O PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO DE 1824
Rogério Tadeu Romano
A Constituição outorgada por D.Pedro I, de 1824, a chamada Constituição do Império apresentou modelo estruturado em 25 de março daquele ano. Declara, de início, que o Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros, que formam uma nação livre e independente que não admitia com qualquer outro, laço de união ou federação que se oponha à sua independência(artigo 1º).
Aquela Constituição estabelecia um governo monárquico hereditário constitucional e representativo, como se via do artigo 3º.
O princípio da divisão e harmonia dos poderes políticos foi adotado como princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece(artigo 9º), mas segundo uma formulação quatripartida de Benjamim Constant(Curso de Política Constitucional, 1968, páginas 13 e seguintes): Poder Legislativo, Poder Moderador, Poder Executivo e Poder Judiciário(artigo 10).
A inspiração para o Poder Moderador veio do pensamento de estadistas franceses como Benjamin Constant e Clermont Tornnerre, cujas ideias circularam na França na época da Restauração da Casa de Bourbon, após a derrocada do Império Napoleônico. Um dos responsáveis diretos pela inserção do Poder Moderador na Constituição Imperial do Brasil foi o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva.
Interessa-nos aqui o Poder Moderador.
O Poder Moderador, considerado a chave de toda a organização política, era exercido privativamente pelo Imperador, como chefe supremo da Nação e seu primeiro representante, para que de forma incessante velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos(artigo 98).
Realmente criando aquela Constituição, enfeixado na pessoa real, os estadistas do antigo regime monárquico armaram o soberano de faculdades excepcionais. Como Poder Moderador, ele agia sobre o Poder Legislativo pelo direito de dissolução da Câmara, pelo direito de adiamento e de convocação, pelo direito de escolha, na lista tríplice, dos senadores. Ele atuava sobre o Poder Judiciário pelo direito de suspender os magistrados. Ele influía sobre o Poder Executivo pelo direito de escolher livremente seus ministros de Estado e livremente demiti-los. Ele influía sobre a autonomia das províncias, dentro de um Estado unitário. O Imperador, como chefe do Poder Executivo, que exercia por meios dos seus ministros, dirigia, por sua vez, todo o mecanismo administrativo do país.
A dissolução da Câmara de Deputados não deve ser confundida com o fechamento de um congresso nacional (ou parlamento). O primeiro trata-se de uma medida legal existente no parlamentarismo, enquanto o segundo não passa de um ato ditatorial. Houve um grande cuidado por parte dos monarcas brasileiros na hora de exercer as suas prerrogativas de dissolver a Câmara de Deputados. Por exemplo, no caso de dom Pedro II, em nenhum momento em seus 58 anos como imperador as dissoluções ocorreram por iniciativa própria, e sim por solicitação do Presidente do Conselho de Ministros. Ocorreram várias dissoluções ao longo de seu reinado, sendo onze ao todo, e destas, dez ocorreram somente após o Conselho de Estado ser consultado sobre o assunto, o que não era obrigatório. Quanto ao poder de veto a projetos de lei, este não era absoluto, e sim parcial: se as duas legislaturas seguintes apresentassem o mesmo projeto sem modificações, entender-se-ia que o monarca houvera consentido com a promulgação do mesmo.
Nesse período, o Imperador D. Pedro II alternava no Poder, com sabedoria, conservadores e liberais.
Na ditadura militar, por diversas vezes, como na edição do AI-5, do pacote de abril de 1977, o Congresso foi fechado.
Em síntese, pela Constituição de 1824, o Rei reinava, governava e administrava, como dissera Itaboraí, ao contrário do sistema inglês, onde vigia e vige o princípio de que o Rei reina, mas não governa.
O imperador enquanto instância detentora do Poder Moderador, era figura inviolável e sagrada, que deveria ter como algumas de suas funções:
- Nomeação de senadores, ministros e magistrados;
- Demissão e suspensão de cargos políticos;
- Concessão de anistias;
- Aprovação e suspensão dos conselhos provinciais;
- Sanção de decretos e resoluções da Assembleia geral;
- Convocação, prorrogação e adiamento da Assembleia geral, podendo inclusive pedir a dissolução quando fosse necessário para “salvação do Estado”.
Na prática, o poder moderador tornou-se em instrumento para assegurar práticas absolutistas pelo imperador, pois além de ter em suas mãos diversas funções que caberiam ao poder executivo, o poder judiciário também estaria subordinado a ele já que ele detinha o poder de nomear e demitir juízes.
Dizia-se em matéria de responsabilidade civil do Estado: “The king can do not wrong”.
Não havia que se falar em responsabilidade civil por parte do monarca.
O Visconde do Uruguai, em seu Ensaio do Direito Administrativo, dizia que: “O poder Moderador não tem por fim, nem tem nas suas atribuições meios para constituir nada novo. Não é poder ativo. Somente tem por fim conservar, moderar a nação, restabelecer o equilíbrio, manter a independência e harmonia dos demais poderes, o que não poderia fazer se estivesse assemelhado, refundido e na dependência de um deles.”
O fato de não ser um poder ativo configurava o poder moderador como “neutro”, isto é, como o próprio nome indica, “moderava” o sistema de poderes, a fim de manter o equilíbrio e não permitir que um se superpusesse ao outro e degenerasse em tirania. Para tanto, ao imperador, o Poder Moderador concedia a faculdade de interferir pontualmente nos outros três poderes, como explicita o art. 101 da Constituição de 1824. Segundo esse artigo, o imperador exerce o Poder Moderador, como já esboçado:
“Nomeando os Senadores” ad libitum (em caráter vitalício); (…) “Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado”; 7) “Suspendendo Magistrados, nos casos do art. 15”; “Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença”; “Concedendo a anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade e o bem do Estado”.
O Imperador estava acima dos demais poderes de forma que sua discricionariedade de atuação não podia ser examinada pelos demais.
Há quem entenda que a ideia do Poder Moderador só se enfraqueceu no Brasil a partir de 1847, quando D. Pedro II concordou com a criação da Presidência do Conselho de Ministros, que foi formalizada pelo decreto de 20 de junho do mesmo ano. Com esse decreto, o Brasil passou a ser de fato uma monarquia parlamentarista, com certa autonomia por parte do poder Executivo.
Conquanto aceitasse o princípio da confiança parlamentar necessária, D. Pedro II jamais abriu mão das suas prerrogativas constitucionais, nomeando, demitindo e substituindo ministros à revelia do Parlamento. Poucos foram os ministérios que caíram por divergências com o Imperador, ou foram por ele demitidos.
Durante quase meio século do reinado de D.Pedro II houve 35 ministérios: caíram 2 pelo voto de censura da Câmara; 5 por moções de desconfiança explícitas; 1 por desconfiança implícita; e 5 por demissão espontânea em face de evidente falta de apoio parlamentar. Os demais, em número de 22, “por desinteligências com o Imperador ou magoados com a sua ingerência na administração”, como relatou Olímpio Ferraz de Carvalho.
Como se observa, nem abusou a Câmara dos Deputados das suas prerrogativas, nem provocou qualquer instabilidade governamental.
A Câmara dos Deputados foi dissolvida pelo Imperador onze vezes, quase sempre em obediência aos imperativos da opinião pública e para sustentação dos gabinetes hostilizados pela maioria parlamentar, como nos casos dos ministérios Rio Branco e Saraiva, que foram responsáveis pela Lei do Ventre Livre e pela Reforma Eleitoral.
Repita-se que D. Pedro II foi, sem dúvida, o eixo diretor de toda vida pública nacional, no exercício, daquele poder moderador que, no dizer de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, era “uma nova invenção maquiavélica e a chave mestra da opressão da nação brasileira; o garrote mais forte da liberdade dos povos”. Não obstante, como escreveu Olímpio Ferraz de Carvalho, “o sistema parlamentar firmou-se no Brasil Imperial e funcionou com relativa regularidade durante cinquenta anos de paz e prosperidade. Essa não foi uma imposição da lei, uma norma estabelecida a golpes de decretos, mas uma lenta conquista do Parlamento e da opinião pública, em luta diuturna e pertinaz contra as prerrogativas constitucionais do chefe de Estado”, como revelou Sahid Maluf(Teoria Geral do Estado, 8ª edição).
O Poder Moderador "somente pode ser estimado nas consequências incomparáveis que teve para a consolidação da unidade nacional e para a estabilidade do sistema político do Império", num "continente politicamente flagelado por ódios civis e pulverizado em repúblicas fracas e rivais". Para Galvão Sousa, o Poder Moderador sob dom Pedro II, "deu margem à famosa ‘ditadura da honestidade’. Transformou-se, logo no poder pessoal do monarca, exercido sempre com alto espírito público". O termo ditadura utilizado pelo autor não possui uma conotação pejorativa relacionada à palavra e sim para exemplificar a força da moralidade e justiça que dom Pedro II impunha no seu papel como monarca constitucional.