A contribuição previdenciária como aparente quarta espécie de tributo

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26/04/2019 às 16:30
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MOTIVO

Permita-se a curiosidade que motiva um questionamento, um ensaio ou aleatória prospecção sobre temas sociais previdenciários. Há milhões de profissionais de diversificadas áreas, submissos às legais imposições e cominações, e doutos comentários doutrinários. Em campo real improvisações legais provocam nebulosidade e causam danos.

Uma direta e rápida busca de esclarecimento ou orientação, cria um círculo vicioso. Ela depende de conhecimentos e de domínio do jargão de campo. Este ensaio escarafuncha e tabula dados, buscando entender o que parece um rascunhado de sistemas, com incertas engrenagens e esquisitos esquemas.

Notam-se tortuosas exigências e a persistência de indefinição do tributo nominado contribuição. Isto permite o diversionismo dos legulistas, e o atropelamento de direitos sedimentados relativos aos benefícios previdenciais. E ainda a polêmica sobre a nebulosa nominação da contribuição patronal, sem ligação direta a benefícios empresariais, ou a esquemas do tipo causa e efeito. Isto não combina com o ideal incontestável de que o vínculo da contribuição ao benefício deva ser sempre direto.

Também não combina com o grande desembaraço com que a atribuição e transferência de responsabilidades se desatrelam dos fatos geradores reais, lógicos e naturais. Há característica de imposto relativa à nominada contribuição patronal, ou uso canhestro de imposições reprocháveis pelas descuidadas e impróprias aparências. Há persistente desrespeito à técnica e aos cívicos direitos sedimentados, com as correspondentes obrigações tributárias quitadas.

Indicador temático da compartimentação do texto

Sumário: 1 – Classificação das contribuições. 2 – A exigência previdenciária complementar com aspecto de 4ª espécie de tributo. 3 – Delimitação da carga pela base de cálculo igual aos salários e/ou proventos. 4 – Sistema público deficitário, mas em evolução, vs. Desacreditada privatização lucrativa – Flexível socialismo democrático vs. cristalizado individualismo capitalista. 5 – Previdência pública evoluinte rumo ao coletivismo rasante, ou previdência privada rumante ao capitalismo usurpante. 5.1 – Origem da alcunha de esquerda ou direita na política. 6 – Um elemento funcional de custeio ou suprimento complementar. 7 – A síntese


Abordagem dos compartimentos do texto

1 - Classificação das contribuições

Toda contribuição legal é espécie ou subespécie formal de tributo. Assim, toda e qualquer imposição cifronária, só pode ser um justo e lógico, perfeito e acabado fato gerador de contribuição classista, com uma correspondência direta ao uso de benefícios gerenciados pelo Poder Público. As contribuições de qualquer tipo, são involuntárias, nunca foram nem serão opcionais ao contribuinte. Elas, de modo direto, vinculam remuneração com as obrigações tributárias suprindo benefícios da Previdência.

Esta vertente da Seguridade Social compõe um regime de participação obrigatória, em princípio remunerável por tributo, a contribuição. Esta, direta e seu complemento, um aparente imposto, têm visado parcial sustento de contribuintes, seus dependentes e/ou pensionistas. Os benefícios se ligam à maternidade, doença, desemprego involuntário, incapacitação, aposentadoria, morte etc.. Há jurisprudentes reconhecimentos da existência de definição legal somente para a contribuição de melhoria.

Porém, como todo benefício é melhoria, todas as contribuições contra prestativas de benefícios estão definidas em um só conjunto. Temos pelo STN a espécie focalizada, encaixada para distinção, como contribuição de melhoria imobiliária. Basta inter ler para notar que a definição contida é ampla, técnica, lógica e juridicamente impecável. Pode-se perfilar a lacuna onde se ajustam dados funcionais equacionantes da questão.

Um delineamento lógico e legal mostra ligação da espécie imposto com o custeio de um atendimento impessoal, social e sem vínculo especificativo. A taxa, com atendimento unitário, é ligada a serviços específicos e divisíveis. Resta para a contribuição, atender classes com delimitação de custos rateáveis, o que, no campo previdenciário, a torna uma fonte tributária meio complexa.

Por dedução lógica, o valor total da contribuição deveria ser igual ao do benefício, porém, isto tornaria o sistema dispensável. Necessita-se mais que fundamentalismo jurídico com leis redigidas com abstração e pressa. Devem ser envolvidos de modo justo, lógico e psicológico, aspectos sociais, financeiros, econômicos, atuariais etc.

Note-se a necessidade de proporcionalidade entre valores tributários de contribuições indispensáveis graduados com benefícios correspondentes. Como as “contribuições” básicas são insuficientes, necessitam de complementação pela via indireta do produto cifronário de outras receitas correntes.


2 – A exigência previdenciária complementar com aspecto de 4ª espécie de tributo

É esdrúxulo uso de duas “contribuições” num suprimento cifronário. A incorreta, mais parece um falso imposto contra um contribuinte incauto. Não basta ao retorcido “imposto” complementar uma atividade relativa à globalidade da população. haveria dependência de opção pela prática, ou não, de seu fato gerador. Ele nunca combinaria com uma contribuição, que é impositiva e involuntária, e nunca opcional.

O pagamento parcial e patronal não se amolda tecnicamente como contribuição nem como imposto. Ele parece uma intentona de quarta espécie tributária.

Os impostos atuais incidentes sobre lucro, mais valia, valor agregado, renda etc. são como um martelamento em sucessão harmônica sobre o mesmo prego fixador de trilhos de linha férrea. Os diversos martelos, com ritmo, são úteis dentro de um certo limite. Os diversos impostos sobre o econômico valor agregado devem ser sintetizados num IVA.

O sistema constitucional de TVA não permite espaço para criação de impostos. É constrangedora a concorrência entre o IPI, IR, ICMS, ISS etc. e a permanência contraditória dos inconciliáveis Ips, os impostos sobre propriedade.

O campo das contribuições por desleixo está vulnerável à insaciável busca de arrecadação para cobrir os nebulosos vazamentos do sistema administrativo. E o restante com as taxas individuais, não se prestam como grandes fontes de receita.

Os três tributos cobrem o campo de arrecadação em toda a sua plenitude. O setor de serviços específicos, divisíveis, individualizáveis, está ocupado pelas taxas. O adjacente das classes “consumidoras” de benefícios públicos, está ocupado pelas contribuições. E o último restante, relativo a atividades úteis gerais desvinculadas, está ocupado pelos impostos. Nunca houve nem haverá margem para quartas espécies.

Ocorrem torções intelectuais em torno do conceito de pedágio, torções reais relativas a contribuições, “impostos” sobre propriedade de armas camuflados de taxas, empréstimos compulsórios etc.


3 – Delimitação da carga pela base de cálculo igual aos salários e/ou proventos

A contribuição previdenciária tem custos globais e individuais. A parcela individual em rateio ideal, deveria procurar uma exata proporção a cada benefício, num fluxo condicionado a quesitos temporais. A obrigação de pagar a contribuição contínua pode ou não, findar quando se inicie a fase de retribuições correspondentes.

O alongamento do tempo de contribuição para manter um paralelo até ao final dos benefícios parece mais oneroso, mas é mais justo. E é perfeitamente viável, funcional e ético, desde que respeitados os direitos legalmente sedimentados.

Ele se aproxima do ideal do custo/benefício = 1. Mesmo que finde a contribuição por falecimento do contribuinte, as contraprestações podem fluir para os dependentes beneficiados. Cada contribuição correspondente a benefícios, isola uma alíquota e uma base de cálculo.  

A prestação de benefícios como fato gerador contínuo e impositivo, motiva a também fluente exigência das obrigações tributárias. Os pagamentos têm fases iguais por um período, que pode ser o de vida restante após o dia de ingresso no sistema.

Prever a carga de contribuições previdenciárias, e o montante dos benefícios, é inviável pelo envolvimento de significativos e incontroláveis fatores aleatórios. Para abordagem analítica pode ser esboçada uma estrutura de esquema tributário involuntário, vinculado a classes de pessoas, ou seja, impositivo por via de contribuição.

A esquematização deve aproximar-se do utópico ideal, isonômico, justo e lógico, ainda que nada psicológico e nada possível:

Custos = benefícios, ou custos:benefícios = 1, ou custos–benefícios = 0.

Observada esta condição ideal a expressão poderia ter como introdução a meta ideal:

(Al% x Vb x Tc) – (Tb x Vb) = 0   considerado que Custo-Benefício = 0

Nesta equação, minuendo e subtraendo envolvem uso de algumas siglas relativas a dados indispensáveis, que constam de um rol:

- O minuendo (Al% x Vb x Tc) indica a contribuição previdenciária, uma espécie de tributo.

- O subtraendo (Tb x Vb) indica um benefício total.

- Al - Como alíquota seria um número de dois dígitos, muito menor que 100, como por exemplo 10. A alíquota deve ser única para o cálculo da obrigação tributária. E ainda, para que um sistema seja estável, confiável, isonômico e justo sob enfoque jurídico; e, sob enfoque matemático lógico, proporcional e dotado de justeza, exatidão.

- Vb - Seria o valor básico de cálculo, relativo aos mensais salários e proventos de aposentadoria, valor sujeito ao fator previdenciário (Fp). O retalhar da base tributária é antiético e irrita o contribuinte por torcer resultados necessariamente proporcionais.

- VbFp – Seria o valor básico de cálculo sob a influência de Fp.

- Al% x VbFp corresponde ao que é a obrigação tributária individual, é a contribuição previdenciária propriamente dita, a contribuição individual ligada ao benefício.

 - Tc - Seria o tempo mensal de contribuição proporcional ao ideal de quarenta anos. Ele teria duração relativa aos direitos, ou um outro tempo legalmente determinado. Ele poderia durar até uma determinada idade do contribuinte inicial ou, no máximo até quando houver direito legal relativo a beneficiário, cônjuge, dependente etc..

- Tb - Seria o tempo real de duração do benefício.

- Fp - Seria o fator previdenciário para considerar o tempo de contribuição, como ponto útil para abordagem reformista. O Fp na prática atinge os valores remuneratórios e básicos de cálculo (Vb). O ônus visa evitar que pessoas se aposentem muito jovens e ativas (e contributivas), mas causa mais danos com a afronta à proporcionalidade.

- Sc seria um extraordinário suprimento complementar, com valores de outras origens públicas (atualmente com pseudo aparência de contribuição patronal). O suprimento se origina de obrigações tributárias um tanto relativas a impostos, procurando manter relação com o conceito de contribuição. Nota-se que a contribuição previdenciária, para manter funcionalidade e conceito pleno, necessita de complementação cifronária.

Com a hipotética alíquota de 10%, seria necessário ao sistema, para cada início de benefícios mensais, o ingresso de dez contribuintes.  Com o tempo de contribuição fixado em 40 anos e a possibilidade de 78 anos de vida, haveria para um contribuinte cadastrado com 20 anos de idade, uma fase de contribuição até aos 60 anos.

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E poderia haver para os presumíveis 18 anos de vida restante o benefício integral, 18x12xVb, e como possível total de contribuição, somente 10%x40x12xVb. Ao benefício correspondente a uma integral contribuição, deveria se seguir uma integral pensão.

O ideal de que durasse uma igualdade entre valores e tempos contados de contribuição e benefício, é utópico. Seria necessária a economia de cada contribuinte durante sua vida ativa do suficiente para manter-se aposentado com o mesmo padrão de dispêndios. Então, o contribuinte gastaria a metade de seus salários, e para poupar o restante não precisaria da interferência, mas de blindagem quanto ao confiscante Poder Público.

A igualdade de valores entre custos e benefícios dura pouco. Com a fluência do tempo notar-se-ia o envolvimento de inequações e, embora eventual, de equações.

No início e no final haveria (Al% x VbFp x Tc) – (Tb x Vb) ≠ 0

No início haveria (AI% x VbFp x Tc) – (Tb x Vb) ˃ 0

Nessa fase inicial algum eventual benefício seria mínimo e prevaleceria a contribuição.

Mas, haveria em sequência por um momento estável (Al% x VbFp x Tc) – (Tb x Vb) = 0

Aí teríamos o ideal de custos e benefícios se igualando.

No final haveria (AI% x VbFp x Tc) – (Tb x Vb) ˂ 0

Há intentos de aproximação relativa à duradoura igualdade entre minuendo e subtraendo, entre contribuição e benefício, entre custo de contribuição e benéfico valor retributivo. A atuação improvisada sobre o minuendo com elevação da alíquota e redução de benefícios, se for exagerada, pode criar um perigoso atrativo para aventuras de empresas privadas, pelo lado da direita capitalista.

Atuar fixando fator relativo à idade para aposentar, sem observar a proporcionalidade, aumenta a desconfiança quanto ao senso de ética e a suficiência da capacidade técnica.

O funcionamento do sistema lembra uma pirâmide de altura predelimitada. Ela cresce liberando o vértice e ampliando a base de suporte. O crescimento necessário e indispensável é contínuo, em progressão matemática, cuja razão pode ser próxima de dez. O gerenciamento pelo Poder Público, pode mostrar déficit provocado pela benéfica redução de defasagem entre a velocidade de expansão demográfica e as condições de saúde pública que permitem longevidade. Isto, se for desconsiderado o elemento Sc.

Os idosos ativos vivem mais, quando os jovens desconfiam da competência e seriedade alheia quanto aos pagamentos antecipados. A busca de equilíbrio é difícil quando o fluxo de ingressos pareça muito fraco em relação ao fluxo de benefícios. O sistema envolve algo como que um contínuo jogo em que ninguém pode ganhar nem perder. E que mesmo em situação de eventual empate não pode parar.

Sobre o autor
Flávio Diamante

bacharel em Ciências Contábeis, fiscal de Tributos Estaduais em Minas Gerais, chefe de Departamento de Tributos e de Consultas Tributárias, presidente de órgão julgador em primeira instância administrativa, aposentado pela SEF/MG, professor de legislação aplicada e administração tributária em cursos abertos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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