O fenômeno social denominado de pluriparentalidade (ou multiparentalidade), que significa, resumidamente e no contexto deste arrazoado, a possibilidade de se reconhecer mais de um vínculo de paternidade ou maternidade, tem sido objeto de constante análise nos tribunais pátrios.
O consenso a que se chegou, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de Justiça, é o de que os vínculos biológicos e de afetividade não se excluem, ou seja, a paternidade ou maternidade biológica, constante do registro de nascimento, não impede que se reconheça a paternidade ou maternidade afetiva.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça assim dispôs:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SOCIOAFETIVIDADE. ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. PATERNIDADE. MULTIPARENTALIDADE. POSSIBILIDADE.
[...]
5. À luz do art. 1.593 do Código Civil, as instâncias de origem assentaram a posse de estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo dessa condição, além do preenchimento dos requisitos de afeto, carinho e amor, essenciais à configuração da relação socioafetiva de paternidade ao longo da vida, elementos insindicáveis nesta instância especial ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
6. A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos.
7. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. [...] (REsp 1704972/CE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 09/10/2018).
Assim, ainda que haja a filiação biológica devidamente lançada no registro de nascimento, isto não impede o reconhecimento judicial ou administrativo (Provimento 63/2017 do CNJ) da paternidade ou maternidade socioafetiva dada pelo vínculo público e duradouro de amor e cuidado.
Tal situação enseja, ainda, o reconhecimento de direitos sucessórios e, em acréscimo, viabiliza a alteração do registro civil visando a inclusão do patronímico (sobrenome) daqueles que, com afeto e dedicação, exerceram o papel de pai ou de mãe.
Rafael J. Diegoli
Advogado (OAB/SC 53.722)