Centro Heleno Fragoso: a assessoria sociojurídica popular no Paraná

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29/03/2019 às 12:31
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EDH COMO META DO CENTRO HELENO FRAGOSO

Desde 1989 o CHF desenvolve oficialmente, planejado por triênios, o “Programa de Assessoria Sociojurídica às Comunidades Periféricas da Região Metropolitana de Curitiba” 16, de cujas vertentes de atuação destacamos aqui o “Projeto de Educação em Direitos Humanos”.

Ressalte-se que a causa da “educação em direitos humanos” ou “educação para os direitos humanos e cidadania” foi abraçada de longa data, no Estado do Paraná, pelo Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos, que teve participação específica na formatação da primeira versão do “Plano Nacional de Direitos Humanos” (PNDH-1996), até mesmo porque já desenvolvia essa temática desde o início dos anos 90 17. Nesse particular, o CHF já vem realizando cursos de formação no âmbito de organizações comunitárias (educação informal), bem como seminários e eventos pontuais em escolas confessionais (convênio com a Arquidiocese Católica de Curitiba), e, inclusive, colaborou na implementação de um amplo projeto voltado à rede pública de ensino do Paraná nos anos 1990, em convênio com as Secretarias Municipal e Estadual da Educação.


PROJETO DE AÇÃO PERMANENTE

De maneira geral, esse Programa de cursos de capacitação destina-se a proporcionar uma consciência crítica e trabalhar atitudes que conduzam as pessoas ao efetivo exercício da cidadania, à participação ativa nos processos político-sociais, e, à corresponsabilidade na superação de dificuldades locais ou regionais e na construção coletiva da cidadania.

Registre-se que o processo de “educar para os direitos humanos e cidadania“ ou de “educação em direitos humanos“ não se restringe a uma determinada disciplina ou série escolar, a um certo nível econômico, a uma profissão em particular ou a um específico espaço geográfico, mas deve ser visto como um método e um conteúdo cultural indispensável ao alcance da cidadania plena, com aplicação sistemática e interdisciplinar, inclusive com a utilização de temas transversais. 18

Ademais, no entender do CHF, um trabalho voltado a educar em direitos humanos deve ser visto como um processo de caráter ético e político, sistemático e universalista; um desafio a ser enfrentado com a disposição de se corrigir o rumo todo instante; enfim, um sempre renovado compromisso que se assenta no amor à humanidade.

E, ainda cabe acrescer, a educação em direitos humanos deve ser humanizadora, devendo um sério projeto nesse sentido permitir ao educando o confronto com as diferentes representações do real. Por outro lado, a educação em direitos humanos deve possuir abordagem holística e dialógica (aqui, abonando-se Paulo Freire 19), levando o educador a adotar posturas que levem à colaboração, união, organização, síntese cultural e reconstrução do conhecimento.

Além disso, e decisivamente, os direitos humanos não podem ser encarados como simples ser tema específico, tampouco como uma disciplina a mais no currículo. A sua abordagem deve ser interdisciplinar e mesmo transdisciplinar (interação máxima entre as disciplinas), ou seja, os princípios dos direitos humanos devem estar presentes em todas as disciplinas curriculares. Em síntese, não se trata de separar quinze minutos de uma aula, uma aula do mês ou um trecho do conteúdo para tratar a questão dos direitos humanos. Estes devem ser o ponto de partida e o ponto de chegada do planejamento escolar, precisam e devem estar presentes em toda a vivência curricular.

Com esse pano de fundo , a proposta do CHF pressupõe todo um ciclo de cursos de formação, os quais são didaticamente divididos nos seguintes módulos: (a) o básico, com temática abrangente , destinado à sensibilização dos participantes; (b) os módulos complementares, voltados ao aperfeiçoamento em assuntos específico; e, (c) os módulos subsidiários, destinados à construção coletiva da interdisciplinaridade e formação de agentes multiplicadores.

O CENTRO possui uma produção didático-pedagógica própria relativa ao módulo básico (fase de sensibilização), da lavra de membros de sua equipe ou colaboradores, os quais podem ser cedidos a qualquer Entidade parceira, desde que mencionada a autoria - com respectiva qualificação pessoal e institucional -, e destinando-se à entidade cedente um certo número de exemplares das edições, a combinar.

A montagem e o detalhamento dos módulos ficam abertos ao interesse e ao “modus operandi” da Entidade parceira, no que diz respeito ao universo dos participantes (número e qualificação de professores), carga horária, e, mesmo, à revisão da temática selecionada. Frise-se que o Centro Heleno Fragoso dispõe de pessoal altamente qualificado para trabalhar toda uma gama de assuntos abrangentes, mas eventualmente poderá se socorrer do concurso de expositores e assessores de fora de Curitiba, ou mesmo do quadro de recursos humanos de entidades conveniadas.


CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, cabe refletir, por quem se dedica ou vier a se dedicar à essa instigante e imprescindível tarefa, inclusive o próprio Centro Heleno Fragoso, que a Educação em Direitos Humanos implica em três questões cruciais. Primeiramente, trata-se de uma ação permanente, contínua e global, conquanto trabalhada com flexibilidade e adequação à cada realidade destinatária. Em segundo lugar, volta-se à uma mudança cultural, que inclui, também, uma transmutação de mentalidade, tendo como parâmetros o respeito à dignidade humana, a eliminação de preconceitos e discriminações, assim como a prática da tolerância e da diversidade. Finalmente, por terceira questão, significa uma educação em valores, a alcançar mentes e corações, como compromisso inafastável com os princípios e fundamentos democráticos. A isso pode-se adicionar que toda a ação neste sentido deve envolver, da mesma forma, educadores e educandos, juntos voltados à causa da humanização e libertação do ser humano, juntos compromissados com a transformação da sociedade.


NOTAS

1 A entidade foi registrada sob nº 593, no Livro “A”, do 4º Ofício do Registro de Pessoas Jurídicas de Curitiba, na data de 30.10.1987, com alteração parcial do Estatuto averbada no mesmo Cartório em 28/07/1989, e está inscrita no CNPJ sob n° 81.173.270/0001-04, desde 14/04/1989.

2 In: https://www.cnpj.ninja/empresa/centro_heleno_fragoso_pelos_direitos_humanos-centro_heleno_fragoso/81173270000104. Ver também: https://www.ocnpj.com/empresa/centro-heleno-fragoso-pelos-direitos-humanos/ 81173270000104.

3 Nascido em Nova Iguaçu (RJ), na data de 05/02/1926, Heleno Fragoso consagrou-se como um dos grandes nomes do moderno Direito Penal brasileiro. Professor universitário e jurista de renome internacional, ele foi consultor jurídico da “Comissão Brasileira Justiça e Paz” (vinculada à CNBB), membro conselheiro e vice-presidente do Conselho Federal da “Ordem dos Advogados do Brasil”, além de vice-presidente da “Comissão Internacional de Juristas” (Genebra), dentre outros títulos. Faleceu em 18/05/1985.

4 Ver a obra: D’ANGELIS, Wagner Rocha. Organização Popular e Prática da Justiça. Curitiba: Centro Heleno Fragoso, 1992, 86 p. Acessível em: https://www.estantevirtual.com.br/livros/wagner-rocha-dangelis/organizacao-popular-e-pratica-da-justica/1149931537 (acessado em 17mar2019). E encontrável também em: https: //openlibrary.org/works/OL3706243W/Organizac%CC%A7a%CC%83o_popular_e_pra%CC%81tica_da_justic%CC %A7a (acesso - idem).

5 Composição da 1ª Diretoria do CHF: Presidente – Wagner Rocha D’Angelis (advogado, historiógrafo e professor universitário); Vice-presidente – Flávio Frantz (engenheiro civil); Secretária – Elizabeth Gurginski Loures (psicóloga).

6 A respeito, acessar: https://www.wagnerdangelis.adv.br/htmls/lutas/4.htm (acessado em 25/03/2019).

7 Em decorrência do “Plano Mundial Ação para a Educação em prol dos Direitos Humanos e da Democracia”, assumido em 1993 pela UNESCO, o período de 1995 a 2004 foi proclamado como a “Década para a educação em direitos humanos e à luta contra a tortura”, através de uma campanha internacional patrocinada pela ONU. Para o sucesso da empreitada, a ONU apostava no sistema educacional e estimulava a formação de docentes em todos os níveis e sobre todos os temas pertinentes à referida matéria. Nesta linha, o documento conclusivo da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, adotado em 25 de junho de 1993 (Viena), cobrou veementemente dos Estados um aumento substancial dos recursos alocados a programas voltados “... à promoção da consciência dos direitos humanos por meio de treinamento, ensino e educação e a participação popular e da sociedade civil” (I, 34). O texto, aliás, dedicou um capítulo a essa temática, ressaltando inclusive que a educação em direitos humanos deve promover a tolerância, a igualdade entre os sexos, a solidariedade entre as nações, além de incluir a paz, a democracia, o desenvolvimento e a justiça social (II, D, 78-82).

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8 O Conselho de Direitos Humanos foi criado pela Assembleia Geral da ONU em 15 de março de 2006, composto por 47 países, em substituição à (extinta) Comissão de Direitos Humanos.

9 Fundado no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, criou-se o PNDH por meio do Decreto n° 1904, de 13 de maio de 1996, uma iniciativa pioneira em toda a América Latina. Posteriormente, o PNDH contou com duas novas versões, respectivamente em 2002 e em 2009. A versão de 2002 (PNDH 2) foi oficializada pelo Decreto nº 4.229, de 13/05/2002. Já a última versão (PNDH 3) foi instituída pelo Decreto n° 7.037, de 21/12/2009, e atualizada pelo Decreto n° 7.177, de 12/05/2010.

10 Investidura no cargo de Coordenador da “Coordenadoria dos Direitos de Cidadania” da Secretaria de Estado da Justiça do Paraná (CODI-SEJU), pelo Decreto nº 4.304, de 1° de maio de 1998, a convite do então Secretário de Estado, Dr. Eduardo Rocha Virmond.

11 Ver: https://www.folhadelondrina.com.br/cidades/secretarios-debatem-a-norma-que-municipaliza-os-servicos-25526.html (acessado em 06/03/2019).

12 A 1ª equipe Coordenadora da RBEDH foi constituída por Margarida Genevois, na qualidade de presidente (CJP-SP), Vera Maria Candau (Nova América – RJ), Wagner Rocha D´Angelis (Centro Heleno Fragoso – PR) e Inácio J. Spohr (Movimento Justiça e Direitos Humanos – RS). A respeito, ver: MENDES, Cândido; BANDEIRA, Marina. Comissão Brasileira Justiça e Paz (1969-1995) – Empenho e Memória. Rio de Janeiro: Educam, 1996, p. 152.

13 O CEAAL teve como um dos fundadores e primeiro presidente, o educador brasileiro PAULO FREIRE. A sua primeira sede ficava em Santiago do Chile, depois permaneceu por oito anos na cidade do México, e, desde 2004, tem sede na cidade do Panamá.

14 Acerca da Rede, acessar: https://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/rede/historia.htm (acessado em 22/02/2019).

15 Naquela ocasião, o Centro Heleno Fragoso foi representado pelo seu presidente, Prof. Wagner Rocha D’Angelis, um dos palestrantes do evento. Ver: https://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/1congrb.html (acessado em 22/02/2019).

16 Para detalhes, ver: D’ANGELIS, Wagner Rocha. Organização Popular e Prática da Justiça. Curitiba: Centro Heleno Fragoso, 1992, p. 73-74 e 80-[82].

17 Acerca da atuação do Centro Heleno Fragoso nesta temática, ver: VIVALDO, Fernando Vicente. Educação em Direitos Humanos: abordagem histórica, a produção e a experiência brasileira. Dissertação de Mestrado em Sociologia da Educação. São Paulo, 2009 p. 87. In: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23092009-134856/publico/FernandoVicenteVivaldo.pdf (acessado em 08/03/2019). Ver também: BARBOZA, Miriane da Silva Santos. Educação em direitos humanos em uma instituição militar. Tese em Psicologia Social. João Pessoa, 2013, p. 112. In: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/6937/1/arquivototal.pdf (acessado em 20/03/2019).

18 Ver: https://www.educabrasil.com.br/temas-transversais/ (acessado em 22/03/2019).

19 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 31ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p.

Sobre o autor
Wagner Rocha D'Angelis

Advogado, historiógrafo e professor universitário. Mestre e Doutor em Direito. Especialista em Direito Internacional, Mercosul e Direitos Humanos. Ex-Coordenador do Grupo Especial de Defesa dos Direitos Humanos do Estado do Paraná e ex-Presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB-PR. Presidente da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (AJIAL) e presidente do Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos (CHF). Membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) e da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB – Seccional do Paraná (CEVIGE). Jurista com várias obras publicadas, dentre as quais: Direitos Humanos - A luta pela Justiça (Rio de Janeiro: CVBJP / Educam), Direito da Integração & Direitos Humanos no Século XXI (Curitiba: Juruá) e Direito Internacional do Século XXI - Integração, Justiça e Paz (Curitiba: Juruá).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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