O CONFRONTO DE RUI BARBOSA COM FLORIANO PEIXOTO E O EXÍLIO

26/04/2019 às 19:41
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O ARTIGO RELEMBRA FATOS DA VIDA DE RUI BARBOSA E DO SEU EMBATE COM O GOVERNO FLORIANO PEIXOTO E O EXÍLIO.

O CONFRONTO DE RUI BARBOSA COM FLORIANO PEIXOTO E O EXÍLIO

 

Rogério Tadeu Romano

 

A queda de Deodoro suscitara grave questão política: o preenchimento do cargo vago. Rui Barbosa, numa longa carta, definira-se pela necessidade constitucional de uma eleição imediata, para escolho do novo presidente.

Essa carta de Rui Barbosa a Tobias Monteiro, em 15 de março de 1892, foi publicada no jornal “O Combate”, de 19 de março de 1892.

Sobre os debates suscitados pela questão da permanência de Floriano Peixoto na presidência da República, como vice-presidente  em exercício, deve ser consultado o valioso prefácio de Levi Carneiro ao volume XIX, tomo III, das Obras Completas de Rui Barbosa.

Em abril daquele ano de 1892, pedindo a convocação das eleições, a fim de ser restabelecida a tranquilidade, treze generais publicaram um manifesto. Para Floriano, a atitude equivaleu a um desafio. Aceitou-o. e, imediatamente, reformou onze dos signatários, enquanto os outros dois foram transferidos para a reserva. Foi visto isso como uma medida violenta e radical.

Os ânimos exaltaram-se e populares tentaram realizar um comício em frente a casa de Deodoro de cuja ditadura pareciam saudosos.

Foi o pretexto esperado por Floriano Peixoto: decretou o estado de sítio. As prisões encheram-se. Senadores, deputados, generais, almirantes, todos que se opunham à permanência do ditador no poder, sem distinção de categoria, foram para os cárceres. E, antes de esgotar-se o prazo de suspensão das garantias constitucionais, muitos deles embarcariam deportados para sítios longínquos.

Quem teria coragem de protestar contra Floriano Peixoto?

Para José Maria dos Santos, “Política geral do Brasil”, pág. 277, Rui Barbosa foi, naquele instante, o único que não teve medo.

Rui Barbosa ajuizou habeas corpus para a defesa daqueles militares prejudicados em seu ir e vir.

Quando informaram ao frio e sagaz Floriano Peixoto ser impossível negar a ordem devido à limpidez dos argumentos, ele comentou: “Esta notícia me contraria sobremodo. Não, amanhã, quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal .....”.

O julgamento foi considerado sensacional.

Piza e Almeida declarou-se favorável ao habeas corpus.

Mas, Rui Barbosa assistiu caírem contra ele os votos dos julgadores.

O pedido foi negado por dez votos a um; o voto divergente foi do ministro Pisa e Almeida, a concedê-lo. Ruy Barbosa, extraordinariamente emotivo, relembra:
Sob a influência de uma emoção religiosa, que me recorda vivamente a da minha adolescência, aproximando-se, alvoraçada e trêmula, do altar para receber na primeira comunhão o Deus dos meus pais, eu me cheguei, depois da sessão, quase sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida pedindo que me permitisse o consolo de “beijar a mão de um justo”.

Foi penosa a vida dos deportados nos lugares para onde os enviava Floriano Peixoto. De Tabatinga, na fronteira do Brasil com o Peru, Vandenkok mandou a Rui Barbosa esta descrição: “Estamos, como disse, condenados a morrer, porque já lutamos com a falta de víveres e batemos às portas da forma, e somente os obtivemos dirigindo formal reclamação ao comandante do forte e do destacamento, vendo-se ele próprio em sérios embaraços para atender-nos, porque o governo não pôs à sua disposição nenhuma embarcação.”

Dezoito artigos ditados por Rui Barbosa constituíram sua enérgica reação à derrota judicial da negativa do habeas corpus.

Em 27 de junho de 1892 é reeleito governador pela Bahia.

Deodoro da Fonseca morrera em agosto de 1892.

Disposto a interferir nos rumos políticos do país, em 1893 Rui Barbosa adquire o Jornal do Brasil e inicia nova fase jornalística. Seu objetivo era defender a Constituição e conscientizar o povo sobre seus direitos, fazendo do jornal "um instrumento de doutrina e organização, de estudo e resistência, de transação política e intransigência legal; porque contra a lei toda transação é cumplicidade. " Em suas páginas, desenvolve-se intensa campanha em prol das vítimas da "ditadura florianista".

Em 21 de maio de 1893, inicia uma série de artigos no Jornal do Brasil, combatendo a política de Floriano Peixoto.

O governo de Floriano Peixoto continuava a sofrer uma implacável oposição, sobretudo por parte de segmentos da Marinha. Em pouco tempo, o próprio ministro Custódio de Melo passou a divergir fortemente do presidente. Assim, em 30 de abril de 1893, demitiu-se, sendo substituído por Filipe Firmino Rodrigues Chaves, e juntou-se aos opositores do governo, passando a liderar o grupo de altos oficiais que exigia a convocação de eleições. A posição do grupo também refletia sua insatisfação frente ao pequeno prestígio político da Marinha em comparação com o Exército. De volta à capital federal, e incorporado ao grupo descontente, Eduardo Wandenkolk assumiu em 11 de junho de 1893 a presidência do Clube Naval, na qual só seria substituído em 11 de junho de 1894.

Custódio de Melo, aquele ministro outrora tão empenhado em evitar a vitória de Rui Barbosa e, agora, já privado das graças do ditador, chefiava a revolta.

Disse bem Luiz Viana Filho(A vida de Rui Barbosa, pág. 240):

"Por esse tempo, Rui praticou grave imprudência. Estado à venda, na Rua S. Clemente, a casa de um tal John Roscoe Alen, negociante inglês, que desejava acabar os dias entre as névoas de Londres, alguns amigos mostraram a Rui a conveniência de adquiri-la. O preço era vantajoso - apenas cento e trinta contos de réis - e Maria Augusta desejava muito ter a "sua" casa. A sugestão, no entanto, não foi aceita. Além de não dispor de dinheiro, pessoas ponderadas consideravam a transação de mau efeito para a reputação do injuriado ministro da Fazenda, o que era exato.

Apenas disso, Maria Augusta não resistiu à tentação de percorrer a propriedade, ampla moradia construida no meio do século para o barão de Alagoas. Rodeava-a grande terreno com altas árvores e agradou à visitante mirar-se nas águas dum pequeno lago artificial à cuja borda, decorando-a, uma águia esmagava sob as garras a serpente vencida. Simbólico. Aquilo ficava tem na casa de Rui.

Maria Augusta estava encantada. Ela sempre sonhara com uma casa assim. E, à medida que passeava entre as alamedas, fantasiava projetos de remodelação.....A vasta biblioteca, o salão de jantar, a sala de recepções, o extenso jardim onde o marido poderia entregar-se com largueza ao velho gosto pelas roseiras, a cocheira para os animais de trela.... Amável devaneio. Deveria perder-se a oportunidade pelo receio da maledicência de pessoas invejosas?

Não querendo tornar-se obstáculo à alegria da mulher, Rui acabou cedendo. Maria Augusta seria dona daquela mansão. Andou rápido o negócio. Duas hipotecas garantiram empréstimos iguais ao preço da compra e alguns dias depois, pondo em todo um puco do seu bom gosto, Maria Augusta entregava-se ao prazer de dar ordens na "sua" casa. Ela própria sugeriu o plano de obras na residência senhorial e, frequentemente, ia ver a marcha dos trabalhos. Das copas das árvores, os pássaros saudavam a nova proprietária. Ela se sentia feliz.

No entanto, como poucos sabiam as condições reais daquela transação inoportuna, choveram os comentários desfavoráveis."

O certo é que Rui Barbosa passara por dificuldades. Das suas parcas economias, parte fora empregada em ações da “Companhia do Frontão”, sociedade destinada a explorar um monopólio do jogo de péla, mas cujo negócio, prejudicado pela revolta, não dava dividendos. Vencera-se a hipoteca da casa de São Clemente, no Rio de Janeiro, e pessoas amigas haviam pago os juros conseguindo a prorrogação dos prazos de amortização do débito. Bastava, portanto, impacientarem-se os credores para sobrevir completo desastre.

Na verdade, como revelou Luiz Viana Filho(A vida de Rui Barbosa, Livraria Martins Editora, pág. 261), fora muito discutida, na época, a legalização do jogo do Frontão, também chamado da Péla. Sobre o assunto, há interessante folheto com os pareceres como Lima Drumond, Ouro Preto, Barbalho, Batista Pereira, Lafayete Pereira, Silva Costa, Bush Varela, Andrade Figueira, Eduardo Ramos, Benedito Valadares, Sancho Pimentel, Melo Matos, Paula Ramos, Alcantara Machado, Leovegildo Filgueiras, Severino Prestes, Duarte de Azevedo, Pedro Lessa, João Mendes, João Monteiro, Oliveira Escorel, Martins Júnior, Gaspar Mendes, João Monteiro, Oliveira Escorel, Martins Júnior Gaspar Drumond, Geminiano Brasil(Jurisprudência – A legalização do jogo da Péla, Sâo Paulo, 1896). Quanto aos interesses de Rui Barbosa na Companhia do Frontão podem ser consultadas as cartas de Carlos Aguiar a Rui Barbosa, de quem foi íntimo amigo, em 15 de novembro e 1º de dezembro de 1893, in Arquivo Casa de Rui Barbosa. Também em carta de 24 de abril de 194, se refere Aguiar ao Frontão.

Quando amanheceu, no mastro do “Aquidaban” tremulava a bandeira branca da revolução. No Brasil, por algum tempo, a violência dominaria de lado a lado.

Dois revezes em 1893 empurram Rui Barbosa para o exílio:

: 6 de setembro - Em consequência de suas atitudes antes e durante a Revolta da Armada, é obrigado a refugiar-se na Legação do Chile. Tem início, então, o seu exílio. Consegue embarcar e parte para Buenos Aires.
:: 24 de novembro - Seu título de General-de-Brigada é cassado por decreto de Floriano Peixoto, sob acusação de participação na Revolta da Armada.

Em setembro de 1893 eclode a Revolta da Armada. Liderados pelo Almirante Custódio de Melo, navios tomam a Baía de Guanabara e apontam seus canhões para a Capital Federal. Considerado pelo governo mentor intelectual do levante, Rui Barbosa procura abrigo na Legação do Chile. Em 13 daquele mês as forças de Custódio de Melo abrem fogo contra a cidade do Rio de Janeiro. Ameaçado de prisão, Rui Barbosa parte para Buenos Aires. Em 1º de outubro, o Jornal do Brasil - do qual Rui Barbosa era redator-chefe - é fechado por ordem de Floriano Peixoto. Só voltaria a circular um ano depois.

De Buenos Aires parte para Lisboa, Madri, Paris e finalmente Londres. A série de artigos, que desta cidade remete para o Jornal do Commércio, é posteriormente reunida em livro sob o título Cartas da Inglaterra, em 1894.

Em junho de 1895, regressa do exílio.

Quando do exílio de Rui Barbosa na Inglaterra, o Jornal do Commercio pede-lhe que escreva um livro sobre aquele país, extraindo da Inglaterra a lição legal, jurídica e constitucional cabível. Deste entrevero surgiram as Cartas de Inglaterra que “[...] lhe saíram muito mais para o Brasil do que de Inglaterra; escritas lá, sob o influxo do que via, mas para serem aqui entendidas, e entendidas mais como crítica ao nosso país do que como louvor ao que as inspirara; o seu fim precípuo não foi, como pretendeu o autor ao ideá-las, o estudo mais ou menos desinteressado da vida inglesa, e sim o exame da república brasileira, em confronto com a monarquia inglesa. Não é necessária muita argúcia, não é preciso ler nas entrelinhas para se ver as carapuças cortadas com mestria e distribuídas com agilidade pelo ferino panfletário que neste livro se mostra Rui Barbosa.” (PEREIRA, Lucia Miguel. In: BARBOSA, Rui. Cartas de Inglaterra. Rio de Janeiro : Ministério da Educação e Saúde, 1946. (Obras completas de Rui Barbosa ; v. 23, t. I., p. xvi).

Entre janeiro a junho, apareceram no “Jornal do Comércio”, cinco estudos de Rui Barbosa: “O processo Dreyfus”; “As bases da fé”, “Lição do extremo-oriente”, Duas glórias da humanidade”, e “O Congresso e a Justiça no regime federal”. Num dos seus artigos tirou conclusões sobre a guerra entre China e Japão. O seu objetivo era demonstrar a ineficiência de qualquer exército na defesa de um país marítimo, se não dispusesse duma  esquadra para defende-lo.

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O último artigo foi inspirado pela decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que acabara de declarar nula a lei do Congresso sobre o imposto de renda. Era a mesma tese, que sustentara ao pleitear a anulação dos atos inconstitucionais do parlamento e do executivo, que privavam os seus clientes de vantagens asseguradas pela Constituição. Aliás, lhe fora favorável a sentença de primeira instância e também venceria afinal. Rui Barbosa, aprofundando-se na jurisprudência americana, tirou do julgado todas as consequências favoráveis às concepções jurídicas.

As Cartas de Inglaterra, que foram lidas pelo público com avidez, anunciavam o próximo regresso do autor.

Em Londres, após breve residência em Shephend’S Bush, bairro pobre, a família de Rui Barbosa foi instalar-se em Tedeington, pequeno arrabalde à margem do Tâmisa.

Tedeington teve de ser abandonada. Aproximando-se o inverno, e sua esposa Maria Augusta, esperando a chegada de um filho, necessitava de mais assistência médica. Mudaram-se para Sinclair Gardens, onde, em 12 de novembro, nasceu a criança. Veio uma inglesinha, Maria Luiza Vitória.

Para compensar as deficiências da advocacia, em Londres, ele se associava à organização de uma companhia destinada a explorar uma promissora mina de ouro na Austrália.

Viveu Rui Barbosa, no exílio em Londres, em isolamento.

Eduardo Prado e o Barão do Rio Branco o visitaram.

Em junho de 1895, fazia um ano que chegara em Londres, Rui Barbosa dispunha-se a abandonar o exílio. A tristeza, diante da volta, se transformava em prazer pela perspectiva de rever seu país.

Antes de volta ao Brasil ainda teve tempo de visitar a exposição da Royal Botanical Society. José Carlos Rodrigues, agora diretor do “Jornal do Comércio”, convidou-o para percorrem os floridos mostruários.

Rui Barbosa despedia-se de Londres para sempre.

Floriano Peixoto entregou o poder em 15 de novembro de 1894 a Prudente de Moraes, e morreu em 29 de junho do ano seguinte, em sua fazenda em Ribeirão da Divisa, atual Floriano, distrito de Barra Mansa, no estado do Rio de Janeiro, vítima de uma cirrose hepática. Deixou um testamento político:

" A vós, que sois moços e trazeis vivo e ardente no coração o amor da Pátria e da República, a vós corre o dever de amparal-a e defendel-a dos ataques insidiosos dos inimigos".[....] A mim me chamais o consolidador da República. Consolidador da obra grandiosa de Benjamin Constant e Deodoro são o exército nacional e uma parte da armada, que a Lei e às instituições se conservaram fiéis. 

Era o fim de mais uma ditadura no Brasil.

Fica a eterna lição de Rui dita no combate à violência do governo militar de Floriano Peixoto: 

"Pugnar pelo oprimido, quando o estimamos, é trivial e fácil, expormo-nos pela sua liberdade, sem a prezarmos, unicamente por horror à opressão, é extraordinário."

Era o Rui Barbosa de luta. Aquele que, no Senado, na luta contra o governo autocrático de Floriano Peixoto, impõs derrota ao governo ao sustentar a incompetência da justiça militar para julgar Wandenkolk.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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