5 Princípio da Reparação Integral dos Danos.
O princípio da reparação integral dos danos teve sua origem do Direito Francês e possui duas funções que devem ser levadas em consideração, que é a “reparação de todo o dano causado” e “não mais que o dano”. Embora pareça a mesma coisa, não são, porém, se complementam.
A função de reparar todo o dano, como pode-se notar do próprio nome, está em indenizar a integralidade dos prejuízos causados por um terceiro. Nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri “Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados”. (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 195).
Não mais que o dano, está em evitar-se o enriquecimento ilícito, ou seja, o enriquecimento sem causa.
Destaca-se, que tal princípio foi positivado pela norma civilista, em seu artigo 944, onde diz que “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.” (BRASIL, 2002). Ou seja, a indenização deve ser medida pela extensão do prejuízo causado e não mais que isso, obtendo as duas importantes funções acimas.
O princípio da reparação integral dos danos é inclusive previsto pelo Código de Defesa do Consumidor, o famoso CDC, fazendo os consumidores jus aos lucros cessantes que consiste nos danos materiais efetivos sofridos por alguém. E que também é possível a aplicação da perda de uma chance.
Neste ínterim, observa-se que a teoria da perda de uma chance como uma forma de reparação com fundamento no princípio da reparação integral dos danos não se limita a apenas uma área.
O princípio em questão é um dos principais, senão o principal, meio de buscar-se a mais completa reparação dos prejuízos causados ao lesado, claro, observando a extensão dos mesmos, independentemente do âmbito jurídico, contudo, mais precisamente no que concerne a responsabilidade civil.
5.1 A Certeza do Dano.
Mediante o estudo discorrido até aqui, conclui-se, que todo o dano sofrido ao lesado, por outrem, gera uma responsabilidade ao agente causador dos prejuízos acarretados.
Um ótimo exemplo dessa responsabilidade e como a mesma deve ser auferida está em um acontecimento relacionado a emissora de televisão Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), com o denominado Show do Milhão, em que nada tem a ver com a área médica (perda de uma chance de cura ou sobrevivência), porém, remete um ótimo entendimento para servir como um comparativo, já que seguem a mesma base conceitual ao se tratar da perde de uma chance.
Para isso, imperioso é transcrever os ensinamentos de Henrique Avelino Lana que muito bem discorre sobre o assunto de forma simples e clara.
Primeiramente, explica-se que o chamado Show do Milhão foi um jogo televisionado pela emissora SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – uma das empresas do grupo Silvio Santos. Consistia em ser um game de perguntas e respostas cuja última pergunta, caso respondida corretamente, daria o prêmio de R$1.000.000,00 (hum milhão de reais) ao jogador.
Verifica-se que, na data de 15 de junho de 2.000, a jogadora Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos optou por não responder a última questão por medo de errar e perder o prémio já acumulado de quinhentos mil reais. Ademais, a jogadora teve a oportunidade de visualizar a pergunta para, só depois, decidir se queria ou não a responder.
Vide a referia pergunta: “A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?” Alternativas: 1) 22%; 2) 02%; 3) 04%; 4) 10%. Percebe-se que a questão faz menção ao artigo 231 da Constituição da República de 1988, assim, o referido dispositivo dispõe:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. (BRASIL, Constituição, 1988).
Percebe-se através dessa norma uma privação de competência à União, para que ela, por meio de seus órgãos oficiais, realize o delineamento das terras indígenas. Contudo, na norma constitucional, não é expresso nenhum percentual exato, apenas determina-se, de maneira genérica, que todas as terras tradicionalmente ocupadas devam ser reservadas e preservadas para os silvícolas.
A resposta esperada para a questão era a alternativa número 4, isto é, aquela que afirmava que 10% do território brasileiro é aos nativos destinada. Essa premissa foi formulada a partir de um dado disponibilizado pela enciclopédia Barsa Planeta.
A Constituição brasileira reconhece aos índios direitos originários e usufruto exclusivo (exceto subsolo) sobre cerca de 98 milhões de hectares (11,58% do território nacional). As terras são bens da União e se encontram em diversos estágios do processo de reconhecimento oficial, que passa pelas etapas de identificação, demarcação, homologação e regularização. (IBSEN; LEÓN, v. 8, p. 81, 2005).
Após essa análise, concluiu-se que o programa estaria agindo de má-fé. Por isso, a jogadora propôs uma ação judicial contra a BF Utilidades Domésticas LTDA empresa do grupo econômico Sílvio Santos. A autora pleiteou indenização por danos materiais e morais, tendo como causa de pedir a perda da oportunidade de ganhar o jogo, posto que a pergunta do milhão estava mal elaborada, não possuindo reposta correta de acordo com a Magna Carta.
Consoante o acórdão do Recurso Especial nº. 788.459 – BA (2005/0172410-9), o dano moral se ocasionou pela “frustração de sonho acalentado por longo tempo”. Já o dano material fez referência a perda do prêmio, assumindo, por isso, seu integral valor no montante de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Eis, contudo, um erro nessa última afirmação. Isso, pois, ao avaliar a chance pedida no valor total da vantagem esperada não se considerou o risco de a jogadora errar o questionamento mesmo que esse fosse realizado de maneira correta.
Sob o argumento de que a causa de pedir era o impedimento da possibilidade de obtenção de lucro e não a vantagem em si mesma considerada, a parte promovida recorreu à segunda instância, mas não obteve êxito. Ao recorrer ao STJ, a quarta turma de ministros deu provimento parcial ao recurso reduzindo a indenização, posto que fora pedido o julgamento de improcedência ou, alternativamente, redução da quantia indenizatória para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
O valor aferido à chance de R$ 125.000,00 está em plena consonância com o princípio da probabilidade defendido por Maurizio Bocchiola, explicado anteriormente. Afinal, atingiuse o raciocínio de que cada alternativa possuía 25% de chances de ser escolhida e que, como só haveria uma alternativa correta, a autora tinha a mesma probabilidade de acerto.
Assim, a indenização também deveria possuir o valor de um quarto do prêmio da questão. Além do mais, reafirma-se no acórdão que a ausência de certeza com relação ao acerto impossibilita a classificação como lucro cessante.
Finalmente, devido à tamanha proporção e divulgação, a lide em estudo tornou-se um verdadeiro leading case acerca da responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito Brasileiro.
Observa-se, ainda, que até a ação ser transitada em julgado foram abordados importantes critérios para esse tema que emerge no cenário jurídico, a saber: o quantum debeature e a classificação como dano emergente. Em vista disso, o Sr. Ministro Barros Monteiro explica:
A indenização não pode ser tal como pretende a autora, ou seja, o prêmio total de 1 milhão de reais, porque isso somente ocorreria se ela tivesse acertado a pergunta formulada no programa. A lei estabelece claramente que os lucros cessantes abrangem o que razoavelmente o interessado deixou de lucrar. É a regra do art. 1.059 do Código Civil de 1916. Então, a meu ver, está bem claro que os 500 mil restantes são indevidos. (STJ. Recurso Especial nº. 788.459. Min. Rel. Fernando Gonçalves). (LANA, H. A.) (grifo nosso).
Nesse viés, para caracterizar a perda de uma chance ou a perda de uma chance de cura ou sobrevivência, como já fora citado, é necessário que ocorra uma chance real, ou seja, deve ser o erro médico devidamente constatado/configurado. Além da necessidade de chances reais, as mesmas devem ser sérias. No que tange a essa seriedade Sérgio Cavalieri Filho leciona que “A perda de uma chance [...] só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis”. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 75).
Entretanto, tem-se a ideia de que deve ser seguido uma proporção entre o dano e o nexo de causalidade e por fim uma ponderação do que se julga justo para uma devida indenização ao lesado, mediante a chance perdida de um benefício futuro certo e real, porém, não alcançado devido o erro médico.
Tudo isso deve ser argumentando por meio da defesa do paciente quando instituído um procedimento judicial, cabendo ao julgador observar o caso concreto e ponderar de maneira mais justa e eficaz possível, para concretizar o princípio da reparação integral do dano sofrido e não mais que isso. Não é uma tarefa fácil e é de suma importância a colaboração do autor, quando a ele for incumbido o dever do ônus da prova.
Isto posto, para que haja o direito de indenização, deve haver muito mais que uma mera esperança de que o benefício ocorreria. Deve ser evidenciado por vias concretas, reais, sérias e possíveis. Para isso, é necessária uma análise minuciosa dos fatos.