CONTRIBUIÇÃO DE RUY BARBOSA PARA O DIREITO COMERCIAL DE MARCAS

08/04/2019 às 11:17
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O ARTIGO DISCUTE, À LUZ DE FATOS HISTÓRICOS, A CONTRIBUIÇÃO DE RUY BARBOSA PARA O INSTITUTO E SUA VISÃO FUTURISTA SOBRE O TEMA.

CONTRIBUIÇÃO DE RUY BARBOSA PARA O DIREITO COMERCIAL DE MARCAS

Rogério Tadeu Romano

Ruy Barbosa, que está prestes a comemorar 170 anos de seu nascimento, formou-se, em São Paulo, em 1870.

Foi para Bahia, sua terra, onde abriu um jornal.

Pouco depois atuou em uma causa de significativa importância para o direito das marcas de produtos e serviços.

Disse Rodrigo Moraes(Bahia: marco inicial do direito das marcas):

“Em 1874, o jovem advogado Ruy Barbosa, na época com 24 anos, patrocinou a Meuron & Cia., que produzia o famoso Rapé Areia Preta, bastante procurado pelo público consumidor. A Meuron & Cia foi fundada pelo suíço Auguste Frédéric de Meuron. Sua fábrica Areia Preta (em homenagem ao antigo nome do bairro de Ondina) foi instalada onde hoje fica o Solar do Unhão (Avenida Contorno), que abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), um dos lugares mais bonitos da capital baiana.

A queixa-crime se deu porque uma concorrente, Moreira & Cia., de maneira inescrupulosa, passou a produzir o Rapé Areia Fina, com qualidade bem inferior, imitando envoltório, estampa, selo e avisos do Rapé Areia Preta, com indiscutível intuito de aproveitamento parasitário.

Ruy Barbosa venceu em primeira instância. Houve busca e apreensão com êxito, na Cidade Baixa e na Ladeira da Graça. Mais de 2.300 botes de rapé falsificados foram apreendidos. Todavia, o acórdão do Tribunal de Relação da Bahia, modificando o entendimento do juízo de primeiro grau, alegou a inexistência, no país, do delito de violação de marca. Não foi acatada a tese de Ruy Barbosa de enquadrar a conduta da Moreira & Cia no art. 167 do Código Penal da época, que previa o crime de falsificação de papéis. Para Ruy, os envoltórios deveriam ser considerados papéis falsificados.

De fato, o Código Criminal do Império, de 1830, não tipificava a violação de marca como crime. A Constituição do Império, de 1824, previa apenas a proteção das patentes, omitindo-se em relação às marcas. O Código Comercial de 1850 também não cogitava de qualquer proteção marcaria.”

Por sua vez, Arnaldo Sampaio de M. Moraes(Rapé falsificado e identificação de culpados nos crimes industriais), bem disse:  

“Em 1873 a polícia de Salvador, em diligência, apreendeu nas dependências de uma empresa daquela cidade cerca de 2.300 caixas de rapé. O material era falsificado, e a discussão em torno dessa adulteração, que teve à frente Ruy Barbosa, revela-se como um dos primeiros casos nos quais se discutiu propriedade industrial no Brasil. Ainda que o caso seja simples, os fundamentos da argumentação de Ruy Barbosa são atuais e confirmam os males e prejuízos que a contrafação suscita no comércio em particular e na vida econômica em geral. Começo explicando o que se falsificou.

O rapé, hoje praticamente desconhecido, consistia no tabaco em pó, que era inalado, provocando espirros e outras reações, que variavam entre aqueles que o usavam. Era um vício de alguns setores da sociedade brasileira da virada do século XIX para o século XX. O rapé era por alguns tido por glamoroso, ainda que por muitos já percebido como um malefício. Machado de Assis, numa comédia de costumes, o Bote de Rapé, por intermédio de um personagem, Tomé, nos explica no que consistia o uso dessa substância, inegavelmente psicotrópica e nociva, como se infere da explicação:

O vício do rapé é vício circunspeto. Indica desde logo um homem de razão; Tem entrada no paço, e reina no salão. Governa a sacristia e penetra na igreja. Uma boa pitada, as ideias areja; Dissipa o mau humor. Quantas vezes estou capaz de pôr abaixo a casa toda! Vou ao meu santo rapé; abro a boceta, e tiro uma grossa pitada e sem demora a aspiro; com o lenço sacudo algum resto de pó e ganho só com isso a mansidão de Jô”

Os proprietários da empresa na qual o material fora apreendido contra atacaram pela imprensa, e aforaram ação reclamando perdas e danos, invocando que o material era “parecido” e não “falsificado”. A empresa prejudicada contratou Ruy Barbosa, então um jovem advogado, mas já provido de argumentação obsessiva, na qual transbordavam cultura e erudição. Ruy Barbosa também revidou pelos jornais indagando quem eram os verdadeiros lesados. A identificação do conjunto de prejudicados é que me parece original, nesse contexto, e nesse tipo de discussão. Para Ruy Barbosa, a empresa Meuron sofrera com a diminuição dos rendimentos, de seu crédito e de sua imagem. A empresa havia registrado uma queda de 25% de suas vendas.

Porém, insistia Ruy e talvez aqui a inovação, todos os compradores de rapé eram lesados, porque compravam uma mercadoria falsificada. Mais. Todos os fregueses da Meuron eram prejudicados, porque adquiriam um produto que não correspondia àquele que consumiam com frequência. Ruy Barbosa percebia um abrangência subjetivamente difusa no resultado da falsificação, justamente porque, também argumentou, consumidores e comércio em geral são os grandes molestados com as falsificações.

Para Ruy Barbosa, em linguagem contundente, a empresa prejudicada “(...) teve a infelicidade de merecer, pela sua reputação, a preferência dos falsificadores, por um delito que fica subsistindo, visto a tendência que tem a suscitar imitadores, como permanente ameaça para o comércio todo para toda a indústria deste país”. Ruy também observou que “calculada unicamente para enganar ao comprador incauto, essa usurpação, considerada através de vidros aumentativos, não deixa a menor sombra de dúvida quanto à realidade do crime”.

Ruy Barbosa argumentava que a falsidade é um crime público. A fraude mercantil, no entanto, exigia provas custosas “de apanhar, de fixar, de reunir”; naquele tempo, reclamou Ruy, “a polícia, em nossa terra, ainda não tem, infelizmente, nem os agentes sagacíssimos, nem os recursos especiais que demandam essas complicadas e melindrosas pesquisas”. Ruy Barbosa concluía a peroração enfatizando que, no caso da fraude contra a propriedade industrial, “(...) é o comércio também ofendido e ameaçado, é o público inteiro também ludibriado pela fraude”. Mas Ruy Barbosa, de forma infeliz, não reconhecera, para o caso, o princípio da legalidade, segundo o qual, sem lei prévia não há crime. Isso é princípio fundamental do direito penal.”

Naquela causa, Ruy Barbosa venceu em primeira instância. Houve busca e apreensão com êxito, na Cidade Baixa e na Ladeira da Graça. Mais de 2.300 botes de rapé falsificados foram apreendidos. Todavia, o acórdão do Tribunal de Relação da Bahia, modificando o entendimento do juízo de primeiro grau, alegou a inexistência, no país, do delito de violação de marca. Não foi acatada a tese de Ruy Barbosa de enquadrar a conduta da Moreira & Cia no art. 167 do Código Penal da época, que previa o crime de falsificação de papéis. Para Ruy, os envoltórios deveriam ser considerados papéis falsificados. Fala-se que esse acórdão, a favor dos interesses do apelante, foi feito em 18(dezoito) linhas.

De fato, o Código Criminal do Império, de 1830, não tipificava a violação de marca como crime. A Constituição do Império, de 1824, previa apenas a proteção das patentes, omitindo-se em relação às marcas. O Código Comercial de 1850 também não cogitava de qualquer proteção marcaria.

Portanto, o argumento do Tribunal de Relação da Bahia foi ausência de base legal para a condenação da Moreira & Cia. No Direito Penal, o princípio da legalidade é baseado nessa expressão: nullum crimen, nulla poena sine lege. A lacuna da lei absolveu a Moreira & Cia. O acórdão possuiu apenas dezoito linhas, mas os seus efeitos tiveram alcance nacional.

A derrota judicial do cliente de Ruy Barbosa fomentou o surgimento da primeira lei brasileira sobre marcas: a Lei nº 2.682, de 23 de outubro de 1875. Vale dizer que a batalha de Ruy não se deu apenas nos autos do processo. O jovem jurista publicou no Diário da Bahia diversos artigos sobre o caso e mobilizou o poder legislativo a criar uma lei protetiva para os titulares de marcas. Deveria ser aplicado ao caso o principio da especialidade.

No ano de 1882, ocorre a edição de uma nova lei de patentes, e nos anos de 1887 e 1904 outras leis que versavam sobre a proteção de marca.

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Por sua vez, Rubens Requião(Curso de direito comercial, 1º volume, 29ª edição, pág. 285), assim ensinou sobre o assunto:

“Antes da inclusão desse direito no texto constitucional, enquanto não havia preceito algum a respeito, Ruy Barbosa, Na Bahia, como advogado de Meuron & Cia, ingressou em juízo para defender a marca de rapé “Areia Preta”. Malgrado o brilho do seu trabalho forense, o Tribunal considerou que não constituia crime a usurpação da marca, pelas regras então vigorantes, pois “nem o Código Comercial nem nenhuma lei outra lei qualifica delito o fato em que se assentou o processo”. Em virtude, pois, da falta de garantia àquela propriedade, a sociedade Meuron & Cia, pelo seu eminente patrono, representou ao Parlamento Nacional, provocando a elaboração e promulgação da Lei de 1875, a primeira a assegurar a propriedade de marca em nosso País. Para ajustá-la às convenções internacionais, surgiu a Lei nº 3.346, de 1887, resultante do Projeto de Ouro Preto. Incluída a proteção, como vimos, no texto de 1891, entre as garantias e direitos individuais, em 1904 surgiu novo diploma, Lei nº 1.236. Sucederam-se vários diplomas tratando da matéria, sobressaindo-se os Códigos de Propriedade Industrial de 1945, 1967, 1969 e 1971. Hoje o tema é disciplinado pela Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.”

Sabe-se que o fim imediato da garantia do direito à marca é reguardar o trabalho e a clientela do empresário.

O direito sobre a marca é visto, atualmente, duplo aspecto: resguardar os direitos do produtor e do comerciante, e, ao mesmo passo, proteger os interesses do consumidor, o que torna, ao mesmo tempo, o instituto de interesse público e privado. Aliás, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e outras leis penais, reprimem a fraude e falsificação fora do campo da concorrência desleal.

Mas o direito sobre a marca é patrimonial e tem por objeto bens incorpóreos.

Mas é verdade que o Código de Propriedade Industrial de 1969 dizia que o registro não atribuía o direito de propriedade de marca, mas apenas o reconhecia, o declarava. Esse direito preexistia à lei. Dizia-se que a propriedade da marca pertencia ao primeiro ocupante. Mas esse preceito não foi repetido pela Lei nº 9.279/96 e nem pelo Código revogado, Lei nº 5.772/71. Passou-se a adotar o sistema constitutivo ou atributivo. O registro e não a ocupação ou uso anterior é que constitui o direito à propriedade da marca. É titular do direito o primeiro a registrá-la. Aliás, o direito alemão segue o sistema constitutivo.

A derrota judicial do cliente de Ruy Barbosa fomentou o surgimento da primeira lei brasileira sobre marcas: a Lei nº 2.682, de 23 de outubro de 1875. Vale dizer que a batalha de Ruy não se deu apenas nos autos do processo. O jovem jurista publicou no Diário da Bahia diversos artigos sobre o caso e mobilizou o poder legislativo a criar uma lei protetiva para os titulares de marcas. Deveria ser aplicado ao caso o principio da especialidade.

No ano de 1882, ocorre a edição de uma nova lei de patentes, e nos anos de 1887 e 1904 outras leis que versavam sobre a proteção de marca.

Em verdade, a inovação trazida no raciocínio de Ruy Barbosa, dado o seu caráter inovador, visionário, é um belo exemplo de defesa não propriamente de uma empresa lesada pela utilização de sua marca, segundo ele, mas da defesa de direitos individuais homogêneos prejudicados pela ação de uma concorrência desleal, em uma visão que se revela futurista à época.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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