Adel El Tasse[1]
A violência manifestada no massacre da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, faz o Brasil confrontar forma particularmente sensível de violência, o ataque massivo a crianças, no seu ambiente escolar, sem qualquer chance de defesa. O lugar de geração de conhecimento e desenvolvimento da pessoa se transforma repentinamente no palco da barbárie e, mesmo em uma sociedade extremamente violenta como a brasileira, é gerada dor que não se consegue descrever e a sensação de total impotência em face da violência se torna mais palpável, pois nem mesmo no ambiente símbolo da segurança e do desenvolvimento há proteção.
De forma previsível, imediatamente debates apaixonados entre os apoiadores do atual Presidente da República, com suas mãos fazendo símbolo de armas e seus detratores tomaram conta do País, tentando entender se o Brasil está caminhando para novas formas de violência, em sua já delicada situação de conflitividade social.
É preciso deixar um pouco de lado a paixão eleitoral para refletir sobre o que realmente ocorre, pois ainda que se resista a aceitar, a verdade é que o discurso habilitado no país nos últimos tempos é extremamente perigoso, mesmo nas sociedades mais pacíficas da terra, o que não é o caso da brasileira, onde indica poder devastador.
A trajetória humana ensinou que todos os processos históricos vividos em uma sociedade dependem de um discurso que seja interiorizado pelas pessoas, porquanto deste processo ocorre a aceitação e realização de ações concretas, pois, toda tentativa de imposição comportamental tende a ser vista como autoritária e, portanto, rechaçada.
Sem querer aflorar paixões ou pretender debater se o melhor é o neoliberalismo ou o protecionismo, se o PT faz parte de um plano satânico para dominar a América Latina ou não, mas seria necessário fechar os olhos completamente para não perceber o discurso que vem sendo estabelecido como hegemônico na sociedade brasileira, em processo que se desenvolve há alguns anos e, em relação aos qual, os dedos em armas, como símbolo da nova sociedade e do seu avanço, são seu momento culminante.
Quando se pulveriza a ideia de que no Brasil há um quadro de impunidade, mesmo ostentado uma das maiores populações carcerárias do mundo, apenas porque, como em todo o planeta, a pena tem prazo de duração e os condenados não são torturados e tem luxos, como poder se alimentar; ou o condenado, por dele não se gostar, não deve nunca mais sair do cárcere e lá deve morrer ou, ainda, se for contra o inimigo tudo bem que as provas não são contundentes, mas melhor que seja condenado pois é bom que sofra; não está se promovendo justiça, mas se promove a interiorização da ideia de que o diferente deve ser massacrado e, quando se agrega a isso a lógica de que é preciso se armar, pois se tem o direito de exterminar o outro, evidente, se habilitou um discurso de violência social extrema.
Nesse sentido, um dos aspectos mais graves da divisão entre “pessoas de bem” e outros, da ideia de que o considerado mal deve ser combatido com meios agressivos e que punir desmedidamente é símbolo de justiça, está no discurso fundamental que sustenta todas estas ideias, não de inclusão ou de paz, mas de legitimação da imposição do pensamento, da divisão social e de que se vive em uma guerra e, portanto, os massacres são aceitáveis, ou seja, um passo antes dos paredões.
Suzano alerta para o discurso que vem sendo interiorizado pelos pessoas no Brasil e a necessidade de que se trabalhe imediatamente na alteração de sua lógica, promovendo a cultura da paz, do entendimento e da tolerância, porém, infelizmente talvez muitas dores ainda tenham que ser vividas e o que visto seja apenas o prenúncio de uma onda de massacres, pois a interiorização de um discurso gera a dramática dificuldade da pessoa em aceitar que talvez esteja errada, é como em 1971 a canção já alertava, muita gente não ouviu porque não quis ouvir. Eles estão surdos!
[1] Advogado em Curitiba (PR). Procurador Federal. Professor de Direito Penal, em cursos de graduação e pós-graduação. Professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Professor no Curso CERS. Mestre em Direito Penal. Coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. Coordenador Geral do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais.