Brasil, país das desigualdades

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O Brasil tem a maior concentração de renda do mundo. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo.

Uma síntese das desigualdades no Brasil e a busca de possíveis soluções. O conceito de desigualdade social é um guarda-chuva que compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado, etc., até desigualdade de escolaridade, de renda, de gênero, etc. De modo geral, a desigualdade econômica – a mais conhecida – é chamada imprecisamente de desigualdade social, dada pela distribuição desigual de renda. O Brasil tem a maior concentração de renda do mundo. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. A experiência internacional mostra que é preciso fazer um investimento massivo e consistente na educação de uma criança logo em seus cinco, seis primeiros anos de vida. O que se constata atualmente é um desmonte do Estado Social, programas sociais sendo reduzidos ou extintos, em especial na área da educação e da ciência e tecnologia, congelamento dos investimentos públicos por 20 anos, privatizações e desmonte dos bancos públicos, terceirização irrestrita, reforma trabalhista e reforma da previdência. Cabe ao conjunto da sociedade criar meios para o desenvolvimento social e estabelecimento de um conjunto de regras que possam minimizar a desigualdade social.

DESIGUALDADE SOCIAL

         O conceito de desigualdade social é um guarda-chuva que compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado, etc., até desigualdade de escolaridade, de renda, de gênero, etc. De modo geral, a desigualdade econômica – a mais conhecida – é chamada imprecisamente de desigualdade social, dada pela distribuição desigual de renda.

       O Brasil tem a maior concentração de renda do mundo. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos.

       O abismo entre os maiores bilionários do planeta e a fatia mais pobre da população continua aumentando, segundo relatório da ONG Oxfam Brasil, que tem o propósito de combater a desigualdade e a pobreza. De acordo com o levantamento, 82% de toda a riqueza mundial gerada entre setembro de 2016 e setembro de 2017 ficou nas mãos do 1% mais rico da população, enquanto a metade mais pobre do globo, que equivale a 3,7 bilhões de pessoas, não foi beneficiada com nenhum tipo de aumento.

       Os pesquisadores que trabalham sob a grife de Piketty, que se tornou mundialmente famoso com a publicação em inglês de O Capital no Século XXI, em 2014, destacam ainda a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambienta. Mas chamam atenção para a perda de poder de influência dos governos dos países mais ricos do mundo.

       A questão, porém, não se restringe a contabilizar quanto ganham os mais ricos, os mais pobres e a grande massa intermediária, mas o que é de fato fundamental é entender as causas, os fatores que levam o país às piores posições de quaisquer comparativos internacionais de desigualdade.

       A experiência internacional mostra que é preciso fazer um investimento massivo e consistente na educação de uma criança logo em seus cinco, seis primeiros anos de vida. Negligenciar esse período de formação educacional é condená-la a ter menos oportunidades de crescimento profissional e, consequentemente, de renda e qualidade de vida. Está aí uma das chaves para entender por que Brasil e Coreia do Sul eram tão similares no fim dos anos 1970, em termos de renda per capita, e hoje um coreano médio ganha três vezes mais que um brasileiro.

         As regras de aposentadorias e pensões no Brasil são um estímulo à desigualdade, ainda que o INSS seja visto como um instrumento de redistribuição de renda. Uma grande massa de beneficiários, mais de dois terços, recebe o pagamento mínimo, equivalente a um salário mínimo, enquanto poucos privilegiados ainda contam com o benefício máximo do INSS – cerca de 5,5 salários mínimos – e mais outras benesses decorrentes das aposentadorias especiais. É isso que tornou o sistema previdenciário irracional e insustentável. A solução será diminuir os privilégios e enfrentar o corporativismo para diminuir as desigualdades. A previdência necessita de uma reforma para combater os privilégios e a inadimplência dos grandes devedores.

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

       No que diz respeito à distribuição de renda no país, a Síntese dos Indicadores Sociais 2017 comprovou, mais uma vez, que o Brasil continua um país de alta desigualdade de renda, inclusive, quando comparado a outras nações da América Latina, região onde a desigualdade é mais acentuada.

       Segundo o estudo, em 2017, as taxas de desocupação da população preta ou parda foram superiores às da população branca em todos os níveis de instrução. Na categoria ensino fundamental completo ou médio incompleto, por exemplo, a taxa de desocupação dos trabalhadores pretos ou pardos era de 18,1%, bem superior que o percentual dos brancos: 12,1%.

       “A distribuição dos rendimentos médios por atividade mostra a heterogeneidade estrutural da economia brasileira. Embora tenha apresentado o segundo maior crescimento em termos reais nos cinco anos disponíveis (10,9%), os serviços domésticos registraram os rendimentos médios mais baixos em toda a série. Já a Administração Pública acusou o maior crescimento (14,1%) e os rendimentos médios mais elevados”, diz o IBGE.

       É que no sistema tributário brasileiro, quanto mais se ganha, menos se paga em impostos proporcionalmente, o que tende a perpetuar os altos índices de desigualdade do país, “Sempre que se fala em reforma tributária, surge a discussão sobre quem vai pagar a conta. Acontece que 99% dos brasileiros é que pagam o pato, e precisamos dividir essa conta com o 1% restante, que paga proporcionalmente muito menos”, avalia Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, ONG britânica que produziu o relatório “A Distância que Nos Une – Um Retrato das Desigualdades Brasileiras”.

       O documento destrincha vários aspectos das iniquidades do país, seja entre ricos e pobres, mulheres e homens ou negros e brancos. Aponta, por exemplo, que, se mantidas as tendências dos últimos 20 anos, mulheres só terão seus salários equiparados aos dos homens em 2047. E negros terão isonomia salarial em relação aos brancos apenas em 2089.

       O relatório mostra ainda que os 5% que estão no topo da pirâmide econômica do Brasil concentram a mesma renda dos 95% restantes. E que um trabalhador que receba um salário mínimo mensal levará 19 anos para ganhar o mesmo que aqueles que integram o 0,1% mais rico do país recebem em apenas um mês.

       Segundo o relatório da Oxfam, o combate a essas desigualdades passa necessariamente pela revisão da forma como o Estado arrecada e distribui recursos.        “O problema não são os ricos, mas o sistema tributário, que faz com que quem tem mais tenha cada vez mais”, afirma Maia. “Algum nível de desigualdade é inevitável, mas precisamos reduzir os extremos. Nossa tributação hoje não é excessiva, mas é injusta.”

       Ainda segundo dados compilados pela ONG, quem tem rendimento de 80 salários mínimos tem isenção de cerca de 66% em impostos enquanto para quem recebe de 3 a 20 salários mínimos essa isenção é de cerca de 17%. E na faixa mais baixa, entre 1 e 3 salários mínimos, ela é de apenas 9%.

       De acordo com estudo do Banco Mundial divulgado em outubro 2017, o país tinha 8,9 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza para essa linha de corte de US$ 1,90 em 2015. Comparado ao dado do IBGE, isso indicaria um forte aumento da pobreza extrema de um ano para o outro. Mas, como são pesquisas diferentes, a comparação entre os dois números pode ser bastante imprecisa.

       O IBGE também calculou a pobreza de 2016 com base em outras linhas de corte como o Programa Brasil sem Miséria de R$ 85 para pobreza extrema e R$ 170 para pobreza, o Benefício de Prestação Continuada de um quarto do salário mínimo, de R$ 440 em 2016 e do próprio Banco Mundial, de US$ 5,5 diários para pobreza moderada, aplicável ao Brasil.

       O Brasil tinha 52,2 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza em 2016, o que representa um quarto (25,4%) da população naquele ano. A estimativa consta na “Síntese de Indicadores Sociais 2017”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir da nova métrica de pobreza do Banco Mundial, que delimita em US$ 5,5 por dia per capita (R$ 387,07 por mês) a pobreza para países de renda média alta.

       Quase a metade da parcela pobre da população vivia no Nordeste. A região tinha 24,7 milhões de pessoas que viviam com menos de US$ 5,50 por dia, 43,5% da população residente na região. No Norte, por sua vez, 43,1% da população era pobre pelo critério do Banco Mundial 7,5 milhões de pessoas. A proporção era mais do que o dobro da vista no Sudeste do país, onde 15,9% dos residentes carregavam essa condição (13,7 milhões de pessoas). Os Estados com piores indicadores foram Maranhão (52,4%), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%). Em São Paulo havia 5,46 milhões de residentes abaixo da linha da pobreza, ou 12,2% da população. Em Santa Catarina, o percentual era de 9,4%. No Estado do Rio, de 18,3%. Em todos os casos, a pobreza tem maior incidência nos domicílios do interior dos Estados do que nas capitais.

       O IBGE também calculou a pobreza de 2016 com base em outras linhas de corte, como o Programa Brasil sem Miséria de R$ 85 para pobreza extrema e R$ 170 para pobreza e do Benefício de Prestação Continuada de um quarto do salário mínimo, de R$ 440 em 2016. Também calculou a partir de outros cortes do próprio Banco Mundial, como de US$ 5,5 diários para pobreza moderada, aplicável ao Brasil.

       Os movimentos do mercado de trabalho durante a crise afetaram com mais intensidade a parcela jovem da população. Dos 11,6 milhões de pessoas desempregadas em 2016, com 16 anos ou mais de idade, 54,9% tinham de 16 a 29 anos, de acordo com a “Síntese de Indicadores Sociais 2017.

DESEMPREGO

       A taxa de desemprego dessa faixa etária era de 21,1% naquele ano, mais do que o dobro do indicador relativo a pessoas de 30 a 49 anos de idade (5,5%). Além de menos empregados, os jovens estão ocupados em postos de menor qualidade. A proporção de pessoas de 16 a 29 anos em trabalhos formais caiu de 60,3% para 58,4%, de 2014 para 2016, respectivamente, segundo o IBGE.

       A informalidade do emprego entre jovens era mais latente nas regiões Nordeste e Norte. No Maranhão, somente 30,1% dos jovens estavam ocupados em trabalhos formais, nível mais baixo de todo o país.

         Os dados do estudo indicam que, quanto menos escolaridade, mais cedo o jovem ingressa no mercado de trabalho. A pesquisa revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado de trabalho com até 14 anos.

       Para os analistas, “a idade em que o trabalhador começou a trabalhar é um fator que está fortemente relacionado às características de sua inserção no mercado de trabalho, pois influencia tanto na sua trajetória educacional – já que a entrada precoce no mercado pode inibir a sua formação escolar – quanto na obtenção de rendimentos mais elevados”.

       Ao mesmo tempo em que revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado com até 14 anos, o levantamento indica também que este percentual cresce para o grupo de trabalhadores que tinha somente até o ensino fundamental incompleto, chegando a atingir 62,1% do total, enquanto que, para os que têm nível superior completo, o percentual despenca para 19,6%.

       Ainda sobre o trabalho precoce, o IBGE constata que, em 2016, a maior parte dos trabalhadores brasileiros (60,4%) começou a trabalhar com 15 anos ou mais de idade. Entre os trabalhadores com 60 anos ou mais houve elevada concentração entre aqueles que começaram a trabalhar com até 14 anos de idade (59%).

       A análise por grupos de idade mostra a existência de uma transição em relação à idade que começou a trabalhar, com os trabalhadores mais velhos se inserindo mais cedo no mercado de trabalho, o que pode ser notado porque 17,5% dos trabalhadores com 60 anos ou mais de idade começaram a trabalhar com até nove anos de idade, proporção que foi de 2,9% entre os jovens de 16 a 29 anos.

       O IBGE destaca que os trabalhadores de cor preta ou parda também se inserem mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os brancos, “característica que ajuda a explicar sua maior participação em trabalhos informais”.

       Já entre as mulheres foi maior a participação das que começaram a trabalhar com 15 anos ou mais de idade (67,5%) quando comparadas com a dos homens (55%). Para os técnicos do instituto, esta inserção mais tardia das mulheres no mercado de trabalho pode estar relacionada “tanto ao fato de elas terem maior escolaridade que os homens, quanto à maternidade e os encargos com os cuidados e afazeres domésticos”.

       O percentual de jovens que não trabalham nem estudam aumentou 3,1 pontos percentuais entre 2014 e 2016, passando de 22,7% para 25,8%. Dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 indicam que, no período, cresceu o percentual de jovens que só estudavam, mas diminuiu o de jovens que estudavam e estavam ocupados e o de jovens que só estavam ocupados.

       O fenômeno ocorreu em todas as regiões do Brasil. No Norte, o percentual de jovens nessa situação passou de 25,3% para 28,0%. No Nordeste, de 27,7% para 32,2%. No Sudeste, de 20,8% para 24,0%. No Sul, de 17,0% para 18,7% e no Centro-Oeste, de 19,8% para 22,2%.

       Ele atingiu, sobretudo, os jovens com menor nível de instrução, os pretos ou pardos e as mulheres e com maior incidência entre jovens cujo nível de instrução mais elevado alcançado era o fundamental incompleto ou equivalente, que respondia por 38,3% do total.

       Quando se avalia os níveis de pobreza no país por estados e capitais, ganham destaque – sob o ponto de vista negativo – as Regiões Norte e Nordeste com os maiores valores sendo observados no Maranhão (52,4% da população), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%).

       Em todos os casos, a pobreza tem maior incidência nos domicílios do interior do país do que nas capitais, o que está alinhado com a realidade global, onde 80% da pobreza se concentram em áreas rurais.

       Ainda utilizando os parâmetros estabelecidos pelo Banco Mundial, chega-se à constatação de que, no mundo, 50% dos pobres têm até 18 anos, com a pobreza monetária atingindo mais fortemente crianças e jovens – 17,8 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, ou 42 em cada 100 crianças.

       Também há alta incidência em homens e mulheres pretas ou pardas, respectivamente, 33,3% e 34,3%, contra cerca de 15% para homens e mulheres brancas. Outro recorte relevante é dos arranjos domiciliares, no qual a pobreza – medida pela linha dos US$ 5,5 por dia – mostra forte presença entre mulheres sem cônjuge, com filhos até 14 anos (55,6%). O quadro é ainda mais expressivo nesse tipo de arranjo formado por mulheres pretas ou pardas (64%), o que indica, segundo o IBGE, o acúmulo de desvantagens para este grupo que merece atenção das políticas públicas.

Como consequência da desigualdade social, temos os grandes problemas que nos afetam diretamente, podendo ser vistos a toda hora e todo momento:

       Aumento das favelas nas grandes cidades, com proliferação nas cidades do interior;

       Crescimento de fome e de miséria em todos os centros urbanos;

       Aumento da mortalidade infantil, do desemprego e da criminalidade;

       Crescimento de classes sociais de menor poder aquisitivo;

       Atraso no desenvolvimento econômico da nação;

       Dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde, transporte público, saneamento básico e educação.

       Em nosso país, a desigualdade social é uma das características mais importantes, já que somos um dos piores países do mundo neste tipo de diferença entre as classes sociais. Embora tenhamos tido a oportunidade de, há alguns anos, sermos considerado a oitava potência econômica do mundo, também estávamos carregando a tocha de oitavo país com maior índice de desigualdade econômica.

EDUCAÇÃO E MARGINALIDADE

Ao buscarmos uma compreensão para o que venha a ser marginal, FERREIRA (2008) afirma:
adj2g. 1. Da margem (1 e 2), ou feito, escrito, desenhado nela. 2. Que vive fora do âmbito da sociedade ou da lei, como vagabundo, mendigo ou delinquente. s2g. 3. Indivíduo marginal (2). [Sin. De 2 e 3: fora-da-lei. Pl.: -nais.]. (p.538).
 Já ao definir a marginalidade o mesmo autor conceitua-a como sendo      O estado ou condição de marginal (p. 538).

É possível somar-se ainda novos significados para uma compreensão mais abrangente do termo. O conceito de marginalidade pode ser empregado no campo moral, no campo econômico e no campo social. Quando assim aplicado está associado à “bandidagem”, à pobreza, à exclusão.

Se fizermos uma análise mais profunda do seu uso podemos perceber que na literatura em geral, o termo marginalidade vincula-se a diversos aspectos da vida real, tais como: caos, colapso, degradação, segregação, desagregação, deteriorização, discriminação, diferença, entre outros. Nesse sentido, a marginalidade vem da díade de relações de uma sociedade em desarmonia. Torna-se marginal quem está do lado oprimido, excluído. É assim que são construídos os duetos tão ressonantemente ouvidos no mundo atual: rico-pobre, norte-sul, centro-periferia, incluído-excluído, desenvolvido-subdesenvolvido, masculino-feminino, hétero-homo, branco-negro, urbano-rural.
No mundo da dualidade cada um dos pares descritos acima expressa a natureza de processos/condições que se manifestam a partir do desenvolvimento desigual na economia, na sociedade e na política; e consequentemente materializam-se no espaço, criando realidades que embora pareçam naturais, pela tradição de sua natureza, são construções sociais referentes a um conjunto de padrões que adotamos e herdamos culturalmente.

É sobre essa ótica, a da marginalidade enquanto processo da exclusão e da acentuada diferença gerada por diferentes fatores entre grupos, classes, que procuraremos dissertar. Nesse sentido, a marginalidade se reveste de um valor próprio, o da segregação social não devendo ser confundida com o seu sentido mais usual o da “bandidagem”.

Uma vez delimitado o papel da marginalidade nas sociedades contemporâneas cabe-nos refletir sobre a educação. Qual tem sido o seu papel? De que forma a Educação se processa? Como podemos compreender o real sentido da educação escolar?

Educação Escolar: Processo intencional

Podemos compreender a Educação como resultante dos processos de ensinar e aprender. Trata-se, portanto, de um fenômeno observado em qualquer sociedade em qualquer tempo afirmando-se nos seus grupos constitutivos, os quais são responsáveis pela sua manutenção e perpetuação a partir da transposição, às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade.

Neste sentido, como afirma Piletti (2008)

A educação existe mesmo onde não há escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e de povos considerados “bárbaros”, por exemplo, não existem escolas nem métodos de educação conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educação. (p. 12).

De acordo com a ideia de educação citada acima, essa se processa de forma livre e espontânea. Trata-se de um processo onde, a partir da imitação (in)consciente, os indivíduos aprendem com os do seu grupo a se organizarem culturalmente incorporando valores e práticas grupais e individuais, necessárias a sua sobrevivência, ajustando-se portanto ao meio em que vivem.

Embora essa seja a primeira face da educação e ocorra mesmo nas sociedades onde existem as instituições da Educação Formal, o ambiente das escolas, é sobre uma segunda face da educação que buscaremos nos deter – a Educação escolar. Por esse modelo de educação devemos compreender o processo de educação realizado em um sistema escolar de ensino. Essa prática educativa podendo ser desenvolvida em institutos ou demais instituições legitimadas para exercê-la. Trata-se de uma prática que coincide com a insurgência das escolas sendo, normalmente, financiada pelo Estado o qual faz acontecer as políticas públicas.

Na sociedade brasileira o reconhecimento da importância da educação escolar e a pertinência da atuação pública sobre a mesma encontram-se expresso na Constituição Federal em seu Artigo 205 que diz:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

Ao dissertar sobre a Educação escolar Libâneo (1994) comenta que se trata de um sistema de instrução e ensino de objetivos intencionais, sistematizados e com alto grau de organização, dando a importância da mesma para uma democratização maior dos conhecimentos. Na visão desse autor as práticas educativas é que verdadeiramente podem determinar as ações da escola e seu comprometimento social com a transformação. Trata-se de uma visão crítica sobre o papel da educação na sociedade, legando a primeira a possibilidade do despertar para o agir consciente dos grupos sobre o meio em que vivem.

Dado o verdadeiro mérito educacional às instituições de ensino, pelo seu caráter intencional, percebe-se que a Educação escolar deve cumprir uma série de obrigatoriedades que devem estar em consonância com o tipo de sociedade a qual se destina. Mas dessa afirmativa decorre uma série de outros questionamentos. Assumindo-se que o nosso modelo de sociedade se encontra marcado pelas díades apresentadas anteriormente – norte-sul, rico-pobre, homem-mulher, entre outros – a que grupo deverá servir o modelo de educação institucional? Como a educação se relaciona com as questões da marginalidade? Até que ponto o processo educativo pode e deve interferir nas questões da exclusão social?

É bem verdade que não pretendemos dar conta de todas as questões ora apresentadas nesse artigo. Uma resposta consistente para cada um desses questionamentos demanda um estudo bem mais demorado e aprofundado o qual deverá perpassar pelas histórias das lutas e movimentos sociais, dentro e fora do Brasil. Sendo necessária ainda uma discussão sobre as noções de Estado, políticas públicas, papel da escola, conceito de cidadania e tantas outras questões pertinentes à temática em voga.

Contudo, ainda que conscientes de nossas limitações, procuraremos adentrar o universo da escola e da marginalidade a partir das teorias de SAVIANI (2008) em seu texto “As teorias da educação e o problema da marginalidade”, não em busca de esvaziar as inquietações, ora reinantes, mas na objetivação de torna-las ainda mais aguçadas e promotoras de novos olhares, novas perspectivas e novas interpretações possíveis.

Educação e marginalidade: Práticas pedagógicas e a politização do educador

Perceber a relação educação e marginalidade – no âmbito em que estamos tratando tais questões – pode nem sempre ser uma tarefa fácil, uma vez que tal façanha demanda um posicionamento político e ideológico, contudo, trata-se de um fazer necessário, ainda mais quando se trata de agentes da educação (educadores, coordenadores educacionais, alunos entre outros), pois tal compreensão será vital para o desempenho de uma prática pedagógica comprometida para a mudança e/ou manutenção dessa dicotomia. Compreendendo-se aqui que as práticas pedagógicas são intencionais, demandando, portanto, certo posicionamento pedagógico que pode coincidir para além das questões da marginalidade.

É bem verdade, ainda, que o fazer pedagógico enquanto prática intencional nunca se manteve inalterado, mas admitiu essa ou aquela configuração em consonância com o modelo de sociedade para o qual se destinou em um determinado momento. Desta feita, tais práticas têm contribuído para o avanço ou para o declínio da marginalidade ao longo dos tempos. De acordo com SAVIANI (2008), pode-se agrupar as teorias educacionais em dois grupos principais, ao se tratar a questão da marginalidade. Em um primeiro grupo, temos aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, portanto, de superação da marginalidade. Já em um segundo grupo, encontra-se às teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, um fator promotor da marginalização.

O entendimento sobre a questão da marginalidade, latente em cada, é um reflexo da forma como cada uma delas percebe a relação existente entre educação e sociedade.

Assim, para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente a um número maior ou menor de seus membros o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida.

[...]

Já o segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. Nesse quadro, a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade. (SAVIANI, 2008, p. 04)

No primeiro conjunto, denominado por SAVIANI (2008) de grupo de Teorias Não-Críticas, o qual compreende a Pedagogia Tradicional, A Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista, a educação é percebida como um instrumento de correção das distorções causadoras da marginalidade. A Educação passa a ter a função de reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. A Educação, nessa ótica, teria o papel de buscar a superação da marginalidade apresentando um elevado grau de independência em relação à sociedade. Essa autonomia devendo contribuir para a construção de uma sociedade igualitária, evitando a sua desarticulação.

 Inversamente a esse posicionamento o conjunto de teorias do segundo grupo, denominado de Teorias Crítico-Reprodutivistas, que engloba a Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica, Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado (AIE) e Teoria da Escola Dualista, apresentam um posicionamento crítico sobre a relação educação e sociedade uma vez que se busca compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais.

Nessa ótica de entendimento a educação é inteiramente dependente da estrutura social a qual é geradora da marginalidade. A marginalidade é reflexo do interesse de um grupo ou classe que detendo os mecanismos de produção se apropriam dos resultados da produção social. Esse grupo constitui, portanto, um poder de dominação e busca, através da educação, perpetuar e legitimar aos demais indivíduos a condição de marginalizados.

Levando-se em conta as postulações de SAVIANI (2008) podemos perceber que o primeiro grupo de teorias, o das Teorias Não-Críticas, apresenta uma proposta de educação enquanto que o segundo grupo, o das Teorias Crítica-Reprodutivistas, não contém uma proposta pedagógica preocupando-se apenas em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como encontra-se constituída. Desta feita, ao tratarmos a realidade encontramos o seguinte resultado:

[...] enquanto as teorias não-críticas pretendem ingenuamente resolver o problema da marginalidade através da escola sem jamais conseguir êxito, as teorias crítico-reprodutivistas explicam a razão do suposto fracasso. Segundo a concepção crítico-reprodutivista o aparente fracasso é, na verdade, o êxito da escola; aquilo que se julga ser uma disfunção é, antes, a função própria da escola. Com efeito, sendo um instrumento de reprodução das relações de produção a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a dominação e exploração. Daí seu caráter segregador e marginalizador. Daí sua natureza seletiva. A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência. (p. 24)

Diante essa realidade se faz necessária a retomada das nossas inquietações iniciais: a que grupo deverá servir o modelo de educação institucional? Como a educação se relaciona com as questões da marginalidade? Até que ponto o processo educativo pode e deve interferir nas questões da exclusão social? O problema permanece em aberto. Contudo, devemos retirar algumas lições.

Do segundo grupo podemos aprender que a sociedade se encontra dividida em camadas sociais com interesses antagónicos e que a educação emerge como mecanismo reforçador dos interesses dominantes, portanto intencional e reprodutora. Do primeiro grupo devemos compreender que o papel da educação deve ser guiado por uma proposta pedagógica.

Não podemos cair no ilusório que a Educação pode e deverá servir como mecanismo de salvação do ideário social, mas temos que entender que não basta um olhar simplista de entendimento de como essa se processa. Muito mais que isso, é preciso desenvolver uma percepção que a educação ainda que não seja – em si própria – um instrumento para a transformação social ela talvez seja o único mecanismo com capacidade para fazer compreender e articular essa transformação.

Guiados por esse pensar, enquanto educadores, podemos politizar a nossa prática e fazermos as escolhas necessárias para desenvolvermos uma prática consciente. Enquanto artífices do fazer educativo temos a possibilidade de visualizar novos contornos educativos, ainda que esse fazer não seja uma tarefa fácil. Talvez seja mais cômodo não nos envolvermos e convivermos com a reprodução uma vez que o caminho da transformação é cheio de armadilhas e incertezas, mas já não podemos cruzar os braços e negarmos o poder que detemos em nossas mãos. A história da educação é a própria história de um povo, marcada pelas lutas e pelos desejos de mudança. Guiar a nossa prática de forma intencional e política é uma responsabilidade que temos de assumir para com essa e com as gerações futuras.

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AUMENTO DA MISÉRIA E FOME

       A manutenção do crescimento do consumo contribui para explicar a permanência do aquecimento do mercado de trabalho até 2014, mesmo com o PIB em desaceleração, a forte queda de ambos indicadores nos dois últimos anos explica a deterioração de seus indicadores no mesmo período. Os resultados evidenciam que, até 2014, o mercado de trabalho brasileiro apresentou incremento da ocupação, sobretudo do emprego formal; redução da desocupação, que atingiu sua menor taxa; e aumento da renda do trabalho. Nos dois anos finais, tais indicadores sofreram reversão.

       Em relação à população ocupada que contribui para previdência social o movimento foi também crescente até 2014, com a inclusão de quase 4 milhões trabalhadores nesta condição. Em 2015 ocorreu estabilização, em relação ao ano anterior, em torno de 56,5 milhões de contribuintes e, no ano seguinte, decréscimo para 55,5 milhões. O principal grupo de trabalhadores formais, formado pelos empregados com carteira de trabalho assinada mais os servidores públicos e militares, sofreu a maior redução no ano final e determinou o comportamento geral da formalização. Já os trabalhadores por conta própria e os empregadores que contribuem para a previdência social registraram ascensão, minorando a redução das ocupações formais no período. Em termos percentuais, os trabalhadores formais representaram 61,2% em 2016, enquanto os informais atingiram 38,8%.

       Cabe ressaltar que esta nova configuração de trabalhadores que contribuem para a previdência social, com menos empregados com carteira de trabalho assinada e mais trabalhadores por conta própria e empregadores implica que a população ocupada está menos protegida. Além dos direitos previdenciários (aposentadoria e licenças médicas, à maternidade ou por acidentes de trabalho), os empregados com carteira possuem outros direitos, como férias e décimo terceiro salário, que não são facultados aos demais trabalhadores que contribuem para a previdência social. Da mesma forma, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS também é recolhido apenas para os empregados com carteira de trabalho assinada.

       A população ocupada cresceu 2,3% nos cinco anos analisados, sendo um incremento inicial de 3,3%, até 2014, e recuo de 1,0% nos dois anos finais. Entre os subgrupos de atividades cabe destacar que Agropecuária, Indústria, Construção e Administração pública foram as quatro atividades que apresentaram quedas na população ocupada entre 2012 e 2016. Entretanto, enquanto na Agropecuária a queda se deu continuamente até alcançar a redução de 1,1 milhão de pessoas em 2016, na Indústria e na Construção houve elevação no período até 2014 (3,5% em ambas), seguida de queda nos dois anos finais (4,1% na Construção e 13,2% na Indústria).        Exceto na atividade de Administração pública, em que a redução da população ocupada foi bastante expressiva (11,7%), nas outras atividades do grande grupo Serviços houve elevação da população ocupada ao final do período. Merece destaque a evolução do pessoal ocupado no subgrupo Serviços domésticos, que ao contrário dos demais, apresentou redução no período inicial da série (2,6% até 2014) e elevação (4,2% de 2014 a 2016) no período mais agudo da crise econômica.

       Considerando os três grandes grupos de atividade econômica em três anos selecionados nota-se que, proporcionalmente, a absorção de pessoal ocupado reduziu-se continuamente na Agropecuária que finalizou o período com 9,9% de participação. No grande grupo da Indústria, que inclui a atividade de Construção, a redução ocorreu no biênio final (20,8% da população ocupada total) e no grupo de Serviços, que compreende as demais atividades, o crescimento foi contínuo, chegando próximo a 70,0% de participação na população ocupada total, em 2016.

       Tanto a redução de pessoal na Indústria, como o incremento da mão de obra nos Serviços, pode ser explicada como reflexo da crise econômica que se aprofundou nos últimos dois anos. O aumento de empregos nos Serviços, em termos relativos e absolutos, está associado à natureza de parte de seus postos de trabalho, em que prevalecem menor formalização, jornadas mais flexíveis e menor sindicalização. De fato, segmentos intensivos em mão de obra dos Serviços, tais como Comércio, Serviços pessoais, Serviços domésticos, Alojamento e alimentação e Educação, saúde e serviços sociais registraram elevação no pessoal ocupado em 2016.

       A análise da taxa de sindicalização reforça o comportamento acima descrito. Definida como a proporção de trabalhadores filiados a sindicatos dentre os empregados formais, este indicador informa sobre a condição da relação entre capital e trabalho na sociedade, uma vez que permite inferir sobre a capacidade de articulação e de organização do trabalhador formal diante das transformações no mundo do trabalho. A fonte utilizada para obter tais informações é a RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego.

       Na análise do período disponível pela base de dados, entre 2012 e 2015, observa-se que as atividades da Indústria apresentaram taxa de sindicalização mais elevada, com filiação de 13,2% de seus empregados formais, em 2015. Entretanto, como proporção na participação do total de trabalhadores sindicalizados, este grupo de atividades apresenta uma queda de 12,0% entre os anos de 2012 e 2015, acompanhando a queda no total de vínculos deste grupo que foi de 11,0% no mesmo período. Ao longo do período, não se observou alteração relevante no percentual de sindicalização dos trabalhadores formais, mesmo em um contexto recessivo.

       Um dos indicadores de oportunidades de emprego corresponde à taxa de desocupação dos jovens. Uma vez que a inserção na força de trabalho, tanto na ocupação quanto na desocupação, se apresentou diferenciada por grupos de idade, observou-se que, em 2016, do total de pessoas desocupadas, mais da metade (54,9%) eram jovens de 16 a 29 anos de idade. Este comportamento refletiu uma taxa de desocupação de jovens mais elevada que a dos demais grupos etários, que passou de 13,0% para 21,1% entre 2012 e 2016. Dentre as Unidades da Federação, o Amapá apresentou a maior taxa de desocupação para jovens de 16 a 29 anos de idade, que foi de 29,2% em 2016. Com exceção dos estados do Piauí (18,2%), Sergipe (19,3%), Maranhão (20,9%) e Minas Gerais (19,3%) as demais UFs das Regiões Nordeste e Sudeste apresentaram taxas de desocupação de jovens acima do valor nacional. Nos estados das Regiões Sul e Centro Oeste – com exceção do Distrito Federal – as taxas de desocupação entre os jovens ficaram abaixo da média nacional.

       Outro indicador sobre oportunidades de empregos é o nível de ocupação, que diminuiu de 59,1%, em 2012, para 52,6%, em 2016, entre os jovens. Pode-se notar que, no biênio 2015-16, o contexto econômico desfavorável impactou mais o nível de ocupação no grupo dos jovens, uma vez que nos demais grupos etários este indicador se manteve estável ou apresentou ligeira queda. Além disso, em 2016, o nível de ocupação dos jovens foi somente superior ao do grupo de 60 anos ou mais de idade. Outro destaque é que, apesar do diferencial neste indicador por sexo ser verificado em todos grupos etários, esta desigualdade foi menor no grupo dos jovens: enquanto o nível de ocupação para mulheres jovens foi 44,8%, para homens jovens foi 60,5%, em 2016, correspondendo a uma diferença de 15,7 pontos percentuais. Para o conjunto das pessoas em idade ativa a diferença no nível de ocupação entre homens e mulheres foi de 21,0 pontos percentuais, no mesmo ano (46,7% para mulheres e 67,8% para homens).

       A transição da escola para o mercado de trabalho é uma importante marca do ciclo de vida definido como juventude. O insucesso nessa transição pode dificultar que os jovens atinjam outros marcos tradicionais da fase adulta, influenciando seu grau de satisfação com a vida, confiança em outras pessoas e até interesse na política. No longo prazo, uma juventude sentindo-se desmotivada e desprotegida pode impactar os níveis de saúde, fecundidade e criminalidade em uma sociedade e, enfim, a coesão social. A maior vulnerabilidade dos jovens no mercado de trabalho, em especial em períodos de crise econômica, já foi identificada em relatórios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e da OIT. De fato, entre 2014 e 2016, aumentou a diferença entre a taxa de desocupação dos jovens e a dos outros grupos etários e da população em geral.

       Entre 2012 e 2014, o percentual de jovens que não estudavam nem estavam ocupados no Brasil manteve-se estável. No entanto, entre 2014 e 2016, esse percentual aumentou de 22,7% para 25,8%. Com relação a esse mesmo período, verifica-se que aumentou o percentual de jovens que só estudavam, mas diminuiu o de jovens que estudavam e estavam ocupados e também o de jovens que só estavam ocupados. É possível, então, concluir que a ampliação do grupo dos jovens que não estudavam nem estavam ocupados entre 2014 e 2016 resultou principalmente da saída de jovens de ocupações no mercado de trabalho.

       Todas as Grandes Regiões do País experimentaram acréscimo no percentual dos jovens que não estudavam nem estavam ocupados entre 2014 e 2016, mas apenas no Nordeste o aumento foi maior do que o observado nacionalmente. Como se destaca da Tabela 1.18, no Norte o percentual de jovens nessa situação passou de 25,3% para 28,0%, no Nordeste, de 27,7% para 32,2%, no Sudeste, de 20,8% para 24,0%, no Sul, de 17,0% para 18,7% e no Centro-Oeste, de 19,8% para 22,2%. No Nordeste, os maiores aumentos foram observados nos estados da Bahia, Piauí, Pernambuco e Sergipe. Em todo o País, o Amapá foi a única Unidade da Federação em que se observou um decréscimo no percentual de jovens que não estudavam nem estavam ocupados entre 2014 e 2016.

       O Brasil é um país de alta desigualdade de renda, inclusive quando comparado a outros países da América Latina, região do planeta onde a desigualdade é mais pronunciada. Esses altos níveis são preocupantes por si só, numa perspectiva de equidade, mas também podem trazer ineficiência econômica. Em comparações internacionais, altos níveis de desigualdade estão relacionados a comportamentos não cooperativos, à criminalidade e baixo crescimento econômico no médio e longo prazo.

       É possível produzir vários indicadores para abordar a desigualdade de renda. Entre eles, constam as razões de rendimento que, com as pesquisas domiciliares, mostram a desigualdade sobretudo quanto ao acesso a rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões, captando ainda rendimentos de programas sociais na base da distribuição.

       No Brasil, há diversas linhas (chamadas administrativas) utilizadas pelas políticas, tais como linhas do Programa Brasil sem Miséria - PBSM – R$ 85,00 (pobreza extrema) e R$ 170,00 (pobreza) em seus valores de 2016 – e a linha do Benefício de Prestação Continuada - BPC – definida como o rendimento domiciliar per capita abaixo de ¼ de salário mínimo. Essas linhas podem ser definidas por lei (como o BPC na Lei n. 8.742, de 07.12.1993, atendendo ao princípio constitucional de as pessoas viverem e envelhecerem com dignidade) ou por decisões administrativas.

       Os dados de mobilidade educacional evidenciam o impacto do processo de expansão educacional na medida em que o nível de instrução dos filhos é consideravelmente superior ao dos pais, totalizando uma mobilidade ascendente de 68,9%. Conforme esperado, constatou-se a existência de desigualdades educacionais em função do nível de instrução dos pais, especialmente no acesso a níveis educacionais mais elevados. Há uma barreira intergeracional mais intensa para se alcançar o ensino superior entre as pessoas da cor ou raça preta ou parda em relação às brancas e entre os homens em comparação às mulheres.

         Embora o Brasil não tenha uma “linha de pobreza” oficial, a SIS fez um estudo a partir de diversas abordagens desse tema. Considerando-se a linha proposta pelo Banco Mundial, por exemplo, um quarto da população brasileira vive com renda de até 5,5 dólares por dia (R$387 por mês), incluindo 42,4% das crianças e adolescentes de até 14 anos do país.

         Na análise do saneamento, a pesquisa constatou que, no Piauí e no Acre, mais de 10% da população vivem em domicílios sem banheiros e que 37,9% dos domicílios do país não tinham acesso aos três serviços de saneamento básico (coleta de lixo, água tratada e acesso à rede de esgoto).

         Em relação à mobilidade educacional, a SIS constatou que apenas 4,6% dos filhos de pais sem instrução conseguiram concluir o ensino superior. Na análise da mobilidade ocupacional, o percentual de brancos com mobilidade ascendente é maior do que o de pretos ou pardos, enquanto o das mulheres é maior do que o dos homens. 

         Entre os trabalhadores, o percentual de mulheres com ensino superior completo ou mais (23,8%) era maior que o dos homens (14,4%). Já a proporção de homens ocupados sem instrução e ensino fundamental incompleto (33,2%) era maior que a das mulheres (21,8%).

No entanto, este diferencial de escolaridade apresentado pelas mulheres não se traduz em uma maior participação das mulheres na população ocupada. Em 2016, 56,9% dos ocupados eram homens, percentual muito similar ao de 2012, cujo percentual ficou em 57,6%.

         De 2012 para 2016, a taxa de desocupação cresceu para todos os níveis de instrução, chegando a (15,7%) entre os que tinham ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto. Em 2016, o nível de ocupação foi maior entre os que tinham nível superior completo (78,2%) e menor entre os que tinham até o fundamental incompleto (43,9%).

         A proporção de trabalhadores sem instrução ou com ensino fundamental incompleto caiu em todas as atividades. Havia mais trabalhadores com baixa instrução na Agropecuária (69,6%), Construção (50,5%) e Serviços domésticos (53,6%). Já os trabalhadores com nível superior completo superaram os demais em Educação, saúde e serviços sociais (52,7%).

         Os jovens (16 a 29 anos) tiveram a maior queda na ocupação de 2012 para 2016 (-6,5 p.p.). O nível de ocupação desse grupo etário diminuiu de 59,1% (2012) para 52,6% (2016). O nível de ocupação para mulheres jovens foi de 44,8%, e o dos homens foi de 60,5%.

         A taxa de desocupação dos jovens ficou em 18,9% para homens e em 24,0% para mulheres. Dos desocupados, 54,9% tinham de 16 a 29 anos, refletindo em uma taxa de desocupação (21,1%) mais alta para este grupo que para os demais.

         O Amapá (29,2%) teve a maior taxa de desocupação nesta faixa etária em 2016. Com exceção do Piauí (18,2%), Sergipe (19,3%), Maranhão (20,9%) e Minas Gerais (19,3%), os estados do Nordeste e do Sudeste tiveram taxas acima da média nacional (21,1%).

         A taxa composta da subutilização da força de trabalho também foi mais alta para os jovens, passando de 25,5% (2012) para 32,8% (2016). A desocupação foi o principal componente da taxa, correspondendo a 47,0% dela em 2012 e a 58,8% em 2016.

         Em 2016, entre os trabalhadores jovens, a formalidade passou de 58,7% (2012) para 58,4% (2016). Em Santa Catarina, 77,1% dos jovens ocupados tinham trabalhos formais, enquanto no Maranhão a formalidade chegava a apenas 30,1% dos jovens trabalhadores.

         O percentual de jovens sem carteira assinada foi mais alto (22,1%) do que nos outros grupos etários. Entre jovens ocupados, 62,0% contribuíam para a previdência social. A maior parte dos jovens contribuintes eram empregados com carteira assinada (49,5%). Os jovens estavam inseridos principalmente em comércio e reparação (33,9%) e na indústria (28,7%).

         Houve redução nas jornadas de trabalho excessivas (mais de 49h semanais) entre os jovens ocupados, de 12,4% (2012) para 8,2% (2016). Em 2016, 50,7% desse grupo trabalhava de 40 a 44 horas semanais e 29,8% trabalhavam até 39 horas.

         Houve queda de 1,5% no rendimento médio real para jovens, que passou a ser de R$ 1.321. O grupo foi o único a ter rendimento menor que a média nacional (R$ 2.021).

         Os jovens têm metade da adesão aos sindicatos que os mais velhos. A taxa de sindicalização dos trabalhadores formais foi de 5,9% em 2015 para jovens, enquanto entre os de 50 a 59 anos foi de 13,4%.

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

          O Relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, do Banco Mundial de 21 de novembro de 2017 nas páginas 121 a 138, trata da educação no Brasil.

        As crescentes despesas públicas e a queda nos números de matrículas públicas resultam em um maior gasto por estudante e em razões aluno-professor ineficientes. Para municípios mais ricos a eficiência é ainda mais baixa dada a transição demográfica mais acelerada, o que resulta em uma redução mais rápida do número de alunos na rede pública. A obrigatoriedade constitucional de se gastar 25 por cento das receitas tributárias em educação contribui para que tais municípios aumentem os gastos por aluno de forma mais acelerada. Esse gasto adicional nem sempre se traduz em maior aprendizado, o gera ineficiências. Além de uma razão aluno-professor relativamente baixa, o sistema público de educação no Brasil é caracterizado por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices de reprovação. Todos esses fatores levam a ineficiências significativas. Se todos os municípios e estados fossem capazes de emular as redes escolares mais eficientes, seria possível melhorar o desempenho (em termos de níveis de aprovação e rendimento estudantil) em 40% no ensino fundamental e 18% no ensino médio, mantendo o mesmo nível de despesas públicas. Em vez disso, o Brasil está gastando 62% mais do que precisaria para atingir o desempenho atualmente observado em escolas públicas, o que corresponde a quase 1% do PIB. Os gastos públicos com o ensino superior também são altamente ineficientes, e quase 50% dos recursos poderiam ser economizados. Os gastos públicos com ensino fundamental e médio são progressivos, mas os gastos com o ensino superior são altamente regressivos. Isso indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas e de direcionar melhor o acesso ao financiamento estudantil para o ensino superior (programa FIES).

        Os gastos públicos com educação são divididos entre os três níveis de governo. Os gastos do Governo Federal na sua maioria vão para o ensino superior. No Brasil, os municípios são responsáveis pela maior parte das escolas de ensino fundamental (1° ao 9° ano), ao passo que a responsabilidade pelo ensino médio cabe aos estados. Todavia, o Governo Federal transfere recursos aos sistemas educacionais subnacionais por meio de repasses orçamentários. O Governo Federal também financia as universidades públicas e os programas de educação e formação técnica e profissional. Uma crescente parcela das despesas federais com educação está ligada à assistência financeira oferecida a estudantes que frequentam instituições privadas de ensino superior.

        As despesas públicas com educação vêm crescendo rapidamente nos últimos anos, acima dos níveis observados em países pares. Em 2014, após uma década de rápido crescimento, as despesas com educação chegaram a 6% do PIB. Já em 2010, os gastos com educação no Brasil eram superiores à média dos países da OCDE (5,5%), do BRICS (5,1%) e da América Latina (4,6%). As despesas públicas com todos os níveis educacionais aumentaram a uma taxa real de 5,3% ao ano entre 2000 e 2014. O crescimento dos gastos ocorreu em todas as áreas, mas a educação infantil e o ensino médio observaram os índices de crescimento mais altos. O gasto por aluno cresceu ainda mais rapidamente (10,1% ao ano em termos reais), pois o número de estudantes nas escolas públicas de ensino fundamental e médio diminuiu na década de 2000 devido a mudanças demográficas e à migração para instituições privadas. Em relação ao PIB per capita, o gasto por aluno no ensino fundamental quase dobrou, passando de 11,9% do PIB per capita em 2002 para 21,8% em 2014.

       As despesas com ensino superior aumentaram rapidamente ao longo da última década. As matrículas no ensino superior triplicaram no Brasil nos últimos 15 anos, e as instituições privadas tiverem um papel fundamental nesse processo. As universidades públicas representam 25% das matrículas, sendo que as universidades federais equivalem a 15% do total. Em 2015, o Governo Federal gastou aproximadamente 0,7% do PIB com o ensino superior, principalmente por meio de transferências a universidades federais e empréstimos estudantis (por meio do programa FIES, em particular). Os recursos públicos alocados às 63 universidades federais brasileiras correspondiam a cerca de 0,5% do PIB em 2015. Desde 2010, o orçamento federal alocado às universidades federais tem observado um crescimento anual médio de 12% em termos nominais, ou 7% em termos reais. Considerando o crescimento anual de 2% nas matrículas, isso representa um aumento anual real de 5% no gasto por aluno das universidades federais.

       O gasto médio por aluno no ensino superior não é alto, mas é consideravelmente elevado nas universidades e institutos federais. Em 2012, o gasto por aluno no ensino superior equivalia, aproximadamente, a 38% da média dos países da OCDE, o que está um pouco acima de países comparáveis em termos regionais e estruturais. O nível de gasto por aluno é comparável a outros países por meio do controle do PIB per capita. Se considerarmos somente as instituições públicas, no entanto, o nível de gasto por aluno é próximo ao verificado em países que possuem o dobro do PIB per capita do Brasil, e muito superior ao de vários países da OCDE, tais como Itália e Espanha. Além do mais, alunos nas universidades públicas brasileiras em média custam de duas a três vezes mais do que alunos matriculados em universidades privadas. Apesar desse custo por aluno bem mais elevado, em média o valor agregado das universidades públicas é semelhante ao valor agregado das universidades privadas.

       Os resultados de educação melhoraram no Brasil, mas permanecem baixo ao se considerar o drástico aumento dos gastos. Apesar dos avanços significativos em acesso, conclusão e aprendizagem no sistema educacional brasileiro nas duas últimas décadas, a qualidade do ensino ainda é bem baixa. O Brasil obteve melhoras significativas na prova de matemática do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). A nota média brasileira passou de 68% para 79% da média da OCDE entre 2002 e 2012. Contudo, desde então, os resultados caíram para 77% em 2015 (o mesmo nível de 2009). Quando se controla pelo nível de gasto por aluno, os resultados do PISA ainda são decepcionantes. O desempenho brasileiro medido pela prova de matemática do PISA em 2012 foi somente 83% do esperado para países com o mesmo nível de gasto por aluno. Países como a Colômbia e a Indonésia, por exemplo, atingiram pontuações semelhantes no PISA gastando bem menos por aluno. Já países como Chile, México e Turquia gastam valores similares ao Brasil e obtêm melhores resultados.

       A ineficiência do gasto em educação básica no Brasil é elevada e vêm aumentando. Uma Análise Envoltória de Dados (DEA) com dados do PISA da OCDE sobre educação no Brasil e em outros países latino-americanos demonstra que as escolas brasileiras são relativamente ineficientes no uso de recursos (DEA orientada a insumos). Ademais, a ineficiência média aumentou de cerca de 45% em 2006 para 55% em 2012. Embora os gastos por aluno tenham aumentado, a maioria das escolas não conseguiu melhorar o desempenho, o que resultou em menor produtividade geral. A eficiência e o desempenho estão correlacionados: as escolas com os melhores resultados são, também, as mais eficientes. Os 25% de escolas com o melhor desempenho são, na média, 20% mais eficientes que as escolas no segundo quartil. Embora os fatores que causam um melhor desempenho escolar sejam, em grande parte, idiossincráticos e estejam relacionados à gestão escolar, escolas maiores, escolas urbanas e escolas privadas tendem a apresentar resultados melhores de desempenho e, também, de eficiência (Perelman et al., 2016).

       O baixo desempenho do sistema educacional brasileiro reflete-se nas altas taxas de reprovação e evasão escolar, apesar das baixas e decrescentes razões aluno-professor. Mais de 35% dos alunos repetiram pelo menos um ano no ensino fundamental e médio, comparados a menos de 15% na OCDE e em países estruturalmente comparáveis, como a Turquia e a Rússia. As taxas de evasão escolar também são altíssimas (26%) em comparação com a OCDE (4%) e países comparáveis da região (14%). Isso ocorre apesar de o Brasil ter uma razão aluno-professor relativamente baixa. Na verdade, a razão média aluno-professor vem diminuindo porque a população de alunos no ensino público está em queda. Em 2014, a razão aluno-professor era 23 no ensino fundamental I, e 19 no ensino fundamental II. Esses valores estão acima da média da OCDE (15 e 13, respectivamente), mas um pouco abaixo da média de países estruturalmente comparáveis (25 e 22 para o ensino fundamental I e ensino fundamental II, respectivamente) (OCDE, 2014).

       O baixo índice de conclusão do ensino médio é outro indicador do baixo desempenho do sistema educacional.   Os estudantes concluem o ensino médio aos 19 anos, em média, o que está um pouco acima da média de países comparáveis regionais e estruturais. No entanto, os altos índices de reprovação e evasão escolar observados no Brasil resultam em um percentual surpreendentemente alto de alunos que não concluem o ensino médio antes dos 25 anos de idade. Isso parece ser a principal causa dos altos custos por formando do ensino médio no Brasil, que são bem mais elevados que em qualquer outro país da américa latina.

       A alta defasagem escolar tem início no ensino fundamental e prossegue até o ensino superior, o que resulta em um alto custo médio para formar um aluno.    O Brasil possui uma taxa bruta de matrículas no ensino superior de 42%, muito acima da taxa líquida correspondente, que é 16%. Isso indica que mais da metade dos estudantes brasileiros de ensino superior já deveriam ter concluído o curso. As reprovações não somente são custosas, mas também refletem a falta de apoio dirigido aos alunos com desempenho mais fraco – geralmente de famílias desfavorecidas.

       A baixa qualidade dos professores é o principal fator restringindo a qualidade da educação. O magistério permanece uma profissão desprestigiada. Os requisitos para ingresso em cursos de licenciatura são fracos e a formação é de baixa qualidade. É além da pouca seletividade na contratação de professores para os sistemas educacionais estaduais e municipais, os salários não são vinculados do desempenho. A mudança desse paradigma exigirá reformas coordenadas de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal.    As tendências demográficas, no entanto, oferecerão uma grande oportunidade para elevar o nível dos professores e da qualidade da educação ao longo da próxima década, pois estima-se que a população em idade escolar diminua em 25% entre 2010 e 2025. Isso, aliado a um grande número de professores que irão se aposentar nos próximos anos, permitirá uma maior seleção na contratação de um número menor de professores que serão necessários para substituir os que estarão se aposentando.

       O piso salarial dos professores brasileiros está em linha com o que é pago em outros países com renda per capita similar. No entanto, os salários dos professores no Brasil aumentam rapidamente após o início da carreira. Devido às promoções automáticas baseadas nos anos de serviço e da participação em programas de formação, em 15 anos de carreira os salários se tornam duas a três vezes superiores ao salário inicial, em termos reais. Essa evolução supera significativamente a maioria dos países no mundo. Além disso, vale destacar que os professores brasileiros têm direito a planos previdenciários relativamente generosos quando comparado a outros países da OCDE. Essa generosidade dos benefícios previdenciários é muito superior aos padrões internacionais. Enquanto professores do ensino básico recebem salários equivalente em linha com países de renda similar, os salários dos professores universitários parecem estar acima de vários países com renda per capita maior.

       Uma comparação do desempenho de vários municípios brasileiros indica a possibilidade de uma economia equivalente a 1% do PIB se todos os municípios emulassem os municípios que estão na fronteira de desempenho.    A alta variação de desempenho entre os municípios reflete, em parte, a diversidade do Brasil, mas também sinaliza a existência de ineficiências significativas. Foi realizada uma análise DEA comparando o desempenho com base nas pontuações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e nos gastos com educação em nível municipal e estadual. Em média, a variação das despesas dos municípios e estados somente explica 11% do desempenho no IDEB, o que indica que boas práticas gerenciais têm um impacto importante no resultado. Se todas as escolas conseguissem se equiparar às mais eficientes, o desempenho melhoraria em 40% no ensino fundamental e 18% no ensino médio. Em vez disso, o Brasil gasta 62% a mais do que o necessário para o desempenho observado. Isso corresponde a R$ 56 bilhões (ou quase 1% do PIB). Desse total, R$ 27 bilhões e R$ 15 bilhões poderiam ser economizados, respectivamente, nas esferas municipal e estadual do ensino fundamental, e R$ 15 bilhões, no ensino médio estadual.

       Há escopo para melhorar o desempenho por meio do aumento das despesas no Norte e Nordeste, ao passo que o espaço para economia é maior nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. Os municípios e estados do Norte e Nordeste tendem a ser mais eficientes, e recursos adicionais teriam um impacto maior nessas regiões. Na verdade, a redução dos gastos nessas regiões poderia afetar negativamente o desempenho. Para as escolas nos estados e municípios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste que gastam mais por aluno, a redução dos gastos não parece pôr em risco os resultados. Essas tendem a ser menos eficientes e poderiam se beneficiar mais com melhoras na gestão.

       A ineficiência dos ensinos fundamental e médio está principalmente relacionada ao número excessivo de professores. Aproximadamente 39% da ineficiência dos gastos brasileiros com educação estão associados às baixas razões aluno-professor (RAP). Se todas as escolas atingissem a fronteira de desempenho, o Brasil poderia aumentar o número de estudantes por professor em 33% no ensino fundamental e em 41% no ensino médio. Alternativamente, a redução do número de professores com base no número atual de alunos representaria uma economia de aproximadamente R$ 22 bilhões (ou 0,33% do PIB), dos quais R$ 17 bilhões no ensino fundamental, e R$ 5 bilhões no ensino médio. As baixas razões aluno-professor são um problema significativo no ensino fundamental nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde mudanças demográficas estão causando a uma queda rápida no número de alunos das redes públicas. Em grande parte, esse problema poderia ser solucionado por meio da não reposição de parte dos professores que estarão se aposentando em breve. A redução do número de professores por meio da aposentadoria poderia ajustar as razões a níveis eficientes no ensino fundamental até 2027 e, no ensino médio, até 2026.

       Também é possível aumentar a eficiência fazendo com que os professores dediquem mais tempo a atividades em sala de aula e reduzindo o absenteísmo. Professores no Brasil dedicam uma parte do tempo em atividades pouco produtivas. Em média, professores usam somente 65% de seu tempo para ensinar, ao passo que, segundo melhores práticas internacionais, o ideal seria 85%. Também é necessário reduzir o absenteísmo entre os professores. Em São Paulo, por exemplo, o índice chega a 16% e, em Pernambuco, a 10% (em comparação a 5% nos EUA). As ausências estão relacionadas a fatores ambientais (trânsito, violência, calor, estresse), mas também são causadas por leis permissivas que concedem licenças por muitos motivos não verificáveis. Além disso, desvinculação entre desempenho, estabilidade e remuneração, e mecanismos frágeis de monitoramento e controle fazem com que professores tenham pouco incentivos a manter frequência adequada. A literatura internacional oferece algumas possíveis soluções: introdução de um bônus por frequência para os professores; melhora dos mecanismos para registrar ausências e presenças; introdução e aplicação de ameaças de demissão por absenteísmo excessivo; introdução de benefícios vinculados à aposentadoria; e publicação de índices médios de absenteísmo nos relatórios de desempenho das escolas.

       A vinculação constitucional dos gastos em educação a 25 por cento das receitas dos municípios também contribui para a ineficiência dos gastos. Municípios mais ricos, com alta taxas de receita corrente liquida por aluno, tendem a ser bem menos eficientes que municípios mais pobres. Logo, é provável que para cumprir as regras constitucionais, muitos municípios ricos sejam obrigados a gastar em itens que não necessariamente ampliem o aprendizado. Isso é ainda mais preocupante dada a drástica transição demográfica pela qual o país está passando. Com a rápida queda da taxa de fertilidade para menos de 1.8, o número de alunos vem caindo rapidamente em muitos municípios, principalmente no Ensino Fundamental. Dado que essa queda do número de alunos não está necessariamente associada a uma queda das receitas correntes liquidas, isso implica que para cumprir a lei, muitos municípios são obrigados a gastar mais e mais por aluno, mesmo quando a receita se mantem constante. Além disso, esse gasto adicional muitas vezes não é necessário, e logo não resulta em maior aprendizado. A consequência é um aumento ainda maior da ineficiência.

       No Brasil não faltam experiências positivas e inovadoras de como melhorar a qualidade da educação com recursos limitados. Inovações na gestão escolar no estado do Ceará demonstraram como melhorar significativamente os resultados de aprendizagem por meio de incentivos ao desempenho. No Ceará, a distribuição da receita tributária estadual (o ICMS) é baseada no índice de qualidade da educação de cada município. O Ceará também realizou intervenções na aprendizagem dos alunos, tais como o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) e introduziu o fornecimento aos professores de materiais de ensino e alfabetização pré-elaborados. No Amazonas, os professores são avaliados pouco tempo após a sua contratação, e somente os melhores são mantidos. Um curso online obrigatório de duas horas e uma avaliação final é requisitos para todos os professores durante seu estágio probatório. Os estados do Rio de Janeiro e Pernambuco introduziram um bônus para os professores e funcionários com base no desempenho das escolas. O Rio de Janeiro também eliminou a nomeação política de coordenadores regionais e diretores de escolas, além de introduzir uma avaliação de desempenho anual para diretores escolares e regionais, e reuniões regulares para disseminar os resultados e dar destaque às escolas com desempenho melhor. Todas essas experiências se mostraram custo efetivas, não somente melhorando o desempenho dos alunos, mas também aumentando a eficiência do gasto público em educação.

       A grande maioria de brasileiros matriculados no ensino superior estudam em universidades privadas. Em 2015, dos aproximadamente 8 milhões de estudantes universitários, apenas cerca de dois milhões estavam em universidades públicas. A pequena minoria de estudantes que frequentam universidades públicas no Brasil tende a ser de famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias privadas. Ainda assim, o gasto por estudante nas universidades públicas no Brasil é consideravelmente mais alto do que em outros países com PIB per capita similar.

       Em média, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que estudantes em universidades privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$ 12.600 e R$ 14.850, respectivamente. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900. Universidades públicas estaduais custam menos do que as federais, mas ainda são muito mais caras do que as privadas, custando aproximadamente de R$ 32.200. O custo por aluno dos institutos federais, a maior parte fundada desde 2008, é de aproximadamente R$ 27.850.

       Enquanto estudantes de universidades públicas tendem a apresentar melhor desempenho em exames padronizados, o valor adicionado das universidades privadas parece ser semelhante ao das universidades privadas. A pontuação média do ENADE para universidades públicas é maior do que para as privadas. No entanto, estudantes que entram nas universidades públicas tendem a já terem atingido um maior nível de aprendizado antes mesmo de iniciar os estudos. Por isso, a métrica mais relevante para se mensurar o valor adicionado é comparar a pontuação obtida com a pontuação esperada pré-universidade. Para os cursos de ciências exatas, universidades privadas tendem a adicionar tanto valor quanto as universidades públicas. Para as matérias de humanas, universidades privadas parecem adicionar mais valor, exceto pelos Institutos Federais. Para as ciências biológicas, Institutos Federais e universidades estaduais adicionam o maior valor; e universidades federais adicionam por volta do mesmo valor por estudante do que universidades privadas sem fins lucrativos, no entanto, elas custam cerca de três vezes mais.

       As universidades privadas Brasileiras tendem a ser mais custo eficientes do que as públicas. Uma análise com metodologia DEA comparando o custo por estudante com o índice de valor adicionado do ENADE estima que universidades públicas são na média apenas 79% custos eficientes. Isto é, seria possível obter o mesmo desempenho com cerca de 20% a menos de recursos. Universidades privadas sem e com fins lucrativos apresentam eficiência média de 88% e 86%, respectivamente. Nossas estimações indicam que ao se tornarem mais eficientes, universidades e institutos federais poderiam economizar aproximadamente R$ 10.5 bilhões por ano e ainda assim adicionar o mesmo valor que adicionam atualmente. Universidades estaduais poderiam economizar cerca de R$ 2.7 bilhões por ano.

       Os gastos públicos com o ensino fundamental e o ensino médio beneficiam os pobres mais que os ricos. Como os pobres dependem mais da rede de escolas públicas, os gastos públicos com o ensino fundamental I, em particular, são progressivos. Mais de 60% dos gastos com o ensino fundamental I beneficiam os 40% inferiores da distribuição de renda. Os gastos públicos com o ensino fundamental II, o ensino médio e a educação pré-escolar também são progressivos, embora um pouco menos, pois os mais pobres têm menos acesso a esses serviços. Nesse caso, os 40% mais pobres beneficiam-se de cerca de 50% dos gastos totais.

       No entanto, os gastos com o ensino superior são muito regressivos. O ensino superior público recebe a maior parte do financiamento por aluno (aproximadamente US$ 5 mil em PPC). Embora as matrículas no ensino superior venham subindo rapidamente no Brasil, o acesso a esse nível de ensino permanece altamente injusto. Em 2002, nenhum estudante universitário fazia parte dos 20% mais pobres da população e somente 4% integravam o grupo dos 40% mais pobres. Em 2015, aproximadamente 15% dos estudantes do ensino superior estavam no grupo dos 40% mais pobres. Os gastos públicos com o ensino superior beneficiam majoritariamente os estudantes das famílias mais ricas. Em particular, as universidades federais são totalmente custeadas pelo Governo Federal e não cobram pelo ensino. No entanto, somente 20% dos estudantes fazem parte dos 40% mais pobres da população, ao passo que 65% integram o grupo dos 40% mais ricos. Tal injustiça é agravada pelo fato de o acesso às universidades públicas ser regido por um exame de admissão muito concorrido. Os estudantes de famílias mais ricas têm condições financeiras para pagar professores particulares, ou frequentar os ensinos fundamental e médio em escolas privadas, que oferecem uma melhor preparação para tais exames de admissão. Estudantes de famílias mais pobres, por outro lado, têm muito menos chances de ingressarem em universidades públicas.

       Os retornos do ensino superior são altos no Brasil, o que justificaria deixar que os estudantes paguem pela própria educação. Embora os retornos do ensino superior tenham se reduzido um pouco nos últimos anos, eles permanecem altos no Brasil. Estudantes de famílias mais ricas têm acesso a ensino superior gratuito, o que aumentará sua renda futura. Portanto, o ensino superior gratuito pode estar perpetuando a desigualdade no país.

       O Brasil é um dos países que menos gastam com alunos do ensino fundamental e médio, mas as despesas com estudantes universitários se assemelham às de países europeus, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

       Um dado que contrapõe isso, porém, é que quase 75% dos estudantes brasileiros no ensino superior estão em instituições privadas, contra cerca de 33% da média dos países da OCDE.

       Com esse montante, o Brasil se aproxima de alguns países europeus, como Portugal, Estônia e Espanha, com despesas, respectivamente, por aluno universitário, de US$ 11,8 mil, US$ 12,3 mil e US$ 12,5 mil, e até ultrapassa países como a Itália (US$ 11,5 mil), República Checa (US$ 10,5 mil) ou Polônia (U$ 9,7 mil).

       É possível economizar quase 1% do PIB por meio da melhoria da eficiência nos ensinos fundamental e médio, sem comprometer o nível atual dos serviços prestados. Algumas opções de reforma para aumentar a eficiência nesses níveis de ensino. Permitir o aumento da razão aluno-professor nas escolas mais ineficientes para, gradualmente, chegar a níveis de eficiência por meio da não reposição dos professores que se aposentarem. Em média, a fronteira de eficiência seria atingida no ensino fundamental até 2027 se os professores aposentados não forem repostos; no ensino médio, a fronteira seria atingida até 2026. Somente esta medida economizaria até 0,33% do PIB. Outra recomendação para os municípios que precisarem repor os professores que se aposentarem seria limitar a contratação de novos professores concursados, cuja demissão é extremamente difícil e cujos custos são significativos, uma vez que eles se aposentam cedo com vencimentos integrais.    Expandir e compartilhar experiências positivas de gestão escolar que demonstraram bons resultados em vários estados e municípios do país. Alguns bons exemplos de intervenções que poderiam ser replicadas são: a nomeação dos diretores escolares com base em seu desempenho e experiência (e não por indicações políticas); o pagamento de bônus aos professores e funcionários com base no desempenho das escolas; a adaptação das políticas estaduais a necessidades locais específicas; o compartilhamento de experiências e melhores práticas; e o destaque às escolas com desempenho melhor.

       O Brasil tem desafios gigantescos para acertar o seu Ensino Superior. Há ilhas de excelência aqui e ali – mas são ilhas nas quais as instituições, professores e pesquisadores pagam um preço alto para não sucumbir à mediocridade generalizada. O progresso de uma nação depende em grande parte da quantidade e da qualidade de suas elites, e isso está diretamente relacionado à qualidade do Ensino Superior. O ensino público no Brasil deve continuar gratuito e de qualidade para os alunos que não possam pagar uma questão de justiça social.

O CAOS DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

            O crescimento vertiginoso da população prisional e do déficit de vagas, a despeito dos esforços dos governos dos estados e da federação para a geração de novas delas, é por seu turno um elemento revelador de que a construção de novas unidades não pode mais ser o componente fundamental das políticas penitenciárias, senão que apenas mais um componente, dentro de um mosaico bem mais amplo. É bem verdade que entre a superlotação de estabelecimentos penitenciários e a qualidade desses serviços subsiste uma relação de mútua implicação. Mas ainda assim, restam ainda outros fatores que devem ser trabalhados junto à gestão dos sistemas penitenciários estaduais, como estratégias para torná-los melhores.

         As superlotações, os envolvimentos de presos em organizações criminosas e a falha de pessoal, são os principais problemas enfrentados pelas penitenciárias brasileiras. Outro fator que estamos acostumados a ver nos noticiários é a questão das rebeliões em presídios, sempre com resultados lastimáveis de sentenciados que são mortos por seus próprios companheiros, funcionários e familiares de detentos transformados em reféns, resgates e fugas audaciosas e espetaculares realizadas por criminosos, e por fim, a incapacidade das autoridades em face de organizações de criminosos, cada vez mais presente nos Estados brasileiros.

       Na Idade Média, a igreja católica utilizava as prisões para o cumprimento da pena eclesiástica, os religiosos eram isolados para refletirem sobre os pensamentos pecaminosos. Atualmente, esses lugares têm a finalidade de recuperar um indivíduo para viver em sociedade, no entanto, a justiça brasileira enfrenta dificuldades para executar esse papel, diante do número elevado de presos e da influência do crime organizado. Logo, o atraso nos julgamentos dos detentos e a falta de segurança nos presídios agravam o problema da segurança pública.

       O Estado falha em garantir a integridade dos presos em muitas unidades prisionais para se proteger, os detentos se organizam em facções criminosas. Porém, esses grupos evoluem criando redes de advogados, formas de financiamento, obtenção de armas e assim elevam o crime para um nível mais nocivo, que afeta toda a sociedade. A sociedade brasileira contemporânea enfrenta como um de seus maiores desafios sociais e econômicos, a precariedade do sistema carcerário brasileiro, situação que apresenta causas, sobretudo ligadas à falta de estrutura, bem como à ineficiência da ressocialização. Assim, é fundamental que o Poder Público e a sociedade civil atentem para às causas e consequências.

       A princípio, o número de detentos nas prisões brasileiras cresce a cada ano de forma significativa, com a falta de estrutura, esse crescente número gera superlotações nos presídios, situação preocupante, pois há investimentos, mas os mesmos não são suficientes, devido a ineficiência do Estado na organização desses lugares. Um exemplo claro disso, são as rebeliões, que já acontecem há décadas, e a ausência de estrutura, é um agravante dessa problemática.

       Além disso, é nítida a responsabilidade do Estado, frente ao problema, vez que a ressocialização não funciona em sua plenitude, fortalecendo o crime, pois com o alto número de detentos, a cadeia tornou-se um ponto de venda e distribuição de drogas. A principal consequência dessa realidade, é o aumento da criminalidade, o que é alarmante, devido aos altos índices já existentes no país.

       Em termos internacionais, o Brasil é o terceiro país no mundo com maior número de pessoas presas. Tem menos presos que os Estados Unidos (2.145.100 presos) e a China (1.649.804 presos). O quarto país com maior número de presos é a Rússia (646.085 presos). O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios. Hoje o sistema prisional tem um déficit de cerca de 250 mil vagas. A saída de uma quantidade significativa de presos provisórios poderia diminuir a superlotação nos presídios, um fator que favorece conflitos. A Justiça já realizou mutirões nos últimos anos para promover audiências de custódia e tentar liberar pessoas, mas a iniciativa tem sido inconstante.

       É necessário reformar o sistema de Justiça para combater a lentidão da Justiça e permitir que os presos tenham acesso a formas adequadas de defesa, como a defensoria pública – nem todos os Estados contam com essa estrutura, que é ainda mais rara em presídios. Segundo um levantamento da Anadep (Associação Nacional de Defensores Públicos), faltam defensores públicos em 72% das comarcas do país.

       Outro fator para diminuir a superlotação seria aumentar a aplicação de penas alternativas ao encarceramento. Hoje elas são apenas previstas para penas de até quatro anos e raramente são aplicadas para casos envolvendo tráfico de drogas. O aumento da aplicação teria o efeito de evitar que muitos criminosos de baixa periculosidade entrassem em contato com facções criminosas nos presídios.

       A aplicação de penas alternativas poderia substituir penas de prisão de até oito anos por medidas alternativas, seria possível reduzir a população carcerária brasileira em 53%. Uma parte dos juízes ainda remonta entende que a prisão é como se fosse uma obrigação, quando, na verdade, deveria ser a última alternativa.

       A Lei de Drogas de 2006 (11.343) é uma das principais responsáveis pelo inchaço dos presídios no país. Desde que começou a ser aplicada, o número de pessoas presas por tráfico de drogas cresceu 348%. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça em 2014, 64% das mulheres e 25% dos homens presos no Brasil respondem a crimes relacionados às drogas. Antes da lei, os índices eram, respectivamente, de 24,7% e 10,3%.

       Especialistas afirmam que, do jeito que está, a lei endurece as penas para pequenos traficantes (muitas vezes dependentes químicos que comercializam drogas) que nem sempre representam perigo para a sociedade. Para reduzir essas distorções, os especialistas pedem ajustes na lei.

       Especialistas apontam que políticas eficientes de acesso ao trabalho e educação nos presídios são uma forma eficaz de combater a reincidência no crime. Mas faltam investimentos nessa área. No Brasil, a percentagem de presos que atendem atividades educacionais é de apenas 11%. E só 25% dos presos brasileiros realizam algum tipo de trabalho interno ou externo.

       Um dos modelos elogiados é o da Apac (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados), que funciona em três dezenas de unidades prisionais de Minas Gerais e no Espírito Santo e abriga aproximadamente 2,5 mil detentos. Na Apac, os presos ficam em contato constante com suas famílias e comunidade e aprendem novas profissões. O modelo tem uma forte ligação com a religião cristã – fato criticado por alguns especialistas. Suas características principais são proporcionar aos presos contato constante com suas famílias e comunidade, ensinar a eles novas profissões - como a carpintaria e o artesanato – e não usar agentes penitenciários armados na segurança. Uma das principais vantagens do sistema é a baixa taxa de reincidência dos detentos no crime – entre 8% e 15%, segundo o CNJ. Nos presídios comuns ela pode chegar a 70%, de acordo com a entidade.

       Mas para que o modelo dê certo, os presos (dos regimes fechado e semiaberto) que participam dele são cuidadosamente selecionados. Detentos com histórico de violência e desobediência, além de líderes de facções criminosas, geralmente não têm acesso a essas unidades. Mesmo assim, segundo Santos, o índice de fugas ainda seria maior que o do sistema penitenciário comum. O modelo da Apac é interessante e funciona muito bem para os presos menos perigosos e eles são a grande maioria (da população carcerária do país).

       Apesar de encararem a construção de novos presídios como uma solução enganosa, especialistas afirmam que as atuais unidades precisam passar por reformas e ter seu gigantismo reduzido para que um controle mais efetivo seja exercido. As Nações Unidas recomendam que um presídio deve ter no máximo 500 vagas. Mas muitos presídios do Brasil extrapolam esse número. O Complexo do Curado, No Recife, por exemplo, abriga mais de 7 mil presos. A primeira forma de mudar a realidade carcerária seria então fazer o Estado cumprir seu papel de garantir a segurança dos detentos. Mas é mais difícil fazer isso em unidades prisionais enormes e superlotadas. Unidades prisionais pequenas e próximas da comunidade com a qual o detento tem laços: essa é a melhor forma para colaborar com a sua recuperação.

       Para especialistas, a atual configuração dos presídios brasileiros escancara a ausência do Estado no interior das unidades. Como o Estado falha em prover os presos com proteção e produtos básicos, as facções acabam assumindo esse papel. A União Europeia, por exemplo, impõe uma série de princípios para as prisões dos seus estados-membros. Os presos têm seu próprio espaço e chuveiro. Têm privacidade. As condições são muito similares às que se têm na vida exterior. Isso é importante para ressocializar e combater a subcultura criminosa nas cadeias.

       A separação dos presos provisórios dos condenados, e, entre os condenados, a separação por periculosidade ou gravidade do crime cometido está prevista na lei de execuções penais. Na prática, não é o que acontece por causa do sucateamento dos presídios e a superlotação. Segundo especialistas, tais medidas evitariam que réus primários convivessem com criminosos veteranos, diminuindo a entrada de novos membros nas "escolas internas do crime".

       O modelo americano

       Há pouco mais de dez anos as unidades prisionais do Estado do Espírito Santo viviam uma situação de caos, com um cenário de superlotação, escassez de agentes penitenciários e falta de um modelo de gestão. Os detentos chegaram a ser colocados em penitenciárias provisórias, nas quais as celas eram feitas de contêineres – o que gerava um calor insuportável e tornava o ambiente insalubre.

       A situação caótica virou alvo de críticas de juristas e ativistas, que chegaram a denunciar os abusos a organismos internacionais de defesa de direitos humanos. O governo local então decidiu investir mais de R$ 450 milhões em um processo de criação das atuais 26 unidades prisionais capixabas.

       A construção delas foi feita por empresas estrangeiras e seguiu um modelo arquitetônico padronizado criado nos Estados Unidos. Cada unidade abriga no máximo 600 detentos (Pedrinhas, por exemplo, tem cerca de 2,2 mil presos). Eles ficam divididos em três galerias de celas e não se comunicam. Os edifícios têm ainda salas específicas onde os detentos participam de oficinas profissionalizantes ou recebem atendimento odontológico e psicológico. O modelo diminuiu a quantidade de fugas e tumultos e dificultaria ainda a organização das facções criminosas. O esforço do Estado é visto pelo CNJ como um exemplo positivo.

O modelo espanhol

       Estados como Alagoas, Goiás e Mato Grosso do Sul, entre outros, estão apostando em unidades prisionais de excelência que investem na ressocialização dos presos. O alagoano Centro Ressocializador da Capital é uma dessas prisões. Segundo o tenente-coronel Carlos Luna, superintendente geral de administração penitenciária de Alagoas, a experiência se baseia em um modelo espanhol e parte do princípio de que um tratamento respeitoso é essencial para a ressocialização dos detentos.

       Contudo, uma seleção rigorosa faz com que apenas presos com bom comportamento, que nunca tenham participado de motins e que aceitem participar da experiência sejam selecionados. Eles só são transferidos do sistema carcerário comum para a unidade depois de passar por uma avaliação psicológica onde devem mostrar "vontade de mudar de vida".

       Diferentemente da maioria das prisões no Brasil, sobram vagas na unidade, que foi construída para abrigar 155 detentos, mas tem atualmente pouco mais de 130. Os detentos não podem usar entorpecentes e todos eles trabalham na manutenção da unidade e em empresas conveniadas. Até presos que cumprem pena no regime fechado são autorizados a sair desacompanhados para trabalhar.

       Ao acabarem de cumprir suas penas, os detentos são encaminhados para convênios do governo com empresas, para a colocação no mercado de trabalho. Conseguiu baixar o grau de reincidência para 5%, porém, a realidade da unidade é muito diferente do restante do sistema prisional do Estado. É complicado aplicar esse modelo em unidades grandes.

       Segundo o CNJ, uma unidade prisional que aplica aspectos positivos no regime semiaberto é o Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, no Mato Grosso do Sul. Sua principal característica é a ênfase no trabalho, uma vez que a unidade possui nove oficinas de trabalho remunerado – em áreas como tapeçaria, produção de contêineres e portões e cozinha industrial.

       Muitos dos presos exercem essas atividades fora do presídio e são as próprias empresas que se responsabilizam pelo seu transporte e medidas de segurança. Em paralelo, os detentos participam de tratamento para se livrar do vício em entorpecentes.

       A educação prisional favorece a reintegração do indivíduo na sociedade. É preciso desenvolver programas educacionais no sistema penitenciário que visem alfabetizar e construir a cidadania dos presos. A conscientização deve ser uma das práxis para a transformação do mundo dos presos, pois através da ação-reflexão é que formaremos novos cidadãos. Cabe ao poder público e a sociedade em geral se preocuparem e se comprometerem com a educação.

       A relevância da educação prisional como instrumento de ressocialização e de desenvolvimento de habilidades e de educação para a empregabilidade é notória no sentido de auxiliar os reclusos a reconstruir um futuro melhor durante e após o cumprimento da sentença. Os objetivos de encarceramento ultrapassam as questões de ‘punição, isolamento e detenção. A educação auxilia e permite a obtenção dos objetivos centrais de reabilitação que incidem em resgate social e educação libertadora numa dimensão de autonomia, sustentabilidade e minimização de discriminação social.

       Qualquer solução para o sistema prisional, seja no curto ou longo prazo, depende de investimento e de recursos federais. A ação mais urgente é retomar o comando das unidades prisionais. Se o Estado quiser frear a violência nas unidades prisionais e evitar que a barbárie tome as ruas, como aconteceu no Rio Grande do Norte, terá de retomar a ordem dentro das penitenciárias.

       As instalações em péssimas condições, a superlotação, as situações de tortura e maus-tratos são um combustível para a violência. A solução passa pela diminuição de presos provisórios. A forma indiscriminada de aprisionar e de combater a violência com violência. o modelo é parte do problema, se aprisiona muito e mal. O aprisionamento maciço está relacionado com a guerra às drogas. O pobre, negro e favelado que está na cadeia. O menino branco que mora em áreas privilegiadas vai ser sempre considerado usuário. A maioria das pessoas presas por tráfico foi pega em flagrante, estava sozinha, com pequena quantidade, desarmada e não havia cometido nenhum ato violento. O sistema foca no (traficante) do varejo, que logo será substituído por outro, e não vai atrás do grande responsável. Essas pessoas são jogadas dentro do sistema de horrores, onde estão vulneráveis ao recrutamento para o crime.

       A violência poderia ser amenizada se a Lei de Execuções Penais fosse cumprida. Quando o Estado está ausente, há um vácuo de poder. É evidente que esses grupos se fortalecem, ocupam esses espaços e passam a recrutar filiados. A lei diz que o preso com ensino incompleto tem de estudar (apenas 11% estuda) e que o preso condenado é obrigado a trabalhar e aprender um ofício (25% dos presos brasileiros realizam algum tipo de trabalho interno ou externo), pensando na possibilidade de se reintegrar à sociedade.

       Unidades prisionais pequenas, estímulo do contato dos detentos com suas famílias e com a comunidade, trabalho, capacitação profissional e assistência jurídica eficiente. Essas são algumas das características de prisões consideradas modelo que já funcionam pelo país. Elas estão sendo tratadas pelas autoridades como possíveis soluções para os problemas do sistema prisional brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: O minidicionário da língua portuguesa. Coord. Marina Baird Ferreira. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2008.

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Sobre os autores
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Antonio Rosembergue Pinheiro e Mota

Possui graduação em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2001) e Graduação em Letras (Língua Inglesa) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2014). Atualmente é professor de história - Secretaria Municipal de Educação do Município de Natal e professor de história - Secretaria de Estado de Educação e Cultura. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga e Medieval e atuando como Gestor Escolar na Escola Municipal Ferreira Itajubá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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