A Linguagem do Juiz

15/04/2019 às 16:45

Resumo:


  • O livro "A Linguagem do Juiz" aborda a importância da linguagem culta nas decisões judiciais.

  • O autor destaca a necessidade do juiz dominar bem o idioma vernáculo para expressar-se corretamente.

  • O livro também aponta erros comuns que podem comprometer a clareza e precisão das sentenças e escritos forenses.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I –       Com esse título, tirou a público o eminente Desembargador Geraldo Amaral Arruda livro em extremo útil àqueles que se consagraram ao serviço da Justiça([1]).

            Forte no argumento de que a linguagem das decisões judiciais está comprometida com a linguagem culta([2]), entrou Sua Excelência a tratar “ex professo” de pontos, cuja inobservância tem levado muitos a distanciar-se daquele áureo padrão de que justamente se ufanava o jurista Bertrand: O Palácio da Justiça é o conservatório da língua([3]).

            Como é do ofício do juiz dizer o Direito, está além de toda a disputa que unicamente na palavra achará o veículo de sua realização. Daqui procede, pois, que deverá conhecer bem o idioma vernáculo e saber exprimir-se nele com discreta e pontual correção([4]).

            No juiz não é mister concorram os dotes que distinguem os exímios artistas da palavra e lhes asseguram a imortalidade no panteão da glória literária; tampouco é preciso traga na fronte o louro de Apolo; basta-lhe que, não podendo possuir todas as excelências de sua língua, ao menos se empenhe por evitar as faltas graves que amiúde contra ela se cometem e lhe abatem o esplendor([5]).


II –      Mas, visto pressupõe largo tirocínio, a ciência da linguagem não se adquire sem o trato paciente e ininterrupto dos mais acabados modelos da vernaculidade — os clássicos —, que Horácio mandava correr com mão diurna e noturna([6]).

            A primeira objeção que nos fará algum colega é que, verdadeiros reféns do tempo, e eternamente ocupados em leituras e estudos de autos de processo, já não têm os juízes ócio para a conversação dos mestres do bom dizer, que lhes regale a alma.

            Verdade é esta que se não pode refutar cabalmente! Todavia, àquele, em cujo peito ainda não feneceu a centelha do entusiasmo pelas coisas belas e grandes, sempre deparará a fortuna alguns instantes, nos quais possam reconciliar-se com os egrégios varões que deram lustre e majestade à formosa língua portuguesa. Eis a melhor maneira de alcançar a riqueza do saber literário!

            Não é para aqui a menção de todos os escritores cujas obras importam muitíssimo à formação do gosto literário, à aquisição dos cabedais da língua e à apuração do estilo. Alguns poucos, no entanto, de nomeada clássica, merecem referidos: Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Luís de Sousa, Alexandre Herculano, Latino Coelho, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis…,  demais dos que figuram também no cânon dos juristas conspícuos: Rui, Lafaiete, Nélson Hungria, Orosimbo Nonato e Eliézer Rosa. (O que escreveram estes beneméritos espíritos constituirá sempre boa lição de vernaculidade e excelente doutrina jurídica).


III –     Entretanto, porque nem o talento supre a gramática, o livro prestantíssimo de Geraldo Amaral Arruda também adverte o leitor dos erros e impropriedades mais comuns que desprimoram sentenças e outros escritos forenses. Alguns damos aqui de amostra:

a)        “Recomende-se-o na prisão” (p. 23). Frase incorreta. Deve-se dizer: “Recomende-se na prisão; recomende-se ele na prisão ou seja ele recomendado na prisão”([7]);

b)        “Posto que, conjunção concessiva, que não deve ser usada como causal. Posto que equivale a embora, ainda que, conquanto, etc., e se usa com o verbo no subjuntivo” (p. 109)([8]);

c)         “De vez que…, vez que”: “muito comuns, tanto em peças redigidas por advogados como até em sentenças” (p. 22), tais locuções constituem solecismo condenável;

d)        “Procedida a penhora” (p. 56). “Mas não será correto dizer procedida a penhora… Por se tratar de verbo transitivo indireto, não é correto seu uso em expressão passiva”. Diga: “procedeu-se à penhora”;

e)        Reprimenda. “Tem essa palavra aparecido em sentença como sinônima de pena. Há equívoco. Não há fundamento para o uso de reprimenda no sentido de punição criminal” (p. 8). “No direito penal haverá impropriedade em se denominar reprimenda qualquer pena detentiva. Apenas pretendendo referir-se à admonição resultante da suspensão condicional da pena é que se pode falar, sem impropriedade, em reprimenda ao réu” (p. 9). O Dicionário de Caldas Aulete e Santos Valente dá ao verbete reprimenda os seguintes sinônimos: admoestação severa; crítica acerba; censura forte;

f)         Inobstante. “Nenhum dicionário autoriza esse neologismo, que circula nos meios forenses a par de outras expressões de formação semelhante. Preferível o uso das expressões vernáculas já consagradas não obstante ou nada obstante” (p. 23);

g)        “… a aberrante expressão datissima venia” (p. 11).

            A segurança e a clareza com que foi escrito e a grande utilidade que sua doutrina representa para os cultores do Direito e das boas letras, notadamente os juízes, valem por idônea carta de recomendação do livro A Linguagem do Juiz, no qual até os que se presumem de doutos e sabedores terão muito que aprender e louvar.


Notas

([1])       Geraldo Amaral Arruda, A Linguagem do Juiz, 1996, Editora Saraiva.

([2])       Op. cit., p. 5.

([3])       Edgar de Moura Bittencourt, O Juiz, 1966, p. 287.

([4])       “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou com assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como Redigir Ementas, 1994, p. 40).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

([5])       Ao juiz não lhe é defeso cultivar em grau assinalado a arte de bem escrever. Disse-o Mário Guimarães: “Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe à simplicidade. Coexistem uma e outra, e até bem vai que se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 360).

([6])       Arte Poética, v. 268.

([7])       Vem aqui de molde o ensinamento do preclaro filólogo Mário Barreto: “Todos, em letra redonda, já se referiram à combinação se o e unanimemente lhe assentaram o ferro em brasa de sua condenação, por monstruosa em face dos documentos exemplares do nosso idioma” (De Gramática e de Linguagem, 1922, t. I, p. 47). Ainda: “Os pronomes se e o jamais podem vir juntos na mesma oração; nunca devemos dizer: não se o sabe, faz-se-o, vê-se-o” (Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica da Língua Portuguesa, 29a. ed., p. 177; Edição Saraiva).

([8])       Posto que, em lugar de porque: “É locução conjuntiva, de sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem que, embora, apesar de: Um simples cavaleiro, posto que ilustre. E, posto que a luta fosse longa e encarniçada, venceram” (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, 1981, p. 242). Outros exemplos, em abono da lição do saudoso Mestre: “(…) alguns exemplos temos, posto que poucos” (Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 74); “O tempo ia sereno, posto que frio” (Alexandre Herculano, O Monge de Cister, 21a. ed., t. I, p. 46); “Estou melhor, posto que não inteiramente restabelecido” (Idem, Cartas de Vale de Lobos, 1980, vol. I, p. 59; Livraria Bertrand).

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos