outros que não a União. A um porque, como dito e repisado, a Constituição Federal prevê a autonomia dos entes federados, os protegendo da ingerência exógena. A dois porque, conquanto a lei seja expressão do poder político do Estado, o decreto presidencial, por sua vez, é simples manifestação de poder regulamentar, esse último calcado em uma relação de direito administrativo que pressupõe hierarquia – naturalmente ausente entre os entes federativos ante o exposto no art. 18 da Carta Maior. Disponível em http://conteudojuridico.com.br/index.php?artigos&ver=2.591110. Acesso em 21/10/2018

 

Por outro lado, fazendo uma interpretação sistemática analisando o artigo 99 do Código Tributário Nacional (CTN), vejamos:

 

Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm. Acesso em 21/10/2018

 

O decreto não pode ir de encontro com a lei que justificou a sua criação, sob pena de vício de legalidade. Desse modo, vemos que o que o art. 99 do CTN fez foi limitar o alcance do decreto à lei que ensejou a sua elaboração, e por assim ser, a lei federal tem alcance nacional e, portanto, resta claro que o decreto também terá esse mesmo alcance territorial.

 

De tal modo, a Lei 8.666/93 em seu artigo 120, autorizou que o Poder Executivo Federal realizasse a recomposição dos valores, ou seja, não exigiu que fosse por lei, e ao assim dispor, permitiu que os valores fossem alterados por via de decreto, sem a necessidade de participação do Poder Legislativo, que seria um meio mais demorado, in verbis:

 

Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.

Disponível em . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ L8666cons.htm. Acesso em 21/10/2018.

 

Desse modo, podemos concluir que a efetividade do Decreto nº 9.412/18, que fez a recomposição dos valores das modalidades licitatórias, se estende a todos os entes federados, não se restringindo apenas à União.

 

Conclusão

 

O Decreto Lei nº 2.300/86 que disciplinava sobre licitação, antes de ser revogada pela atual Lei, trazia a previsão expressa vendando os Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios de legislar sobre os limites máximos das modalidades de licitação. A Lei 8.666/93, que a sucedeu, não trouxe vedação, logo, não há impedimento que os demais Entes legislem sobre a atualização desses valores de acordo com as peculiaridades encontradas em cada região ou localidade.

 

Nos casos em que os entes estaduais e municipais tenham realizado a recomposição dos valores, ante a omissão reguladora desde 1998, não há o que se falar em ilegalidade, devendo cada Ente obedecer ao seu limite em específico disciplinado por sua lei.

 

No entanto, os valores adotados pelo ente federado não poderão ir de encontro com a Lei 8.666/93, de forma a permitir uma burla aos princípios constitucionais que disciplinam sobre licitação, como por exemplo, deverá ser ajustado de forma proporcional, preservando o caráter de atualização exposto no art. 120 da Lei nº 8.666/93.

 

Dessa forma, é permitido que o percentual de recomposição seja superior ou inferior ao Decreto Federal, desde que respeite a margem de atualização oficial adotada, permitindo a aquisição de bens ou serviços de modo mais vantajoso e eficiente.

 

Cumpre destacar, que na hipótese do município ou estado não ter regulado a matéria, deverá obedecer às disposições da Lei de Licitações atualizada pelos novos valores do Decreto.

 

Referência

 

BRASIL. Planalto. Código Tributário Nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /LEIS/L5172.htm. Acesso em 21/10/2018.

 

_____. Planalto. Decreto Federal nº 9.412/18. http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9412.htm#art1. Acesso em 19/10/2018.

 

_____. Planalto. Decreto Lei nº 2.300/86. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-Lei/Del2300-86.htm. Acesso em 20/10/2018.

 

_____. Planalto. Lei nº 8.666/93. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ L8666cons.htm. Acesso em 19/10/2018.

 

_____. Planejamento. Notícia. http://www.planejamento.gov.br/noticias/decreto-atualiza-valores-para-licitacoes-e-contratos. Acesso em 19/10/2018.

 

DOS SANTOS, Rodrigo Vargas. Problemas Decorrentes da Ausência de Atualização dos Limites de Dispensa Previstos no Art. 24 I e II da Lei 8666/93. ANO 2017 NUM 376 http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rodrigo-valgas-dos-santos/problemas-decorrentes-da-ausencia-de-atualizacao-dos-limites-de-dispensa-previstos-no-art-24-I-e-II-da-lei-8666-93. Acesso em 20/10/2018.
 
PEREIRA, Antonio Sérgio Blasquez de Sá.  Da inaplicabilidade do Decreto Federal 9.412/2018 aos Estados, Distrito Federal e Municípios. http://conteudojuridico. com.br/index.php?artigos&ver=2.591110. Acesso em 21/10/2018.
 
TCEMT. Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso. CGU estuda corrigir valores de modalidades de licitação e cita iniciativa do TCE-MT. https://www.tce.mt.gov.br/ conteudo/show/sid/73/cid/44864/t/CGU+estuda+corrigir+valores+de+modalidades+de+licita%E7%E3o+e+cita+iniciativa+do+TCE-MT. Acesso em 20/10/2018.
 
TJMT. Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Jurisprudência. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 61768/2016.  Relator: Des. Sebastião de Moraes Filho, Publicado no DJE 22/06/2017, https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /471882840/direta-de-inconstitucionalidade-adi-617688520168110000-61768-2016 Acesso em 20/10/2018.

 

Sobre a autora
Marcela Seidel Albuquerque

Como estagiária trabalhou na antiga Vara de Tóxicos e Entorpecentes de Vitória/ES, BANDES, VALE S/A, Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e no Escritório de Advocacia Siqueira Castro Advogados. Formada em 2008, desempenhou a função de advogada no Escritório de Advocacia Siqueira Castro de 2008 a 2011, em 2011 lecionou direito do trabalho e direito empresarial no Centro Estadual de Educação Técnica/ES e no ano de 2012 até a presente data tomou posse como procuradora legislativa municipal.

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