A Constituição é comprida, mas não é cumprida.
Porém, o erro metodológico está em achar que, por ser comprida,
a Constituição não é cumprida.
Inicialmente, é preciso entender que a Política constrói
a luta pelo Direito. Trata-se da Política Maiúscula, não partidária, mesmo que tomemos partido diante das situações. Assim:
• Lutamos contra inimigos: e aí fazemos uma das menores políticas possíveis.
• Lutamos contra adversários: e aí promovemos a maior Política possível.
Por isso, das duas uma:
• Lutamos contra o Mal.
• Lutamos a favor do Mal.
Na Política, na luta política, não há isenção e muito menos imunidade ou impunidade. De um modo ou outro, alguém ou todos têm que a pagar a conta – e mesmo que a Política esteja no marco da “arte da disputa”, negociação, pelo poder. O que varia é se resultará na soma-zero ou não.
A lição que não muda é dura, combativa, direta e simples: Toda luta é política. Tudo o que se constrói é poder: nas casas, nas ruas, no trabalho, nas escolas. Construímos um poder contra o Mal: o poder democrático (a civilização), a Política, o Direito. Mas, também construímos um poder do Mal (Fascismo): segregação, racismo, machismo, degradação, desigualdade, miséria humana, ódio social.
Construímos um poder legal; construímos o direito (celebramos a inclusão), combatemos a violência, lamentamos a exclusão. Construímos o direito, lutando: no “fazer-se política”. Por isso está certo quem diz do Direito ser uma força motriz do Processo Civilizatório, negando-se, substituindo-se a violência pelo contrato jurídico. Ou seja, temos civilização com o Direito: “Ubi societas, ibi ius”.
Portanto, há luta pelo Direito. O Direito é conquista. O Direito não é presente
O Direito é carne, vida, sangue. Lutamos por uma Constituição. Muita gente morreu para que estivéssemos aqui, muitos foram exilados ou estão exilados e presos. Muitos, a maioria, está à espera para ver a eficácia constitucional.
Mas, o que é uma Constituição? Lei Maior, Lei das Leis, Texto Constitucional, Carta Política, Constituição Cidadã. No entanto, antes de tudo, é uma Constituição Social, em que deve se avolumar a Justiça social. A exemplo das constituições de Portugal e Espanha: com apreço pelo socialismo. Ambas foram nossas guias na elaboração da Constituição Federal de 1988.
Ainda é uma Constituição Política: Sufrágio Universal (eleitoral) ampliado, Recall judicial, veto popular, lobby popular, accountability, ombudsman, referendo, plebiscito, ação popular, direito de petição, direito à revolução contra a tirania, iniciativa popular, audiências públicas, conselhos sociais.
Como Carta Política, a Política/Polis surge como dirigente do mundo jurídico.
O espaço público socializador do “animal político”. Politicamente, é uma Constituição pautada pela emancipação e autonomia. Juridicamente, é uma Constituição orientada pela isonomia, equidade e isegoria: descentralização - desconcentração.
Sob esta condição humana, a CF/88 – conhecida como Constituição Cidadã – é marcada pelo Princípio da Dignidade Humana: vale registrar que a expressão direitos humanos foi inscrita 7 (sete) vezes.
1. art. 1º, III
2. art. 3º
3. art. 4o, II
4. art. 5o, § 3o
5. art. 109
6. art. 134
7. art. 7o das Disposições Transitórias
Detalhadamente, a CF/88 referencia-se de Direitos, Liberdades, Garantias, Deveres e responsabilidades, Princípios e pressupostos, Remédios jurídicos e Distribuição de Competências. Vejamos um caso emblemático de comunhão de competências. (No caso, uma obrigação pública de fazer).
• Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
• I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
O senso comum ainda diz que “não há deveres”, sem nunca ter lido a Constituição. Aqui também recorremos aos exemplos constitucionais:
Art. 144 – Segurança Pública.
Art. 187, VI – Política Agrícola.
Art. 194, VII – Seguridade Social.
Art. 198, I, II e III – Saúde.
Art. 204, I – Assistência Social.
Art. 205 e 206 – Educação.
Art. 225 – Meio Ambiente.
Art. 227 – Família.
Frisando-se que Deveres e Responsabilidades estão diretamente afetos a um substrato, tal como firmado na Carta Política de 1988. Quais sejam: Descentralização, Desconcentração, (Direito-Dever), (Direito-Princípio). E novamente nos socorremos dos exemplos constitucionais, do Direito-Dever:
1º) Voto obrigatório: obrigação de construir a democracia:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Além do TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. CAPÍTULO I. DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei.
Observe-se atentamente que: sem igualdade não há direitos e a lei se revela escravista. Este sentido global ainda se atrela à ideia de uma Popularização do Direito – do povo como intérprete e fazedor do direito. O que gera uma “vontade constitucional”.
• Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
• Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
Na mesma esteira corre a responsabilidade para preservar direitos e, outra vez, a Constituição nos abriga:
• Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...
Em sentido paralelo, observemos a participação na fruição do direito. Em exemplos da CF/88:
• Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
VI - o cooperativismo;
• Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
• Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
• Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
• Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
• Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
• Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
• Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Como visto, na CF/88, a natureza jurídica do Processo Civilizatório reflete o
Conjunto Complexo dos Direitos Humanos. Já a forma-Estado corresponde ao
Estado Democrático de Direito, à Justiça Social, à
Corresponsabilidade, ao Princípio da Dignidade.
Ao contrário, a Negação da Carta Política tem como sinônimos a Tergiversação, a Depreciação da CF88, a Mutilação Constitucional, a Transmutação Constitucional – na crescente onda de uma Ditadura Inconstitucional, implantada em 2016.
• Vejamos agora um exemplo de resto da Ditadura, na CF/88:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Em sentido conexo, pode-se indagar: onde está o autogolpe?
• Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
O autogolpe está na supressão constitucional, tergiversando-se, corrompendo-se a textura ortográfica e nomológica. Pois, o artigo completo diz o seguinte:
• Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Isto é, mesmo em situações as mais complexas e de auto risco para a República Democrática (arts 136 e 137), a CF/88 assegurou o controle civil sobre o uso da força e das armas. Desse modo, defender a Constituição é assegurar o Estado Democrático de Direito, como visto no Texto Constitucional:
• Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Concluindo, pelo ângulo afirmativo do Objeto da Carta Política – depois de verificados alguns casos em que se destacam o Objeto Negativo da CF/88 – destacamos a Desconcentração do Poder, especialmente no artigo 5º:
• XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
• LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
E talvez aqui se seguindo da cereja do bolo normativo emancipatório, como núcleo da própria tese do Direito a ter direitos:
• Art. 5°, LXXVIII, § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Hoje, mais do que ontem, precisamos lutar pela “sobrevivência constitucional”, a tal ponto retroagimos que nem cabe (por hora) registrar a óbvia e urgente eficácia social da Constituição. Precisamos, assim, lutar pela Carta Política (sobrevivência constitucional) e, depois de a colocarmos a salvo, investir na sua aplicabilidade social (reconhecimento do direito). Estamos imersos em tempos sombrios de desconhecimento e descredenciamento do Direito, o que equivale a revigorar teses e ações de extrema violência.
Ao que corresponde à epígrafe inicial, como luta política constante pelo Direito e pela salvaguarda constitucional.
A Constituição é comprida, mas não é cumprida. Porém, o erro metodológico está em achar que, por ser comprida, a Constituição não é cumprida.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd