Capa da publicação Ciência inequívoca no processo civil
Capa: OAB Lavras

Aplicações da teoria da ciência inequívoca no processo civil

29/03/2019 às 11:46

Resumo:


  • A teoria da "ciência inequívoca" no processo civil é aplicada para caracterizar o termo a quo do prazo para interposição de recursos.

  • A ciência inequívoca é considerada quando a parte ou seu representante legal toma conhecimento do ato processual, mesmo que por outro meio, como a retirada dos autos do cartório.

  • O comparecimento espontâneo das partes e a carga dos autos são exemplos de situações que configuram a ciência inequívoca dos atos processuais, dispensando intimações formais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O prazo recursal começa com o conhecimento efetivo de um ato processual. O acesso aos autos digitais pode suprir a intimação formal?

O comparecimento espontâneo e a efetiva carga dos autos denota a ciência inequívoca, capaz de caracterizar o termo a quo do prazo para a interposição de recurso.

Já se entendia que a regra geral do artigo 241 do CPC de 1973 não exclui, mas aos revés, convive, com outras hipóteses especiais em que se considera efetivada a intimação. Nesse sentido, enquadra-se a teoria de “ciência inequívoca”. Assim, inicia-se o prazo da ciência inequívoca que o advogado tenha do ato, decisão ou sentença, como, v.g., a retirada dos autos do cartório, o pedido de restituição de prazo etc., como ensinou o ministro Luiz Fux (Curso de direito processual civil, 3ªed, Rio de Janeiro; Forense, 2005, p. 358).

Essa teoria da “ciência inequívoca” vem se somar ao que se chama de princípio da efetividade do processo.

Consoante o site do STJ, em 29 de março do corrente ano, com base na teoria da ciência inequívoca, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou intempestivo um recurso contra decisão proferida após a expedição do mandado de citação, mas que teve prazo recursal contado a partir da juntada do mandado aos autos.

No recurso especial, a parte alegou que não teve conhecimento da decisão ao receber a citação, já que ela foi proferida após a expedição do mandado. Porém, em conformidade com o acórdão do TJSP, o colegiado considerou que a parte teve acesso aos autos digitais para a elaboração da contestação, tendo ciência inequívoca de todos os atos processados até aquele momento.

Na ação que deu origem ao recurso especial, o juiz determinou que fosse encaminhado ofício ao cartório de registro imobiliário para a averbação da existência de processo judicial na matrícula de um imóvel.

Contra a decisão, foi interposto agravo de instrumento, mas o recurso foi considerado intempestivo pelo TJSP, que concluiu que o marco inicial do prazo de dez dias para recurso deveria ser contado a partir da juntada do mandado de citação efetivamente cumprido, em especial por serem os autos digitais.

Por meio do recurso especial, a parte agravante alegou não ter sido formalmente cientificada da decisão agravada e, mesmo se fosse o caso de ter acessado os autos digitais, ela não teria capacidade postulatória para recorrer. Dessa forma, a parte defendeu que a ciência inequívoca dos seus advogados se deu apenas no momento em que eles ingressaram nos autos, ou seja, quando apresentaram a contestação.

A teoria da ciência inequívoca é aplicada há muito tempo pelo STJ, merecendo grande receptividade na doutrina; além disso, foi expressamente encampada pelo Código de Processo Civil de 2015. Segundo essa teoria, considera-se comunicado o ato processual, independentemente de sua publicação, quando a parte ou seu representante tenha tomado conhecimento do processado no feito, mesmo que por outro meio. Tomando-se como exemplo a retirada dos autos, presume-se que a parte, pela via do seu representante legal, teve ciência inequívoca do processado até o momento da carga.

"Se a parte retira os autos do cartório, tomando ciência inequívoca da sentença, considera-se efetivada a intimação, passando a correr o prazo recursal. Recurso não conhecido."

(Resp 88.509/SP, Rel. Ministro COSTA LEITE, DJU, 05/08/1996).

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião de recente julgamento do EREsp nº 1.415.522/ES, pacificou a discussão ao estabelecer que é desnecessária a intimação formal da parte devedora quando demonstrada a ciência inequívoca dela quanto a penhora realizada nos autos.

O acórdão foi assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA PENHORA "ON-LINE". TERMO A QUO PARA IMPUGNAÇÃO. INTIMAÇÃO FORMAL. PRESCINDIBILIDADE. EMBARGOS DE Documento: 74531116 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO DIVERGÊNCIA PROVIDOS. I - A intimação é ato solene pelo qual é cientificada a parte sobre algum ato processual, sendo desnecessária sua expedição formal quando a parte comparecer espontaneamente ao processo. Precedentes. II - Demonstrada ciência inequívoca do Devedor quanto à penhora "on-line" realizada, não há necessidade de sua intimação formal para o início do prazo para apresentar impugnação à fase de cumprimento de sentença, tendo como termo a quo a data em que comprovada a ciência. III - In casu, o Devedor peticionou nos autos, após bloqueio e transferência de valores, impugnando pedido do Credor, com objetivo de obstar levantamento de valores, iniciado, portanto, o prazo para impugnação, pois demonstrada ciência inequívoca da penhora. Embargos de divergência providos.

(EREsp 1.415.522/ES, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Corte Especial, julgado em 29/3/2017, DJe 05/4/2017).

No mesmo sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE VENDA DE ASCENDENTE À DESCENDENTE CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535. DO CPC. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE E CIÊNCIA INEQUÍVOCA PARA CONTAGEM DO PRAZO RECURSAL. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. [...] 2. A Corte local concluiu pela intempestividade da apelação, tendo em vista a ciência inequívoca da decisão com a carga dos autos pelo patrono da parte recorrente. Desse modo, para acolher a pretensão recursal, seria imprescindível a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 3. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de ser possível afastar a regra geral das intimações pela publicação na imprensa oficial, quando a parte tenha tomado ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa por outro meio qualquer, iniciando a partir daí a contagem do prazo para interposição do recurso cabível. Incidência da Súmula 83 do STJ. 4. Agravo regimental interposto por Margarida Makiyama e Outros não provido.

(AgRg no AREsp 762.957/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 3/12/2015, DJe 10/12/2015)

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EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TEMPESTIVIDADE – COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO EMBARGANTE – DEFLAGRAÇÃO DO PRAZO – ART. 16, III, DA LEI N. 6.830/80 – ESCLARECIMENTO. 1. O comparecimento espontâneo do embargante aos autos da execução, tomando ciência da penhora realizada sobre bens da empresa, importa em abertura do prazo para a oposição de embargos, sendo que futuro reforço de penhora, incidente sobre bens do embargante, não reabre o prazo para apresentação de embargos. 2. A insuficiência da penhora não pode ser alegada pelo próprio executado para justificar a perda de prazo processual de interposição dos embargos à execução nos moldes previstos no art.16, III, da Lei n. 6.830/80 - Lei de Execuções Fiscais. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos, apenas para esclarecer o julgado.

(EDcl no AgRg no REsp 944.984/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, j. 25/8/2009, DJe 16/9/2009)

EXECUÇÃO FISCAL. PROCESSUAL CIVIL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. QUESTÃO PRECLUSA. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 620 DO CPC. NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO TRIBUNAL RECORRIDO. SÚMULA 7 DO STJ. [...] 2. Correto o entendimento firmado pelo Tribunal a quo no sentido que a discussão acerca da penhora ora tratada encontra-se preclusa. Com efeito, ficou assentado no acórdão recorrido que a decisão que efetivou a penhora foi proferida em 4.1.2001, tendo a recorrente, contudo, somente manifestado a sua insurgência quase 7 anos após o referido pronunciamento. Declarou, ainda, o acórdão que é improsperável a alegação de que a recorrente não foi efetivamente intimada para apresentar embargos, porquanto naquele ínterim (sete anos) a recorrente se manifestou diversas vezes nos autos, o que ratifica a ciência inequívoca daquela determinação, sem que tivesse manejado o recurso cabível no prazo legal. (fl. 111) 3. Esta Corte, ante a interpretação sistemática dos arts. 620. e 655 da Lei Processual Civil, manifestou-se pela possibilidade de a penhora incidir sobre o faturamento sem que haja afronta ao princípio da menor onerosidade da execução. [...] 5. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag 1.128.456/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, j. 9/6/2009, DJe 23/06/2009).

Dentro dessa linha de entendimento, o comparecimento espontâneo supre a necessidade de intimação da penhora.

A mera carga dos autos configura ciência inequívoca dos atos processuais e das decisões proferidas no processo, com mais razão quando se trata de processo eletrônico, em que as partes têm livre acesso aos autos

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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