A carta política de 1988 e a defesa do social

21/04/2019 às 21:56
Leia nesta página:

Princípio da Não- Retrogradação Social ou Princípio do Não-Retrocesso Social.

Este artigo tem três premissas:
1º A Constituição Federal é programática.
2º Os direitos sociais fundamentais são guardados por cláusula pétrea.
3º O Princípio do Não-Retrocesso Social não pode ser abolido, nem mesmo modificando-se a CF/88 ou, sequer, submetendo-a a interpretações oportunistas do Texto Constitucional. Porque é um princípio geral do direito democrático e humanizador, que decorre do conjunto complexo dos direitos humanos e assim consta como conquista jurídica da humanidade.
E há ainda uma assertiva inicial do Estado Democrático de Direito que precisa ser enunciada e fixada com a “força da lei”:

• O direito democrático e justo não permite a desregulamentação ou a flexibilização (menos ainda a terceirização) da solidariedade e da justiça social. Simplesmente porque a CF/88 nasceu com o selo da dignidade da pessoa humana, prontamente apta em princípios a ser um guia constitucional do Princípio Civilizatório. Como Carta Política, a CF/88 foi promulgada com o objetivo reto (a menor distância para a justiça) de promover a socialização.

Porém, se assim é, por que proibirem as pesquisas e avaliações públicas sobre a chamada reforma da Previdência Pública? Será que o povo, mais ainda os mais pobres, não deve saber o que o Estado sabe ou o que, efetivamente, o Estado pretende com isso?
Desta negação constitucional, praticada desde 1990, sobreveio o que podemos chamar de Golpe à Constituição Cidadã:

• A chamada “reserva do possível”, reservadamente, continuamente, desobrigou o Estado a atender aos direitos sociais como direitos fundamentais, resguardados como cláusulas pétreas.

O que foi convencionado como “reserva do possível” – na prática não cumprir a Constituição, em sua “obrigação pública de fazer”, de acordo com o interesse social – não pode, por óbvio, impor uma reserva de isenções que tornem impossível ao social ser um espaço público em que o Poder Político deve agir, pragmaticamente, a fim de debelar a injustiça e a miséria humana. 
O resultado é simples:

• Esta inversão constitucional acabou por retirar a primazia de que a CF/88 é uma Constituição Social (de justiça social) e tratou-a, na prática economicista, como uma Constituição que deve servir ao mercado, e não mais à sociedade.

Como Carta Política, a CF/88 teve em sua matriz – em que pese todas as lutas políticas para sua feitura – uma opção sistêmica (“opção preferencial”) para erradicar a miséria e a pobreza indigentes, e uma opção sistemática para a inclusão política e para a emancipação da cidadania. Portanto, todo o histórico que se desenvolveu em seus 30 anos de promulgação, quando agem em contrário apenas reanimam e reforçam os golpes constitucionais de longa data e que, a partir de 2016, desembocaram numa real Transmutação Constitucional: uma metamorfose político-constitucional que virou a Constituição Cidadã no seu avesso – e num sentido negativo, de oposto, contraditório, contrário, como expressão antagônica ao previsto desde 1988.
Uma última reflexão:

• O preâmbulo deste artigo se ampara no fato de que a Constituição Federal de 1988 é programática, ou seja, além de desenhar o Estado de Direito, a CF/88 tem a obrigação constitucional de promover a erradicação da miséria e da pobreza aviltantes de seu povo: foi programada para isso. Portanto, todas as ações/inações em contrário, ou em favor exclusivo do mercado financeiro ou especulativo, são inconstitucionais desde a origem.

E assim concluímos essa passagem pela Carta Política:
• Se os direitos sociais fundamentais (art. 6º da CF/88) são cláusula pétrea, todas as políticas públicas já alcançadas, além de aprimoradas, devem ser estendidas – e jamais restringidas –, elevando-se a capacidade de o Estado cumprir com seus princípios-deveres (art. 3º da CF/88).

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/UFSCar

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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