No texto, vou advogar com lógica a tese de que os deficientes físicos são de fato especiais. Mas, não são especiais em decorrência da deficiência física, locomotora, e sim por condições cognitivas que desenvolvem a partir de suas limitações físicas.
Para vislumbrar o argumento central, por sua vez, utilizo-me aqui de uma metáfora reinterpretando a origem do Direito.
Então, o que gera o Direito?
Sem dúvida, está na origem dessa discussão algum tipo de debilidade, necessidade, deficiência social, política, cultural ou de outra natureza que possa afligir os grupos humanos. Neste momento, não participa do debate nenhuma inflexão entre dominação ou direção social.
Essas deformações, incompletudes ou deficiências morais, intelectuais, exigem uma legislação especial. Um direito positivo capaz de nos proteger – como Humanidade – contra as maldades da ignorância e assim nos promover ao encontro da Humanidade, de nossa própria humanização.
Trata-se de um direito especial, na condição de fundamental, que limite o alcance, que elimine gradativamente os preconceitos e as ações que promovam a exclusão.
Este é o caso, por exemplo, da legislação especial que protege e promove a inclusão dos deficientes físicos. Porque são pessoas "especiais" e porque é preciso buscar a fonte da verdade.
Por isso, falamos de um direito protetivo, inclusivo, reparador, como instrumento do processo civilizatório, em que o ser humano é o que é, e não o que se "supõe" que seja.
O direito protetivo ataca o preconceito, impedindo o avanço do falso: a ignorância dos fatos. O direito protetivo faz avançar o conhecimento, é teleológico, porque impede o fluxo da mentira: o pré-conceito.
É um direito inclusivo porque afasta o "Não-Ser", permitindo que “todos-possam-ser” por meio da verdade. E a verdade está no que somos de fato, nunca no que se supõe ou querem que sejamos.
Numa dimensão maior, o direito protetivo é ético, porque coloca a estética em seu devido lugar.
Nesta sintonia, a regra, o direito, a lei, são normatizações porque é preciso normalizar, dar normas para “que as ações sejam normais”. É um princípio geral do direito.
Normatizar para normalizar o que, de certa forma, já é norma – mas que ainda consta como regra ou norma de costumes. Só que, no caso do preconceito, a normatividade visa descontruir costumes baseados na falsidade do real.
Por isso, o racismo e o feminicídio são crimes hediondos e, quanto à deficiência física, aí age um direito positivo (na ausência do bom senso) securitário de políticas públicas de inclusão.
Discriminar o que é especial para poder incluir do melhor modo, é o que se chama de discriminação positiva, “elevando-se” o sujeito – negado em seus direitos fundamentais – à condição de cidadão ativo, incluído, e não mais segregado pelos usuários dos preconceitos. Elevando-se os cidadãos da condição impositiva de uma “regra ruim” (exceção-excludente) e colocando-os ao alcance de uma “regra boa”: exceção-inclusiva.
Também por este caminho sabemos como e porquê os deficientes físicos são realmente diferentes, especiais. Porque suas viagens são mentais. São adaptados à reflexão, e estão um passo adiante na transformação da viseira estética em ação ética.
Enquanto a maioria peleia atrás de uma bola, nós perguntamos: “Por que correm atrás da bola”? Foi assim que aprendi xadrez aos sete anos de idade.
Os deficientes físicos estão adaptados à superação, porque a menor superfície é sério entrave, mais um obstáculo ao longo da vida. Como suas viagens são pouco locomotoras, suas locomotivas são mentais, criativas.
Porém, o segundo seguinte coloca-nos de volta no palco da vida real, diante do realismo das dificuldades que só nós conhecemos – e que, definitivamente, nao gostamos de falar muito.
E por que não falamos muito disso? Simplesmente porque não adianta, é melhor viver do que reclamar. É isto que temos de melhor para oferecer à humanidade.
Por fim, o que aprendi disso tudo é que, a inclusão dos deficientes físicos tem o poder de restaurar a dignidade no afligido pela exclusão e de restaurar a humanidade no preconceituoso, aquele sonegador da verdade.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Associado da UFSCar e deficiente físico