O liberalismo e o socialismo como ideologias seculares possuem origens na Europa. Ideologias que faziam sentido para trabalhadores, intelectuais e estudantes como ética e prática de atuação num mundo pós-revolução científica e industrial, antes da 1ª grande guerra mundial. O socialismo e o liberalismo, portanto, nascem dentro de um suporte de estados nacionais como filhos do iluminismo francês e do empirismo inglês, que libertou o homem do absolutismo e do medievalismo. Um homem novo e confiante surgia a partir da queda de reis absolutistas. Homens dispostos a dar suas vidas pela crença na liberdade e a igualdade de todos os homens. O liberalismo propunha uma ordem de valores de proeminência da liberdade sobre a igualdade, enquanto o socialismo propunha uma ordem de valores onde a igualdade se sobrepunha. Divergiam sobre os meios, não como fins sobre a realização da liberdade e da igualdade, ou seja, ambos prometiam a felicidade na terra.
O socialismo e o liberalismo realizaram em certo sentido uma revolução de métodos de controle do estado e a percepção do estado como prestador de serviços. O homem agora portador de uma dignidade intrínseca, não mais herdada por Deus ou antepassados ou mesmo ser objeto de uma providência divina num mundo do além, deveria ser o centro das atenções. O cidadão deveria ser ouvido e ter voz nos negócios públicos ativamente, assim como ter serviços públicos de qualidade que garantissem bem-estar social, basicamente educação e saúde. Tanto o liberalismo como o socialismo tinham essa pretensão numa disputa pelo poder.
Mas, como evitar o antagonismo dos velhos dilemas dos interesses do estado versos o povo? Como o liberalismo e o socialismo definiriam a ação do estado para controlar as massas geralmente ávidas em conquistar seus próprios objetivos, que não coincidiam com a classe dirigente que queria manter sempre o poder às custas muitas vezes de guerras e fome? Tanto o liberalismo quanto o socialismo falharam e não conseguiram evitar o antagonismo entre sociedade e estado. O liberalismo com ênfase no controle do cidadão com base no consumo e a propriedade parecia que vencia para o estado socialista burocratizado e ineficiente, mas o problema do sistema econômico da ideologia liberalismo gera crises e concentra riqueza.
As crises do capitalismo e o socialismo fornecem o surgimento de líderes populistas que ora atacam os direitos sociais do povo, criando bolsões de pobreza pelo mundo, precariedade do trabalho e crise na previdência social. A concentração de renda, a destruição da natureza, o desequilíbrio ecológico e o aquecimento global emergem sob a capa da democracia formal. Cada vez mais manipulador o estado deixa o cidadão isolado, livre e pobre, mas não propicia valor algum a uma liberdade facilmente comprada pelo mercado e manipulada. A decadência do liberalismo e do socialismo nos faz ver que a crise das ideologias é o abandono da tradição política de emancipação do homem pela educação Rousseaniana, que propunha a formação de seres humanos capazes de saber separar o que era uma vontade particular do bem comum. Colocar a educação do homem como que atrelada ao mercado é estatuir uma vontade particular que é indigna de uma sociedade menos injusta.
A atualidade de Rousseau
Rousseau escreveu dois livos que estão entre os mais célebres tratados da história da humanidade em produção política: “A origem da desigualdade entre os homens” e “Do contrato social”. O vigor dessas obras reside em sua antecipação moderna do anseio humano de luta contra toda a tirania e a tentativa de emancipação humana pela razão, ilustração para formar um ser humano autônomo em dignidade na sua liberdade e igualdade, a sua emancipação política.
Atualmente procura-se diminuir a obra de Rousseau numa linha ideológica liberal acusando-o de ter abandonado os filhos (na França era muito comum os pais disporem de preceptores e amas de leite para os filhos) e por suas obras existirem contradições ao não apontar os limites da sociedade política na esfera da liberdade individual. Mas, a liberdade para Rousseau tinha um caráter forte de participação política. Rousseau compreendia que libertar o ser humano dos seus grilhões sem uma emancipação política poderia torná-lo dispostos a abrir mão de sua liberdade em nome de uma nova tirania de uma vontade particular contrária a vontade geral. A injustiça nessa concepção de sociedade sem um Direito forte que protegesse o ser humano do egoísmo da acumulação da propriedade degenera a sociedade como um todo e provoca as crises que ora enfrentamos pelas externalidades negativas do capitalismo, o aquecimento global é uma deles.
Rousseau compreendia que a liberdade para se desenvolver necessitaria de uma ruptura radical do homem contra as forças que o amarravam na tradição e na propriedade privada. Concluiu Rousseau que o homem estava preso e escravo dos proprietários de uma soma de bens, e os que nada tinham se sujeitavam a abrir mão de sua liberdade. Assim, o homem livre de Rousseau vai além da formalidade da lei que limitava o arbítrio estatal em nome da paixão da maioria. Rousseau vincula o homem às pressões políticas e sociais sobre as quais limitavam sua liberdade. Rousseau não compreendia a liberdade sem emancipação política. A liberdade sem emancipação política seria como uma sala decorada para homens poderosos e proprietários que podiam gozar de sua vida privada com liberdade.
A liberdade preconizada por Mill e Locke contrasta com a de Rousseua, porque é a mesma liberdade formal dos proprietários a que o homem de sua época encontrava em recintos e clubes fechados e protegidos da revolta popular, sem uma forma de conter a concentração de renda, o que preocupava Rousseau pela falta de uma preocupação com a liberdade real. No entanto, Mill foi cauteloso sobre o problema das arbitrariedades das maiorias ocasionais que podiam com imenso trauma social praticar injustiças a interferir nos assuntos privadas de cada cidadão, onde o princípio da não interferência estatal seria uma garantia contra a abusividade de instrumentos do estado contra os indivíduos. Ao demonstrar maior rigor com os limites do estado e a imposição de maiorias ocaionais que acarretasse na invasão da esfera moral de cada indivíduo, a obra de Mill ganhou a simpatia dos modernos governos em que se pensa numa liberdade possível, não na liberdade ideal.
Conclusão
Sem emancipação política o homem é refém dos seus instintos e da vontade particular, por isso é necessário resgatar a liberdade e autonomia humanas para que o ser humano volte-se para sua comunidade e as limitações do arbítrio particular. A vontade particular que tende a se sobrepor ao bem comum, a vontade geral. Rousseau percebeu isso com muita profundidade e a atualidade deste se faz necessária.
Fontes:
Conteúdo disposto em síte da Universidade Católica de Brasília. Disponível em https://minhasalaead.catolica.edu.br/course/view.php?id=490
Bobbio, Norberto. As ideologias e o poder em crise / Norberto Bobbio: tradução de João Ferreira; revisão técnica Gilson César Cardoso. - Brasília : Editora Universidade de Brasília. 4a edição, 1999.