Resenha: Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro

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Comentário acerca da formação do patronato político brasileiro, com base no livro do autor Raymundo Faoro.

O Capitalismo político ou capitalismo politicamente orientado sobreviveu há séculos, muito embora este tenha moldado através da colonização diversos países em sua realidade estatal, ainda hoje o capitalismo moderno reflete esta estrutura ao qual há índole industrial e racionalidade na técnica fundada na liberdade do indivíduo. Dessa forma de explorar e manipular os povos surge uma forma de poder institucionalizada de um tipo de domínio chamado Patrimonialismo. Este cuja legitimidade está assentada no tradicionalismo que se baseia na premissa "assim é porque sempre foi", entretanto a peculiaridade desse sistema esta pautado no objetivo que todos os Estados têm de manter a sua integridade, mas, há sempre uma natureza particular por trás dessa política.

Na transição do capitalismo político para o capitalismo moderno o indivíduo antes súdito passa a ser cidadão. O Estado converte-se de senhor para servidor, guardando sempre a autonomia do homem livre. Esta liberdade pessoal dá ao cidadão o poder de dispor da propriedade, comercializar, produzir, contratar, contestar entre outras atribuições. Com isso, reduz-se o aparelhamento estatal a um mecanismo de garantia do indivíduo através de leis e juízes, conhecido por "Estado burguês de direito".

Em decorrência de necessidades exteriores a vida antes retardatária é constrangida a avançar por saltos com a implementação do capitalismo industrial, expansivo e universalizador, fato denominado "desigualdade do ritmo". Ademais, uma nova lei é gerada em decorrência da anterior, a chamada "lei do desenvolvimento" responsável por aproximar etapas diversas - combinação de formas arcaicas com modernas. A sociedade capitalista parece deslumbrar aos olhos do homem moderno com sentimento de realização acabada, mas é apenas um fato idealizado artificialmente, pois a história demonstra o resíduo anacrônico do capitalismo politicamente orientado ainda vigente nas sociedades.

"Enquanto o sistema feudal separa-se do capitalismo, enrijecendo-se antes de partir-se, o patrimonialismo se amolda às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo, concentrando no corpo estatal os mecanismos de intermediação, com suas manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade, de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão direta à regulamentação material da economia." (FAORO, Raimundo, 2012, p. 636-367).

Nos estamentos há falsa aparência de liberdade do indivíduo, pois é bem verdade que permanece enraizada certa mescla, nos quais uma parte da população pode dominar as outras. Continua a existir sempre oculta ou ostensiva uma classe dominante na sociedade. Nas relações sociais presentes no estamento, no âmbito político interno à estrutura o quadro de comando se centraliza realizando uma coesão monolítica que dá margem a identificação das forças de sustentação do sistema. A sociedade esta submissa a um controle que ora prestigia os indivíduos dando a eles oportunidades de ascensão política, ora reprime aqueles que tentam romper com esquema de controle social. Essa estrutura se mantem a preço de muitas tensões e conflitos, pois o chefe espera que haja justiça sem atender às normas objetivas e impessoais. Em contrapartida, resta ao súdito somente requerer proteção e não participar da vontade coletiva.  "O chefe governa o estamento e a máquina que regula as relações sociais, a ela vinculadas" (FAORO, 2012).

As estruturas estamentais revela um sistema político com caráter autoritário. Segundo Loewenstein o conceito "autoritário" caracteriza a organização política na qual um único detentor do poder monopoliza o poder político sem que seja possível aos destinatários a participação real na formação da vontade estatal. Este termo autoritário remete mais à estrutura governamental do que à ordem social, neste sentido a lei maior não tem capacidade normativa- o constitucionalismo nominal ao qual a Carta Magna tem validade jurídica, mas não tem efetividade, ou seja, não se adapta ao processo político.

Nesta estrutura estamental, a soberania popular não tem efeitos práticos, pois ocorre uma "manipulação vinda de cima" ao qual quando não correspondente à vontade do detentor do poder prevalece à decisão de utilizar a violência. No patrimonialismo a preocupação é voltada no momento em que há emergência de classes, procura-se nacionalizar o poder, apropriá-lo para que se dilua na elite.  Esta elite política é o próprio estamento, em outros termos "o estrato social com efetivo comando político, numa ordem de conteúdo aristocrático". (FAORO, 2012)

Há, porém, outra classe emergente, os chamados "traidores do povo", estes são letrados, que sabem muito do resto do mundo, mas nada de seu próprio país, e que afirmam que "o governo é a missão para a qual julgam ter nascido".  Entretanto em todos os sistemas e classes emergentes há distorções aos qual o analista cria o modelo teoricamente, mas não há efetividade. Ao contrário, ocorre a prevalência da teoria em face da realidade social que acaba por ser reconhecida artificialmente ou negada em estruturas dominantes, ou seja, prevalece o legismo oportunista sobre a realidade.

O estamento burocrático, fundado em um sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título, em termos textuais:

"O poder — a soberania nominalmente popular — tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior. E o povo, palavra e não realidade dos contestatários, que quer ele? Este oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão, do que com os comandantes do alto, paternais e, como o bom príncipe, dispensários de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou." (FAORO, Raimundo, 2012, p. 647).

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É imprescindível mediante o exposto que a cultura política brasileira foi construída com base em um passado pesado e sufocante, trazido desde a colonização ate a atual política vigente. Mesmo passando por etapas históricas de aparente desenvolvimento econômico, social e do próprio indivíduo, ainda sim, sobressai a dominação de uma pequena classe em detrimento de outras. Manteve-se uma máquina estatal com grande influencia portuguesa, duramente administrativa e hipocritamente casta que não permitiu desvincular de uma cultura deturpada, como relatada no texto "deitou-se vinho novo em odres velhos". Com isso não houve a chance de criar uma nova civilização, como efeito, ainda hoje vivemos uma cultura de falsa "liberdade e igualdade" em que o pobre "não tem vez" e ao reivindicar é reprimido através da violência usada pelo Estado, aproximando as estruturas patriarcais e estamentais ainda bem presente na realidade social brasileira.

Bibliografia: FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5ª Ed. São Paulo: Globo, 2012. Capítulo final (“A viagem redonda: do Patrimonialismo ao Estamento”). P. 633-647.

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