Resenha do livro Raízes do Brasil

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Comentários a cerca do livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.

Segundo o autor existe uma oposição, descontinuidade entre o Estado e o circulo familiar, pois é somente através da transgressão a ordem familiar que nasce o Estado onde o individuo torna-se cidadão. O exemplo fático utilizado no texto refere-se o antagonismo da lei geral suplantada e a lei particular, vividos por Creonte e Antígona. Essa crise afeta profundamente a estrutura social até os dias de hoje, foi com o advento da industrialização que separando empregadores e empregados no processo de diferenciação funcional que estimulou o que conhecemos por “antagonismo de classe”. O capitalismo promoveu a exploração do trabalho a troco de salários ínfimos onde o empregado torna-se apenas um número fazendo com que a relação humana desapareça nos processos de produção em larga escala.

A crise que acompanhou a transição do trabalho industrial trouxe ao circulo doméstico a separação e libertação dos indivíduos para obrigações primaria e obrigatórias de qualquer adaptação à “vida prática”, seguindo rumos opostos à educação e princípios que anteriormente era ensinado aos indivíduos ainda quando criança. Desde pequena às crianças orientadas a respeito do dever de “adquirir progressivamente a individualidade”, fato este que ocasiona na crise de adaptação dos indivíduos ao mecanismo social. Joaquim Nabuco vai dizer que: “em nossa política e em nossa sociedade [...], são os órfãos, os abandonados, que vencem a luta, sobem e governam” (p. 144).

Segundo o autor são condenáveis âmbitos familiares demasiadamente estreitos e exigentes e mais, aponta que são necessárias correções corporais ao passo que não haja estimulações as emulações e comparações entre irmãos para que não cause um mal permanente que é a detestação mútua entre eles. No Brasil, a rápida urbanização causou desequilíbrios sociais cujos efeitos ainda são observáveis, era uma tarefa difícil separar o publico do privado. Com isso houve a separação entre o que é “funcionalismo patrimonial” e o que é “Estado burocrático”.

A escolha de homens que desempenharão papel politico no Estado burocrático se dá através da confiança, entretanto no Brasil ao longo da historia podemos perceber o predomínio de vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados (a família, por exemplo) e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável é o “contrato primário" dos laços de sangue que criam laços na vida doméstica. Uma contraposição a princípios da sociedade que a partir da individualidade tenta criar normas antiparticulares.

A contribuição brasileira para a civilização acaba sendo de “cordialidade”. O “homem cordial" equivale a uma mascara; um disfarce a qual preserve inatas sua sensibilidade e suas emoções. Essa cordialidade na vida social revela o pavor do homem em viver consigo mesmo, é antes de tudo um viver nos outros e não em si. Nietzsche diz: “Vossa mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro”(p. 147)

Muitas atitudes praticadas no nosso cotidiano revela a cordialidade do homem, como por exemplo as manifestações religiosas, símbolos, referências muito próximas aos dos portugueses, entretanto o caráter íntimo atribuído a religião trouxe em contrapartida a pouca devoção religiosa dos indivíduos. A atribuição de "inho” no final das palavras para dar um ar de familiaridade com as pessoas ou objetos; a omissão do nome de família no tratamento social. Além do mais, a necessidade de aproximação dos indivíduos no convívio social, ate mesmo nas operações de compra e venda; é necessário fazer do freguês um amigo para que ele compre o seu produto, fato este não verificado em outros países. Ao passo que demonstra o horror às distancias que parece construir o traço mais especifico do espírito brasileiro. Há um apelo para os sentimentos e os sentidos e quase nunca para a razão e a vontade.

De acordo com o autor toda nossa conduta ordinária denúncia o apego singular aos valores da personalidade configurada pelo recinto domestico. Quando fugimos a norma jamais é por livre iniciativa; no trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nos mesmos e não na obra, nas palavras de Burmeister “Ninguém aqui procura seguir o curso natural da carreira iniciada, mas cada qual almeja alcançar aos saltos os altos postos e cargos rendosos: e não raro o conseguem" (p. 156), ocupar cinco ou seis cargos e não exercer nenhum no Brasil não é coisa rara.

No Brasil todos os anos centenas de pessoas recebem seus diplomas, mas pouquíssimos irão exercer ou utilizar de seus conhecimentos obtidos no curso na vida pratica e profissão. Além do mais na época vários  jovens recebiam suas cartas de bacharel Universidade de Coimbra sem nunca ter pisado lá, revelando a tal “Arte de furtar", pois essas cartas valiam como cartas de recomendações à altos cargos públicos, o que revela o interesse individual de cada um de obter benefícios em detrimento de outros, pois somente famílias com grande poder aquisitivo podiam proporcionar aos seus filhos a possibilidade de “fazer uma faculdade”. Outrossim, um diploma era objeto de ostentação, valorização do ego personalidade individual como superior às contingências. Fatos não tão distantes da realidade social que vivenciamos hoje, a ânsia pelos meios de vida definitivos que dão segurança e estabilidade estão muito presentes, passar em um concurso público é o sonho da grande maioria da população.

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No curso da historia parece-nos que a democracia no Brasil foi um lamentável desentendido, pois, agregou elementos desta no Velho Mundo, tradicionais, a uma fachada de lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exalados nos livros e discursos. Os movimentos formadores no país partiram quase sempre de cima para baixo, sendo primeiramente uma aspiração intelectual e sentimental. A própria independência e conquistas liberais vieram como surpresa ao povo, neste sentido a persistência de velhos padrões coloniais viu-se pela primeira vez seriamente ameaçada. Uma nova supremacia apoiada na tradição e na opinião abriu novos orientes e sugeriu ambições novas que tenderiam a perturbar a estrutura social rural da época.  Transições do convívio rural para a formação de abstratas cidades foram recepcionadas por uma crise subterrânea, aos quais os mais sensíveis puseram-se a detestar mais a vida, denominaram esse período de “cárcere da vida”.

Tamanhas mudanças na estrutura social não foram compatíveis com as mudanças na racionalidade do povo. As expressões dos românticos brasileiros expressavam na arte o desprazer da época, o sentimentalismo lacrimosa, o morrer de amores, demonstrando as mais profundas angustias que o povo passava na época.

“Todo pensamento dessa época revela a mais fragilidade, a mesma inconsistência intima, a mesma indiferença, no fundo, ao conjunto social; qualquer pretexto estético serve-lhe de conteúdo.” (P. 162)

Mas ao passo de valorização da intelectualidade e movimentos literários que enchiam os olhos da sociedade e distraiam-os da realidade social acarretou em efeitos danosos que ate hoje apresenta seus efeitos na sociedade. A não valorização de instrumentos que proporcionassem o conhecimento e educação no país deu margem a um alto nível de analfabetos. A inútil retórica de que os males seriam resolvidos de um momento para o outro estavam amplamente difundidos na sociedade. Se ao contrario tivesse feito como nos Estado Unidos “em vinte anos o Brasil estaria alfabetizado e assim ascenderia á posição de segunda ou terceira grande potencia do mundo”.

“Nessa hipótese, estaríamos no Brasil com um progresso espantoso em todos os nossos estados. Todos eles estariam cortados de estradas de ferro e feitos pela iniciativa particular, todos estariam cheios de cidades riquíssimas, cobertos de lavouras opulentas, povoados por uma raça forte, vigorosa e sadia.”

Ao contrario do que vemos hoje, um Brasil com altos índices de analfabetismo em comparação a outros países, entretanto o que ocorreu no Brasil Império marcado por uma especie de bovarismo acional, grotesco em que seus males não diminuíram com o tempo, mas, o que diminui talvez fosse apenas nossa sensibilidade aos seus efeitos.

Na República as características do Brasil Império ainda persistem, onde o Princípio Moderador foi a chave de toda organização politica não permitindo a emanação da vontade do povo. Devido à própria inexperiência do podo o chefe de Estado estabeleceu um tipo de monarquia tutelar aos qual dominava um sistema agrário patriarcal, não houve investimentos em indústrias e tecnologias em nenhum momento devido ao individualismo dos próprios governantes. A divisão do poder em dois partidos não representava os ideias das famílias e indivíduos na sociedade, alem do mais o próprio Parlamento que gerou uma imagem visível de solidariedade e luta ao qual “representava” aspirações sociais, mas é bem verdade que tudo isso não passou de uma mascara de falsa democracia.

Bibliografia: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Capítulos 5 e 6. p. 139-167.

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