Duty To Mitigate The Loss – O dever de mitigar os próprios prejuízos sob a ótica da negativação do inadimplente em cadastros restritivos de crédito.

09/04/2019 às 14:41
Leia nesta página:

Análise doutrinária sobre a inscrição indevida nos cadastros de restrição ao crédito por motivo de fraudes.

APRESENTAÇÃO DO INSTITUTO

                   O Duty To Mitigate The Loss é um instituto do direito anglo-saxão, utilizado como forma de limitação da indenização em decorrência do inadimplemento contratual, conhecido também como doutrina dos danos evitáveis.

                   O instituto foi traduzido para o português como “dever de mitigar os próprios prejuízos”, ou seja, diante de um inadimplemento, não pode o credor permanecer inerte e ver o aumento de seu prejuízo, para, após, requerer a indenização do valor total, sem a exclusão dos danos evitáveis, quando havia medidas razoáveis que poderiam ter sido tomadas.

DA APROXIMAÇÃO COM O PRINCIPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

                   A boa-fé objetiva ilumina a conduta das partes da relação obrigacional, exigindo-se um agir de forma leal e cooperativa, como parceiros contratuais com a finalidade de se chegar ao adimplemento.

                   Mas a boa-fé também deve estar presente diante do inadimplemento, a fim de que não se agrave ainda mais os prejuízos dele decorrentes. E nesse ponto entra o instituto da mitigação de danos.

                   Para Cláudia Lima Marques[1], “boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais”.

DO INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES CRIADAS FRAUDULENTAMENTE

                   No caso em que, bancos, instituições financeiras, fornecedores de serviços e até mesmo órgãos públicos venham a ser vitimados de diversas fraudes, em especial àquelas onde há simulacro de falsa contratação comercial, em que o credor muitas vezes se depara com inadimplemento da obrigação fraudulentamente contraída.

                   Neste sentido, existe inerente à sua responsabilidade na atividade empresarial o dever de mitigar o próprio prejuízo através da faculdade de usar dos meios possíveis, necessários e disponíveis para interromper a ação lesiva.

                   Com efeito, é ação plenamente legítima a empresa, vítima de fraude que se depare diante do inadimplemento, tomar as providências de interromper o serviço, suspender os termos da contratação e até mesmo cancelar o contrato mediante siga os requisitos legais básicos para fazê-lo.

DA INSCRIÇÃO DO NOME DO INADIMPLENTE EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO

                   Pertinente mencionar aqui a ação que visa impedir maiores prejuízos, não só para o empresário credor, bem como para toda coletividade e sociedade empresária como um todo, que é registrar a inadimplência junto aos cadastros restritivos de crédito, sendo mais que pleno direito do empresário, refletindo, portanto, um dever de mitigar os seus próprios prejuízos.

                   A tese de que a negativação indevida do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito gera imediato dano moral é amplamente aceita e defendida majoritariamente no meio jurídico tendo sido até mesmo sumulado o entendimento em alguns tribunais, como no caso do Rio de janeiro que editou a Súmula nº89.

                   Nesta toada, vimos que a Súmula nº89 do TJRJ por muito tempo vinha sendo utilizada na argumentação e convencimento de magistrados na hora de condenar empresas, que como aqui defendido, no uso seu pleno direito e no cumprimento de um dever ético e colaborativo incluiu no cadastro restritivo de crédito o nome do inadimplente.

                   Contudo, acertadamente, em 2018 o Poder judiciário de Rio de Janeiro revisou e deu nova redação ao verbete sumular nº89 do TJRJ, trazendo nesta edição termos abertos para uma melhor interpretação do operador do Direito.

                   Tal modo hermenêutico veio a promover um entendimento principiológico fundado no que já fora afirmado e consolidado pelo artigo 8º do CPC/2015, o qual explicita que “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (Grifei), desvinculando o verbete de possíveis entendimentos engessados e de modo a rechaçar a tarifação dos danos morais nestes casos.

                   Tal alteração no verbete nº 89 TJRJ, fez com que o mesmo se aproximasse mais do verbete seguinte, o nº 90 TJRJ que categoricamente declara que: "A inscrição de consumidor inadimplente em cadastro restritivo de crédito configura exercício regular de direito”. (Grifei).

                   Deste modo, entendemos que merecerá uma análise maior dos juízes do caso concreto antes que se promova a condenação da sociedade empresária diante de uma inscrição tida como indevida, mas que esteja revestida de formas da aparente validade legal.

DA CORRETA CLASSIFICAÇÃO DO CONCEITO DE INSCRIÇÃO INDEVIDA

                   Inconteste a necessária avaliação do magistrado antes da concessão da medida jurisdicional que acometa a responsabilidade de indenização por danos morais decorrentes do evento danoso, devendo ser considerada a sociedade empresária também como vítima de fraudadores inescrupulosos e a tese de que a inscrição feita pela empresa não seria indevida, pois apresentava nos registros empresariais a inadimplência devendo, portanto, agir dentro do dever de mitigar seus prejuízos.

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                   Com precisão, faz-se igualmente importante frisar que o ponto chave a ser analisado nos casos concretos em que se apresente tal situação é o fato de classificar e definir corretamente o que vem a ser a inscrição indevida, pontuando e procurando de forma sistemática descrever os requisitos para definir sua identificação, reconhecimento e aplicação ou não da sanção.

                   A regra no direito contratual é o adimplemento da obrigação, sendo o inadimplemento a exceção. Nesses casos, sob a ótica do principio o credor, vítima do inadimplemento, deverá tomar atitudes para que o seu prejuízo não seja agravado, sob pena de não ter direito à indenização pelos prejuízos que eram evitáveis com esforços razoáveis. Isso é o que se denomina Teoria da Mitigação dos próprios prejuízos.

DO ENTEDIMENTO SOBRE A RAZOABILIDADE

                   Como saber o que é razoável? Diante de o termo ser excessivamente abstrato e a incerteza que ele traz, e para que não perca o seu sentido de aplicação, é preciso que seja delimitado para se compreender o que seria uma medida razoável.

                   Nos casos em que se apresentem fraudes que levaram à empresa a erro na inscrição negativa de inadimplentes, não se trata de uma questão de direito, mas de uma questão puramente de fato.

                   Fábio Siebeneichler e Celiana Diehl Ruas[2] afirmam que, em essência, considera-se como razoável uma conduta que esteja “de acordo com o bom senso e que seria socialmente aceitável”.

                   Somente o caso concreto, diante de suas circunstâncias fáticas, é que pode definir os parâmetros das medidas razoáveis, qual traça critérios para a sua apreciação, verificando-se as medidas possíveis e disponíveis, sob a ótica do credor, no momento do inadimplemento. A medida seria razoável quando a conduta fosse economicamente eficaz ou útil.

DOS PRINCIPIOS DA ETICIDADE E DA SOCIALIDADE

                   Em especial, destacam-se os princípios da eticidade e da socialidade, os quais, juntamente com o princípio da operabilidade, foram, e ainda são, os fundamentos axiológicos do nosso Código Civil, ou seja, são as “diretrizes hermenêuticas” das relações civis.

                   O princípio da eticidade vem expressar a necessidade de aplicação dos valores éticos da sociedade às relações privadas. E a boa-fé objetiva é uma das principais aplicações práticas desse princípio, e conforme bem define o prof. Miguel Reale[3], a boa-fé é “uma das condições essenciais da atividade ética”, a qual se caracteriza pela “sinceridade e probidade dos que nela participam”, e que deverá ter “sempre em vista o adimplemento do fim visado ou declarado como tal pelas partes”.

                   Assim, os princípios da eticidade e da socialidade estão intimamente relacionados com a mitigação de danos, servindo de fundamento axiológico para a recepção e aplicação desse instituto pelo nosso ordenamento.


[1] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 215).

[2] (ANDRADE, Fábio Siebeneichler de; RUAS, Celiana Diehl. Mitigação de prejuízo no direito brasileiro: entre concretização do princípio da boa-fé e consequência dos pressupostos da responsabilidade contratual. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 7, p. 119-146, abr./jun. 2016, p. 05.).

[3] (REALE, Miguel. Um artigo chave do Código Civil. Disponível em: <http://www.miguelreale. com.br/artigos/artchave.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017.).

Sobre o autor
Fábio Capua

Atuação no Direito Civil e Processual Civil Experiência em ações de massa e estratégicas, nas diversas subáreas do Direito Civil. Atuação em processos administrativos em autarquias e órgãos públicos. Contratos, distrato e procedimentos extrajudiciais realizados em cartório. Foco em negociação, mediação de conflitos e arbitragem, bem como incentivador dos métodos consensuais na composição de litígios. Elaboração de contratos sociais, atas de assembleia, acordo de acionistas e de códigos de ética empresarial utilizando métodos de Compliance para adoção de melhores práticas empresariais • Energia Elétrica • Imobiliário • Empresarial - Licitações • Responsabilidade Civil e Consumidor • Famílias & Sucessões • Propriedade Intelectual - Direito Autoral • Previdenciário • Bancário • Securitário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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