INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL POR BENS IMÓVEIS
Rogério Tadeu Romano
I - A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL
Capital social é a soma representativa das contribuições dos sócios. Pode o capital ser constituído em dinheiro ou em bens.
A Lei nº 6.404/76 regula a forma de integralização do capital ou parte dele em bens somente no caso de sociedades anônimas, quando a assembleia de constituição ou a que autorize aumento do capital, se louva em peritos que procedam a avaliação. Na sociedade de pessoas a incorporação de bens depende de convenção entre os sócios.
O Código Civil de 2002, n o artigo 1.055 e § 2º, visando a coibir os abusos e encaminhar solução para as dificuldades que ocorrem no dia a dia das sociedades, estabelece que os sócios da sociedade limitada, solidariamente, respondem ao longo do prazo de cinco anos contados da data do registro da sociedade, pela exata estimação dos bens, que não sejam pecúnia, conferidos na formação do capital social. Os serviços não podem ser levados à conta do capital. Há, pois, imposição aos sócios do dever de avaliar ou conferir o valor atribuído a todo bem ou direito destinado a compor o capital social, não importando o objeto ou direito ou pertença a um ou poucos, apenas.
A regra em verdade focaliza a hipótese de incorporação de bens na constituição da sociedade, ao referir “data do registro da sociedade” como ponto de partida do prazo de cinco anos da responsabilidade solidária do sócio.
Mas pode ocorrer incorporação de bens no caso de aumento de capital social da sociedade empresária já constituída.
O dever do sócio de velar pela exata estimação do valor do bem ou do direito conferido para compor o aumento de capital não desaparece, embora se possa sustentar que não haverá responsabilidade solidária, como ensinou Rubens Requião(Curso de direito comercial, 1º volume, 20ª edição, pág. 454).
Confira-se, para tanto, o artigo 1.053, parágrafo único:
Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
Outrossim confira-se o artigo 1.005 do Código Civil:
O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito.
O capital constitui o patrimônio inicial da sociedade comercial. Após o início das atividades, o capital permanece nominal, expresso na soma declarada no contrato, ao passo que o patrimônio social – ou fundo social – tende a crescer se a sociedade vier a ser próspera.
Há diversas correntes que se forma sobre a natureza jurídica da contribuição dos sócios.
Uma corrente considera que entre os sócios se forma um condomínio, um direito de copropriedade. A tese seria insustentável. Para J. X. Carvalho de Mendonça(Tratado de direito comercial brasileiro), o sócio não tem direito a partes destinadas nos bens da sociedade, mas somente a um quinhão em valor apreciável depois de pago o passivo.
Para Ferreira Borges(Dicionário Jurídico-Comercial), “os sócios têm senhorio e posse conjunta de todo o fundo social”. Para Rubens Requião(obra citada, pág. 455), tal ideia somente poderia prevalecer se a sociedade fosse uma comunhão, e não tivesse personalidade jurídica.
Para J.X. Carvalho de Mendonça, o direito patrimonial é identificado como um direito de crédito consistente em perceber o quinhão de lucros durante a existência da sociedade. Há um direito de crédito condicionado, podendo ser exercido somente sobre os lucros líquidos, partilháveis, conforme os termos do contrato social e sobre o lucros líquidos, partilháveis conforme os termos do contrato social.
Os direitos pessoais do sócio são os que decorrem do status do sócio.
II - A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL POR MEIO DE IMÓVEIS E O REGISTRO
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a constituição de sociedade empresarial registrada em Junta Comercial, com a integralização do capital social por meio de imóveis indicados por sócio, não é suficiente para operar a transferência da propriedade nem para conferir à empresa legitimidade para promover embargos de terceiro destinados a afastar penhora sobre os bens. Segundo o colegiado, para se tornar válida, é preciso que a transferência seja feita via registro de imóveis.
A matéria foi objeto do REsp 1.743.088.
Como se observa do site do STJ, para o ministro Bellizze, a integralização do capital social da empresa pode acontecer por meio da cessão de dinheiro ou bens, sendo necessário observar o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade.
“Em se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do artigo 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no registro de imóveis”, observou.
O ministro explicou que o registro do título no registro de imóveis não pode ser substituído pelo registro do contrato social na Junta Comercial, como sugeriu o recorrente.
“O contrato social, que estabelece a integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no registro público de empresas mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade; constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da propriedade, mediante registro, perante o cartório de registro de imóveis em que se encontra registrada a matrícula do imóvel”, afirmou.
Adote, pois, o princípio da inscrição.
Naquele julgamento, assinalou-se que o estabelecimento do capital social — assim compreendido como os recursos a serem expendidos pelos sócios para a formação do primeiro patrimônio social, necessários para a constituição da sociedade —, e o modo pelo qual se dará a sua integralização, consubstanciam elementos essenciais à confecção do contrato social (art. 997, III e IV, do Código Civil).
A integralização do capital social da empresa pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens — móveis ou imóveis —, havendo de se observar, necessariamente, o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual.
Em se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Como bem se salientou na fundamentação daquele acórdão, o registro do título translativo no Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial. De fato, a inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, destina-se, primordialmente, à constituição formal da sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria, absolutamente distinta dos sócios dela integrantes.
Nos termos dos art. 985 c.c 1.150 do Código Civil, a sociedade empresarial somente adquire personalidade jurídica a partir da inscrição de seu ato constitutivo no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias do Estados e do DF, condição, portanto, que se revela indispensável para assumir obrigações e adquirir direitos em nome próprio.
Enquanto não perfectibilizado o registro do contrato social, os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (art. 990 do Código Civil).
Enquanto não operado o registro do título translativo — no caso, o contrato social registrado perante a Junta Comercial — no Cartório de Registro de Imóveis, o bem, objeto de integralização, não compõe o patrimônio da sociedade empresarial.