Nas sociedades primevas imperava sobretudo a lei do mais forte, ou seja, a caça, a parceira sexual, o melhor abrigo, enfim, tudo que era importante para a primitiva sobrevivência do ser humano era conquistada pela força bruta, sendo, portanto, patrimônio exclusivo de quem o tenha conquistado.
Com o passar do tempo a própria evolução dos grupos humanos foi concebendo regras de conduta que deveriam ser seguidas por todos. As primeiras regras tidas como “constitucionais” remontam aos antigos hebreus, que nutriam a ideia de punição divina aos que desrespeitassem as escrituras sagradas. Uma das penas mais conhecida era a morte por apedrejamento, que poderia se dá pelos mais variados motivos, inclusive daquele que se apropriasse indevidamente de bem alheio.
Foi com o surgimento da monarquia que a ideia do patrimonialismo ganha seu principal traço característico: a correlação indissociável entre o patrimônio público e o privado. Os monarcas, sobretudo os dotados de maior grau de tirania faziam tudo que queriam, se confundiam com o próprio Estado rudimentar até então organizado. Não havia formas do proletariado enfrentar aqueles que detinham o poder.
Com o pequeno manifesto “O que é o Terceiro Estado” de Emmanuel Joseph Sieyès foi lançada a semente que revolucionaria a estrutura orgânica dos poderes estatais, neste texto foi defendido a ideia de que todos deveriam agir para tornar a Nação forte, sendo esta, a fonte que deveria ditar as regras de condutas sociais. Ao lado da Declaração de Direitos de Virgínia, são os principais instrumentos que serviram como transição da era dos governos absolutistas para o futuro Estado de Direito (atualmente Estado Democrático de direito).
É com a noção atual de República como forma de governo (res pública – coisa do povo) que foi enaltecida a ideia de que o patrimônio público pertence ao povo, devendo manter esta natureza enquanto perdurar o interesse da coletividade.
Visando garantir tal direito, foram criados inúmeros mecanismos de fiscalização e controle entre os órgãos encarregados de estruturar o poder, o conhecido sistema de Freios e Contrapesos.
Os bens pertencem, portanto, ao titular do poder constituinte, ao povo, cabendo a este gerir e fiscalizar sua correta utilização pelos gestores públicos.
Sobre a natureza dos bens públicos estabelece nosso Código Civil:
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.
A Constituição Federal traz alguns dispositivos específicos relacionados ao domínio de certos bens, disciplinando o ente federado ao qual pertence, como, por exemplo, o art. 20, VI, dispondo que o mar territorial é um bem pertencente a União.
Com as notícias nas mais variadas mídias cada vez mais frequentes de que será promovida uma grande onda de privatizações incidentes sobre o patrimônio público tido em seu sentido amplo, o termo patrimonialismo volta aos holofotes de onde não deveria ter emergido novamente.
Os déspotas atuais não entendem que o patrimônio público não lhes pertence, mas ao próprio povo, que é o verdadeiro detentor do poder. Não é o intuito desta pequena reflexão esgotar todos os temas entrelaçados na questão. Existem pontos positivos e negativos na execução do programa de desestatização. Podemos citar, por exemplo, o campo da telefonia, antigamente o serviço era disponibilizado a poucos que poderiam arcar com seus altos custos. As telefônicas passaram do Estado ao setor privado, aumentando a oferta e ampliando o acesso, contudo, mesmo havendo intensa fiscalização e regulação, os serviços de telefonia praticados no Brasil são de péssima qualidade, o usuário é refém de inúmeras ilegalidades, mas simplesmente não consegue fazer valer seus direitos básicos.
Em uma sociedade movida por redes sociais e que dispõe de inúmeras garantias de participação na gestão da coisa pública, uma das opções mais democráticas para se aperfeiçoar este instrumento de “desburocratização” seria solicitar a toda coletividade organizada sua opinião sobre o tema, informando os pontos fortes, bem como os negativos.
Discussões em audiências públicas, por exemplo, seriam boa fonte de esclarecimento. Também poderíamos pensar em algum instrumento de diálogo direto com nosso líder supremo, assíduo frequentador das redes sociais, poderia o mesmo fazer pesquisas em suas diversas redes de comunicação no intuito de colher a opinião do povo, o verdadeiro detentor do patrimônio público, antes de escolher esbulhar aquilo que não lhe pertence.