PRINCIPIOS PROCESSUAIS PENAIS
Para iniciar o estudo referente aos princípios do processo penal, é necessário fazer alguns apontamentos em relação ao assunto.
Antes de mais nada, o direito à liberdade é um direito indisponível, trata-se de um direito transindividual, pois é um direito que interessa a toda coletividade, e por conta disso é um dever do estado tutelar pela liberdade do indivíduo.
Bem sabemos que o estado detém o monopólio da jurisdição (dizer o direito), e consequentemente o jus puniendi (direito abstrato de punir).
Dessa forma, se alguma pessoa comete um fato descrito como crime, nesse momento, nasce para o estado o direito concreto de punir essa pessoa. No entanto, mesmo o estado tendo o direito de punir, este não poderá executar a pena imediatamente, pois o mesmo estado que detém o jus puniendi, deve tutelar a liberdade do infrator.
A grande questão é saber como alcançar o direito de punir do estado, garantindo a liberdade do indivíduo.
Esse conflito pode ser perfeitamente solucionado através dos princípios que norteiam o sistema processual penal brasileiro.
O primeiro princípio que iremos estudar é o da dignidade da pessoa humana, que está consagrado no art. 1º, III, da Constituição Federal.
Segundo Artur Francisco Motta;
“À dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de alguém "ser humano”, se tornando automaticamente merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição sócio-econômica”.
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e qualquer ser humano, é a característica que o define como tal. O ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e por seus semelhantes.
Todos os demais princípios, e ainda o sistema processual penal, deve ser interpretado a luz da dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana visa proteger todos os direitos inerentes a qualquer cidadão, é a base onde deve ser construído todo o sistema processual penal.
Outro ponto importante a ser abordo, é que quando a Constituição da República fala da dignidade da pessoa humana, ela não faz distinção entre vítima e réu, a justificativa é simples, a dignidade humana é para todos.
Nesse sentido, vale destacar os ensinamentos da Ministra Carmem Lúcia, ao comentar sobre a igualdade dos seres humanos em dignidade e direitos.
“Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual”.
E por fim, José Afonso nos ensina que “a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana”.
Outro princípio que é de suma importância para o processo penal, é o devido processo legal, que está previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal.
De acordo com José Frederico Marques, “devido processo legal é a garantia de um julgamento imparcial, por meio de um procedimento regular, onde fica assegurada a plenitude de ação e a plenitude defesa”.
O devido processo legal nada mais é do que o princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam, alguns doutrinadores dizem que é a norma mãe. Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito a vida, ao patrimônio e à liberdade.
Segundo Fernando Capez, “o devido processo legal, consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”.
Isto quer dizer que durante um processo criminal, o acusado tem que ter todas as garantias possíveis e previstas em lei.
Para Luís Fernando Manzano, “no devido processo legal somente o juiz natural pode impor a pena ao réu e somente pode fazê-lo dentro de um processo, porque é neste que se plasma o exercício do direito ao contraditório e a ampla defesa”.
O princípio do contraditório é inerente ao processo e também é uma garantia processual para as partes, trata-se de princípio constitucional que está consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Basicamente, o princípio do contraditório consiste na oportunidade de as partes serem ouvidas.
Conforme os ensinamentos de Fernando Capez, “no contraditório o réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contraria-la, evitando, assim, a possibilidade de ser condenado sem ser ouvido”.
O contraditório é um dos elementos integrantes do próprio conceito de processo, isto é, de acordo com a doutrina moderna, não existe processo onde não haja contraditório.
Para uma melhor compreensão do assunto, é essencial que venhamos a entender o conceito básico de processo, podemos conceitua-lo da seguinte forma; processo é um procedimento em contraditório animado pela relação processual.
Fernando Tourinho Filho, ao comentar sobre o princípio do contraditório, explica que, “em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação a quem se propõe a ação penal, goza do direito primário e absoluto da defesa”.
Após o autor instaurar a ação penal, invocando a prestação jurisdicional. O réu deve ser chamado a integrar a relação jurídico processual, pois somente assim é que o processo estará equilibrado. E ao réu se deve dar a chance de aduzir os fatos que amparam sua defesa. Nesse sentido, se uma parte é ouvida, a outra, também merece ser ouvida.
Dessa forma, Luís Fernando Manzano explica que;
“O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes equidistantes delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do magistrado”.
Mas não podemos esquecer, que o princípio do contraditório está intimamente ligado com o princípio da ampla defesa, não há como falar de um sem falar do outro. É por conta disso que o princípio da ampla defesa também está consagrado no art. 5°, LV, da Constituição Federal.
Isso demonstra que o poder constituinte originário, tinha como finalidade, garantir ao acusado, plenas condições de se defender.
Conforme os ensinamentos de Vicente Greco Filho, “a ampla defesa consiste na oportunidade de o réu contraditar a acusação, mediante a previsão legal de termos processuais que possibilitem a eficiência da defesa”.
O autor ainda explica que a ampla defesa é o cerne ao redor do qual se desenvolve o processo penal, não se tratando de mero direito, mas de uma dupla garantia, sendo elas: do acusado e do justo processo.
Já Alexandre de Moraes, nos ensina que “por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário.”
É importante destacar que o princípio da ampla defesa possui duas vertentes; a primeira é a possibilidade de o acusado poder se defender, como por exemplo no interrogatório; a segunda é a defesa técnica, que deve ser elaborada por um profissional habilitado, como por exemplo, a resposta acusação, memoriais, recursos, etc.
Segundo Fernando Capez, “trata-se de um direito do acusado a mais ampla defesa, seja pessoal (autodefesa) ou técnica (efetuada por defensor).”
Mas não podemos nos esquecer que em um julgamento, é essencial a presença de um magistrado, sendo assim, o princípio do juiz natural é o que vai garantir que o acusado tenha direito à um julgamento justo.
O juiz natural está previsto no art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal.
De acordo com Fernando Capez, “juiz natural, significa dizer que todos têm a garantia constitucional de ser submetidos a julgamento somente por órgão do Poder Judiciário, dotado de todas as garantias institucionais e pessoais previstas no texto constitucional.”
Já Fernando Tourinho Filho, enfatiza que, “constitui a expressão mais alta dos princípios fundamentais da administração da justiça. Juiz natural ou juiz constitucional, é aquele cuja competência resulta, no momento do fato, das normas legais abstrata”.
É importante esclarecer que a principal finalidade do princípio do juiz natural, é justamente vedar a criação de juízes ou tribunais de exceções, pode-se citar como exemplo, o caso do tribunal de Nuremberg, no final da segunda guerra mundial, quando foi instituído para julgar os crimes praticados pelos nazistas.
Ainda nesse sentido, o princípio do juiz natural possui três vertentes, são elas; a imparcialidade, a investidura e a competência.
Luís Fernando Manzano, explica que, “o juiz da causa deve ser totalmente imparcial, legalmente investido na função jurisdicional, mediante aprovação em concurso de provas e títulos, e ainda, o juiz da causa tem que ser previamente competente”.
E para finalizar o estudo referente aos princípios no processo penal, é evidente que a prova é um elemento essencial dentro do processo. Em razão da importância da prova, ela já foi chamada por Carnelutti de “coração do processo”. Isso porque ela tem o condão de convencer o magistrado a respeito dos fatos alegados pelas partes, ou seja, demostrar a certeza dos fatos aduzidos em juízo.
Entretanto a Constituição Federal, estabeleceu em seu art. 5º, LVI, que serão inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. O poder constituinte originário se preocupou em demonstrar respeito não só à dignidade da pessoa humana, como também à seriedade da justiça e ao ordenamento jurídico.
Ao comentar sobre as provas obtidas por meios ilícitos, Fernando Capez, ensina que;
“Trata-se de prova vedada, que é aquela produzida em contrariedade a uma norma legal especifica. A vedação pode ser imposta por norma de direito material ou processual. Conforme a natureza desta, a prova poderá ser catalogada como ilícita ou ilegítima, respectivamente”.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido, excepcionalmente, a prova ilícita em benefício do acusado. É por conta disso, que Luís Fernando Manzano salienta que, “o princípio não é absoluto, assim como as normas constitucionais não são direitos absolutos. Têm sempre feitio e finalidade ética”.
O entendimento é de que se a prova obtida por meio ilícito tiver a capacidade de resultar na inocência do réu, esta deve ser aceita em detrimento da imposição da inadmissibilidade.
Conforme os ensinamentos de Vicente Greco Filho, “uma prova obtida por meio ilícito, mas que levaria à absolvição de um inocente, teria de ser considerada, porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal”.
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, podemos claramente perceber a ideia do garantismo penal, que nada mais é do que princípios processuais que irão garantir ao acusado um processo justo na forma da lei. Luigi Ferrajoli foi quem desenvolveu essa teoria no final do século XX.
O garantismo penal é um modelo de direito, que consiste numa liberdade regrada e que afasta os dois extremos, nem o estado antiliberal com o seu abuso de punir e nem a liberdade selvagem ou abolicionismo penal. Ele surgiu com a finalidade de impor limites ao poder punitivo do Estado, isto é, ele poderá punir o cidadão que por algum motivo venha a cometer crime, todavia, deverá respeitas os direitos e garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a inadmissibilidade das provas ilícitas e entre outros.
Portanto, os princípios são fundamentais para o processo penal, pois refere-se à proteção dos bens jurídicos de interesse da sociedade e principalmente de quem está sendo processado. Portanto, é essencial que seja resguardado os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, até porque, uma vez que forem violados os direitos e garantias individuais, poderá trazer diversas consequências irreparáveis.