A CONSTITUIÇÃO DE 1934

28/04/2019 às 18:09

Resumo:


  • A Constituição de 1934 foi promulgada após a Revolução de 1930 e ampliou os poderes da União, dos Estados e dos Municípios.

  • Introduziu a Justiça do Trabalho no Brasil, além de definir os direitos políticos, sistema eleitoral e o controle da constitucionalidade por via jurisdicional.

  • A Constituição de 1934 buscou conciliar a democracia liberal com a social, mas teve um fim precoce com a instauração do Estado Novo em 1937.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO RETRATA PONTOS IMPORTANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1934, QUE REPRESENTOU O FIM DA REPÚBLICA VELHA, MAS SUCUMBIU AOS MOVIMENTOS QUE LEVARAM À DITADURA DE 1937.

 CONSTITUIÇÃO DE 1934

 

Rogério Tadeu Romano

I - PANORAMA HISTÓRICO E PRINCIPAIS ASPECTOS 

Com vitória de Vargas à luz da Revolução de 1930 e a derrota das elites de São Paulo na chamada revolução de 1932, partiu-se para a edição da Constituição de 1934.

Getúlio Vargas, fortalecido politicamente, foi eleito pelo Congresso Nacional, presidente da República, devendo governar até 3 de maio de 1938.

Ela mantivera da Constituição da República Velha, em 1891, os seguintes princípios fundamentais: a república, a federação, a divisão de poderes(Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si);  o presidencialismo, o regime representativo.

A Constituição de 1934 ampliou os poderes da União , enumerados de forma extensiva nos artigos 5º e 6º; enumerou alguns poderes dos Estados e conferiu-lhes os poderes remanescentes(artigo 7º e 8º); dispôs sobre os poderes concorrentes entre a União e Estados(artigo 10).

Ainda a Constituição de 1934 descriminou, com mais rigor, as rendas tributárias entre União, Estados e Municípios, outorgando a estes base econômica em que se assentasse a autonomia que lhes assegurava.

Mas a Constituição de 1934 aumentou os poderes do Executivo, rompendo com o bicameralismo rígido, atribuindo o exercício do Poder Legislativo apenas a Câmara dos Deputados, transformando o Senado Federal em órgão de colaboração desta(artigos 22 e 88 e seguintes).

A Constituição de 1934 definiu os direitos políticos e o sistema eleitoral, admitindo o voto feminino(artigos 108 e seguintes). Criou a Justiça Eleitoral, como órgão do Poder Judiciário(artigos 63, “d”, 82 e seguintes). A Justiça Militar foi reconhecida como órgão do Poder Judiciário.

A Constituição de 1934 daria um passo decisivo ao estabelecer finalmente, em seu artigo 122, a criação da Justiça do Trabalho. Era preciso porém regulamentá-la, e isso só veio a ocorrer em 1941, durante a gestão de Valdemar Falcão à frente do Ministério do Trabalho.

A Justiça do Trabalho foi criada em 1934 fora do âmbito do Poder Judiciário, só vindo a ser a ele integrada pela Constituição de 1946. Confirmada pelas Constituições posteriores da história brasileira, a Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sua instância máxima, por Tribunais Regionais do Trabalho e por Varas do Trabalho. Sua jurisdição abrange todo o território nacional, e todos os seus órgãos possuem composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores.

II - O CONTROLE JURISDICIONAL 

O sistema de controle da constitucionalidade é o jurisdicional instituído com a Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, acolhera  o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições sucessivas até a vigente.

A Constituição de 1934, mantendo as regras do critério difuso da Constituição de 1891, em seu artigo 76, "a" e "b" trouxe 3(três) inovações importantes: a ação direta de inconstitucionalidade interventiva(artigo 7º, I, "a" e "b"), a regra de que só por maioria absoluta de votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público(artigo 179) e a atribuição ao Senado Federal da competência para suspender a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva.

Surgiu o mandado de segurança como instrumento na defesa de direito líquido e certo não amparado pelo habeas corpus com a Constituição de 1934. 

O ministro Kelly assim se manifestou: 

"Para mim, o mandado em apreço é uma ação cívil, como cívil é a petitória a que se refere a parte final do artigo 113, n. 33, da CF. A única distinção que entre elas há é a da instituição de um processo de rito pronto, no caso do direito ser certo e incontestável, enquanto que, em havendo controvérsia, só as ações de marcha mais extensa se confere o poder de resolver sobre o direito posto em lide"(Arquivo Judiciário, volume 39, pág. 269). 

Disse, por sua vez, o ministro Costa Manso referindo-se ao mandado de segurança: 

"A Corte Suprema ja fixou o verdadeiro sentido do texto(Aludia ao dispositivo da C.F de 1934, que ressalvava a petitória). Ele assegura ao peticionário, que não consiga demonstrar a certeza do seu direito para obter o mandado, a faculdade de voltar com a chamada ação petitória, na qual, mediante fórmulas processuais mais desenvolvidas, procure levar a convicção ao espírito do julgador. Não se refere ao Poder Público. Em relação a este, a sentença que concede o mandado produz coisa julgada, pois seria absurdo admitir pudesse ser novamente sujeito à constatação de um direito que foi declarado incontestável(mandado de segurança . 266 - Arq. Judiciário, volume 40 - Arq. Jud., volume 40, páginas 229 e 230). 

Falava-se numa ação civil, um writ, que se dava sobre ato de autoridade; que , por ilegalidade ou abuso de poder, viole ou ameace direito liquido e certo. 

Discutia-se sobre a possibilidade do mandado de segurança sobre o exame da lei em tese. 

Pontes de Miranda foi partidário do exame da lei em tese. "Quando o Poder Legislativo faz lei inconstitucional, diz nos Comentários à Constituição de 1946, repetindo opinião já expressa, ao estudar a Carta de 1934, e reportando-se a acórdão do Tribunal Federal, o ato não é administrativo, porém o mandado de segurança é cabível". E, completando o seu pensamento, sustentava que a distinção "ato administrativo, ato não-administrativo, só se deve usar quando o praticante do ato é autoridade judiciária(volume III, pág. 337)". 

Como, nesse particular, o que importa é não permitir que se frustre o controle jurisdicional, único meio de tornar efetivos os direitos subjetivos contra os atos do Poder Público, ao princípio, que veda conhecer da lei em tese, para lhe proclamar a inconstitucionalidade, se deve admitir temperamento, nos casos em que a lei dispensa ato posterior, para que se individualize o sujeito passivo de sua aplicação. 

Tal se daria diante de lei proibitiva. 

Temístocles Cavalcanti, mesmo diante delas, se lhe afigura indispensável ao ajuizamento de pedido de segurança, a prática de atos posteriores pelos agentes executivos. 

"Pode acontecer que a lei seja daquelas, cujo conteúdo se confuda com o ato administrativo, como, por exemplo, aquela que teria por fim anular uma concessão ou desconhecer direitos assegurados pela Constituição; mas, mesmo nesta hipótese, contra o ato executório é que se deve promover a ação judicial e não contra a tese afirmada na lei, cuja exeução depende da autoridade administrativa(Do mandado de segurança, pág. 109). 

Orozimbo Nonato dizia: 

"Se a ofensa da lei ordinária rende ensejo ao remédio presentâneo e eficaz do mandado de segurança, a da lei constitucional mostra-se mais grave e clama, ainda mais alto, pela aplicação do remédio heróico(9-7-47, Revista Forense, Volume 118, pág. 406). 

Mesmo ao ângulo da diversidade dos textos constitucionais de 1934 e 1946, o ponto de vista do ministro Hahnemann Guimarães admite a contestação. Refuta-o Lúcio Bittencourt, com os seguintes argumentos: 

"O raciocínio do ilustre jurista se baseia na premissa de que a omissão do termo "inconstitucionalidade", que figurava na Carta anterior, foi feita "intencionalmente". Todavia, a leitra dos Anais da Assembleia Constituinte be como do resumo feito a respeito desembargador José Duarte, de 1946, tendo especificado as hipóteses de cabimento do habeas corpus e com o objetivo de abranger a segurança dos direitos e garantias que ele não amparados, limitaram-se procurando a fórmula mais ampla que se lhes apresentou, a dizer categoricamente que o mandado de segurança teria cabida sempre que o direito ameaçado não estivesse garantido pelo referido writ. Nâ houve intuito de restringir ou limitar a amplitude do amparo, mas, muito ao inverso, o desejo de alargar-lhe o âmbito. "

"A ilegalidade a que se refere o texto constitucional há de ser entendida no seu mais amplo conceito, para que não seja frustrado o objetivo mesmo da garantia que a Constituição visou establecer. É a ilegalidade genérica, no significado mais completo, compreensivo daquela ituação a que se refere Duguit, quando estuda as leis contra o direito - lois contre le droit - e que tem como ponto saliente, ou manifestação mais importante, o conflito dos atos da legislatura ordinária com a norma baixada pelo Poder Constituinte, que é também uma lei, embora da hierárquia superior - uma lei suprema, diretiva, padrão, que representa a medida precisa de regularidade jurídica"(O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, páginas 106 e 109). 

 Costa Manso, em votos no Supremo Tribunal Federal, entendeu: 

"O direito certo e incontestável de que fala a Constituição(alude à Carta de 1934), não é o direito objetivo. È o direito subjetivo. È preciso que o requerente demonstre com certeza o fato em que se estriba. A norma jurídica é sempre certa e inconstestável"(rec. extr. n. 2.654, Arq. Jud., volume 43, pág. 111).

Entendeu-se que o mandado de segurança não comportava vacilação ou controvérsia acerca da questão de fato e de prova. Escapa ao seu âmbito a alta indagação de fatos complexos, embrulhados ou duvidosos. 

Disse Pontes de Miranda sobre o tema: 

"A certeza e liquidez de um direito não podem resultar da dúvida quanto à lei que rege esse direito, porque tal dúvida é subjetiva, existe e depende de condições interiores, de estados de consciência e convicção dos juízes, e não da relação jurídica. Por mais duvidoso que se sinta o espírito do julgador, na determinação da lei competente, isso não atua na situação jurídica que não passa, por esse acidente psíquico do julgador, a ser incerta e contestável(Comentários à Constituição de 1946, volume III, pág. 336). 

Para Carlos Maximiliano, se a "questão suscitada pelo impetrante é controvertida", deve indeferir-se o pedido". Ao seu deferimento é indispensável que, "até mesmo no terreno da doutrina, jamais paire dúvida sobre a juridicidade do caso e se apreenda, pelo primeiro exame profisisonal esclarecido, que o ato impugnado é ilegal(Comentários à Constituição, volume III, n. 174). 

O abuso de direito se insere nos casos de ilegalidade. 

Por sua vez, Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, volume III, tomo I, pág. 187), na mesma linha de Carlos Maximiliano(Comentários à Constituição Brasileira, volume III, pág. 146) tem como incabível o mandado de segurança com relação ao caso de ato disciplinar. 

Tem-se ainda a ação popular, instrumento que tem origens na Bélgica e na França. 

Art. 113, n° 38. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nullidade ou anullação dos actos lesivos ao patrimonio da União, dos Estados ou dos Municípios. 

Hely Lopes Meirelles (Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p. 85) afirmou  que a ação popular é instituto de natureza constitucional, utilizado pelo cidadão, visando ao reconhecimento judicial da invalidade de atos ou contratos administrativos, desde que ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual ou municipal, incluindo-se as autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas que recebam subvenções públicas. 

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Mas o  controle de constitucionalidade das leis no Brasil, viria em 1965, com a Emenda nº 16 à Constituição de 1946, seguida na Emenda Constitucional  nº 7/77, à Constituição de 1967 (a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual), e na moderna Constituição de 1988, em especial com a ação direta de inconstitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental e a ação declaratória de constitucionalidade. 

Adotou-se, ao lado da representação política tradicional, a representação corporativa de influência fascista(artigo 23).

iii - A MORTE PRECOCE DA CONSTITUIÇÃO DE 1934 

Instituiu, ao lado do Ministério Público e do Tribunal de Contas, os Conselhos Técnicos, como órgãos de cooperação nas atividades governamentais.

Afrânio Arinos, quando presidia à Comissão governamental que elaborou o anteprojeto dessa Constituição, sugeriu a criação de “um órgão exclusivamente técnico e incumbido de emitir opiniões”(Afonso Arinos de Melo Franco, Um Estatista da República, volume III, página 1.419), que dera origem a Conselhos Técnicos e Conselhos Gerais.

Essa Constituição procurou conciliar a democracia liberal com a democracia social; o federalismo com o parlamentarismo, na esfera governamental. Foi considerada uma verdadeira transação, como havia sido o Ato Adicional, ao tempo do 1º Império. Nas disposições transitórias, concedeu-se anistia ampla para os crimes políticos e aprovaram-se os atos do Governo Provisório e de seus delegados.

Mas, ao lado da declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura, normas programáticas que tinham base na Constituição da Alemanha de Weimar. Era a técnica do estatuto regulamentar. Em vez de larga síntese de que falou Rui Barbosa, ou em corpo vivo (ossatura ou esqueleto revestido de cerne, nervo e sangue) de princípios e normas jurídicas, como aludiu Carlos Maximiliano. São causas dessa transformação: a) as relações econômicas e sociais, que também lhe cabem regular(Munro, The government of the United States, páginas 528); Schmitt, Teoria de la Constitucón, páginas 47 e seguintes; b) o desprestígio da representação política, que faz com que o legislador-constituinte, interpretando os sentimentos populares, restrinja o campo de ação do legislador ordinário, com pormenores do Regulamento; c) a insuficiência da construção jurisprudencial, que não atende a todas as necessidades e aspirações populares, como explicou Munro.

Os princípios sobre o funcionalismo público(artigo 159 e 172) foram ali instituídos.

Fracassou a Constituição de 1934 como um documento de compromisso entre o liberalismo e o intervencionismo.

 Em dezembro de 1935, o Congresso Federal, que se transformara em Legislativo ordinário, por ato próprio e influência do presidente da República, promulgou o Decreto Legislativo nº 6, de 18 de dezembro de 1935, que fazia três emendas à Constituição Federal: a) equiparação ao “estado de guerra”, da comoção intestina grave”: b) perda da patente e posto, sem prejuízo de outras penas, ao oficial das Forças Armadas que praticasse ato ou participasse de movimento subversivo das instituições políticas e sociais; c) demissão do funcionário civil, sem prejuízo de outras penas, que praticasse ato ou participasse de movimento subversivo das instituições políticas e sociais. Foram medidas de defesa do Estado que a intentona comunista de 27 de novembro de 1935, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, e no Norte do país, plenamente justificavam. Aliás, pressentindo a eclosão desse movimento, o governo havia expedido a Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, nº 136, de 14 de dezembro de 1935, que a modificou, no ano seguintes, baixaria, a Lei nº 241, de 11 de setembro de 1936, instituindo o Tribunal de Segurança Nacional.

Com a Constituição de 1934 diversos institutos de aposentadoria e pensões foram criados: Instituto de Aposentadorias e Pensões, o dos Marítimos(Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933), o dos Comerciários(Decreto nº 24.273, de 22 de maio de 1934), e o dos Bancários(de nº 24.615, de 9 de julho de 1934); e das Caixas de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhos em Trapiches e Armazéns, de Café(Decreto nº 24.274, de 22 de maio de 1934), mais tarde transformados em Institutos e extintos após o golpe militar de 1964.

Em 1936, criou-se outro Instituto de Aposentadoria e Pensões, o dos Industriários(Lei nº367, de 31 de dezembro de 1936), com que ficaram amparadas pela previdência social todas as classes trabalhadoras do país, exceto as rurais.

A polarização e na luta de extremos, surgiu o Estado Novo em 1937, uma das piores experiências ditatoriais por que passou o país.  

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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