Governo decreta: “arquive-se a Constituição de 1988”

A pirâmide de Kelsen foi derrubada no Brasil de 2019?

13/04/2019 às 16:27
Leia nesta página:

Como explicar a uma criança que, embora seja seu direito, ela não mais poderá brincar com seus coleguinhas, e que, agindo assim, não estamos violando seus direitos?

Pelo decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, em ação monocrática, o governo federal decretou o fim da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Se pensarmos bem, com o decreto, decretando a inexistência de Colegiados públicos e sociais, populares e com “participação ativa” da iniciativa pública e privada, como Conselhos, Comitês, Comissões, Grupos, Juntas, Equipes, Mesas, Fóruns, Salas e “qualquer outra denominação” (art. 2º, incisos I a X), o governo federal pôs fim ao Princípio da Legalidade. Se os Colegiados decorrem de imposição constitucional (como veremos) e se foram criados por “força de lei”, pela lógica da pirâmide jurídica, não poderiam ser liquidados por um decreto. A título de ilustração segue uma breve descrição dos Colegiados atingidos e extintos:
1. Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade).
2. Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT).
3. Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena.
4. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH).
5. Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
6. Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (Cnaeja). Comissão Nacional de Florestas (Conaflor).
7. Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
8. Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).
9. Conselho Superior do Cinema (CSC).
10. Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI).
11. Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC).
12. Conselho das Cidades (Concidades).
13. Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Sequestro Internacional de Crianças.
14. Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC).
15. Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf).
16. Conselho de Desenvolvimento do Agronegócio do Cacau (CDAC).
17. Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP).
18. Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (Conpdec).
19. Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS).
20. Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp).
21. Conselho de Relações do Trabalho (CRT).
22. Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior (CRBE).
23. Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit).
24. Comissão Especial de Recursos (CER).
25. Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD).
26. Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio).
27. Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).
28. Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros (Cadara).
29. Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).
30. Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (CMCH).
31. Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).
32. Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados (Cnatre).
33. Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Pois bem, a CF/88 prescreveu exatamente ao contrário do decreto de extinção dos Colegiados, promulgando deveres sociais e responsabilidades públicas. Frisando-se que esses artigos, pelo mínimo de escolhas, são obsoletos sem a participação frutífera dos Colegiados:
Art. 144 – Segurança Pública.
Art. 187, VI – Política Agrícola.
Art. 194, VII – Seguridade Social.
Art. 198, I, II e III – Saúde.
Art. 204, I – Assistência Social.
Art. 205 e 206 – Educação.
Art. 225 – Meio Ambiente.
Art. 227 – Família.

Sem o juízo de valor político-ideológico – que possa escapar ao alcance da lei – observamos aqui apenas o desfazimento da Constituição Federal de 1988. Como Carta Política – e também só como ilustração –, os artigos selecionados não podem ser contabilizados sem a observância e a fruição das ações políticas e institucionais no formato de Colegiados, uma vez que requerem a ação tripartite ou quadripartite. Além de se constituir em ação com obrigação pública de fazer ou de obrigatória participação “de todos”, da sociedade ou da família.
Nenhum Colegiado jurídico pode quedar inofensivo diante de tanta quebra institucional, com evidente violação ferina da Carta Política de 1988.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos