Resenha Crítica: Capítulo III de "O Direito Achado na Rua" e "Exigências Críticas para a Pós-Graduação em Direito no Brasil"

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Resenha Crítica do Capítulo III do livro "O Direito Achado na Rua" e do texto "Exigências Críticas para a Pós-Graduação em Direito no Brasil", ambos de José Geraldo de Sousa Júnior.

O Capítulo III de “O Direito Achado na Rua” e o texto “Exigências Críticas Para a Pós-Graduação e a Pesquisa Em Direito no Brasil”, ambos de José Geraldo de Sousa Júnior – sendo o último um registro posterior de uma palestra proferida pelo professor –, são essencialmente complementares, um consistindo nas bases da argumentação desenvolvida pelo outro – como afirmado na página 16 do segundo. Argumentação esta que procura estabelecer diretrizes à pesquisa no campo do Direito, tendo como um de seus fundamentos a Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR) criada por Roberto Lyra Filho; além de enaltecer o tripé “ensino, pesquisa e extensão” que caracteriza o meio universitário.

Sousa Júnior inicia, portanto, sua palestra no XXV Encontro Nacional do CONPEDI por uma crítica à deificação brasileira do campo da pesquisa estrangeiro, assim como à forma de avaliação de pesquisa como um todo no país. Ressalta seu aspecto negativo, que leva a negligenciar o saber local e a “garantir que o país nunca abandone sua condição periférica no cenário internacional” (SOUSA JÚNIOR, 2016, p. 4), além de causar uma subversão na forma de ensino da universidade, renunciando à possibilidade de formar alunos críticos que valorizem o conhecimento como o bem público que é, e não como uma mera commodity, como diz Boaventura. O autor, desse modo, desenvolve seu ponto de vista, discutindo os métodos de avaliação de pesquisa – tanto no âmbito internacional, quanto no brasileiro – tornando claro seu julgamento à respeito do chamado “capitalismo acadêmico” que predomina nestas avaliações e que, entre outros efeitos, repercute provocando um distanciamento entre as universidades brasileiras – assim como entre suas comunidades universitárias –, além de incentivarem uma publicação considerável de artigos de pesquisa que, diferente do esperado, não possuem grande teor de reformulação e inovação para o conhecimento; pelo contrário, ocorrem, em sua maioria, reafirmações e formulações de consensos.

Mesmo apontando alguns modelos de avaliações progressistas estrangeiras que apresentam como diferencial a priorização do conhecimento regional (como o U-Multiranking, na UE) que poderiam ser aplicados no país com suas devidas modificações, torna-se claro para o autor que o cerne da desigualdade só seria apaziguado por uma autonomia conferida a universidade, de modo a torná-la independente de recursos externos condicionados por valores de mercado e isolá-la o máximo possível do problema central: o capitalismo predatório. Segundo José Geraldo, a avaliação poderia apresentar esse caráter libertador, mas somente na medida em que fossem criados instrumentos para a manutenção da diversidade das formas de saber e de agentes de produção de conhecimento, pois, ao contrário da ideia de unicidade de avaliação de pesquisa de nível superior imposta por agências de financiamento externo – e que acabam por distanciar as comunidades científicas brasileiras –, para o autor, a heterogeneidade e diversidade são necessárias, como embasado pela citação à Layla Cesar na página 10.

Sousa Junior é bastante influenciado pelo ideário de Roberto Lyra Filho, ao propor as diretrizes que compõem sua visão de pesquisa em Direito no Brasil. Tal influência se faz visível em vários aspectos, entre eles, na concepção do Direito como resultado de constante dialética das classes sociais, ou seja, o Direito achado na rua, sendo a “rua”, em seu sentido metafórico, uma construção do histórico-social contemporâneo; no combate às cinco “inversões” tradicionais do positivismo – “tomar a norma pelo direito; definir a norma pela sanção; reconhecer apenas ao Estado o poder de “normar” e sancionar; curvar-se ante o fetichismo do Direito positivista; e fazer do direito um elenco de restrições à liberdade” (LYRA FILHO, 1984b, p.12) –; na procura do equilíbrio entre o empírico e o teórico; na visão pejorativa do Direito positivo ou do Direito jusnaturalista; e pela visão do Direito como ferramenta libertária. Esta última com importância destacada na visão de como deveria se dar a pesquisa jurídica no país.

É carregado dessa ideário que o professor propõe, diante de problematizações sobre a atual conjuntura da pesquisa em Direito brasileira – o “esgotamento de paradigmas” proposto por José Eduardo Faria em face aos novos aspectos sociais e econômicos e a “inexistência” da pesquisa jurídica comentada por Luciano Oliveira e João Maurício Adeodato –, a delimitação de “marcos teóricos capazes de tornar viável a compreensão dos novos institutos jurídicos e das relações socioeconômicas que lhes dão origem e função” (SOUSA JUNIOR, 2016, p. 14). Esta demarcação baseia-se, primordialmente, no Direito resultante da dialética social e, para que seja feita, é necessária a concretização do tripé universitário em sua idealização “freiriana”: ensino, pesquisa e extensão, que na visão do Direito Achado na Rua, tornam-se “ensino crítico, pesquisa-ação e extenção popular.

Trata-se do enfrentamento de novas abordagens do ensino jurídico, da pesquisa na esfera do Direito que se propõe militante e embasada em grande leque de metodologias emancipatórias, e da extensão horizontal, educativa libertadora, todas essas dinâmicas de reflexão/ação compreendendo, afinal, instrumentalização de luta política e de novas categorias jurídicas como fruto de práticas sociais criadoras do Direito.

Assim constitui-se a pesquisa de acordo com O Direito Achado na Rua. A extensão promove a aproximação do estudante com o meio onde se origina o Direito, ou seja, a “rua”, entrando em contato com o meio social fervilhante de onde tira experiências que lhe auxiliam tanto em sua pesquisa empírica, com todo o rigor científico necessário, quanto contribui para a sua formação humanística, despertando sua responsabilidade social e auxiliando no rompimento com a “cultura normativista técnico-burocrata” e com o “capitalismo acadêmico” que ainda caracteriza boa parte das correntes de ensino da área, como explicita Lyra Filho em “Por que estudar Direito, hoje?”. Esta experiência de pesquisa e extensão tão rica só poderia ser canalizada, por conseguinte, através de um ensino crítico, de modo a despertar no estudante a capacidade não somente de pesquisar o meio do Direito, no qual realiza sua extensão, como influenciá-lo, problematizando e intervindo em sua realidade por meio de uma forma de pesquisa-ação.

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Dessa maneira, Sousa Júnior defende um ensino de Direito e uma Pesquisa “desalienantes” e promotores de Justiça Social, além de uma massa de estudantes críticos capazes de reformular o Direito e utilizá-lo como a ferramenta de libertação que é. O autor expõe ainda vários programas, durante seus textos, que surgiram por influência do Direito Achado Na Rua e do pensamento de Lyra Filho, principalmente os que concernem a Universidade de Brasília.

Sobre o autor
Gustavo Henrique A. P. de Oliveira

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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