A denúncia espontânea aplicável no âmbito aduaneiro, tal qual na esfera tributária, tem sua gênese no direito penal e decorre do ideal de reconsideração por parte daquele que tenha praticado a irregularidade, diante de situação passível de ser reparada.
A natureza jurídica de direito subjetivo desse instituto é bastante clara, porquanto presentes os requisitos, o contribuinte tem a prerrogativa de dele fazer uso, sendo que a Administração não pode se opor ao exercício de tal faculdade.
Após o advento da Lei nº 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, tem-se visto uma crescente preocupação – motivada – pela busca de conformidade na realização das tratativas aduaneiras por parte dos intervenientes, em especial nos processos de importação e, lado outro, vê-se cada vez mais uma crescente nas autuações fiscais, justamente para coibir ao máximo as ações prejudiciais ao mercado interno e ao Erário, em uma das áreas mais relevantes e promissoras da economia nacional, qual seja, a do comércio exterior.
Genericamente, a denúncia espontânea vem grafada no Código Tributário Nacional, conforme se depreende de seu artigo 138. Da inteligência de sobredito comando, extraem-se os requisitos gerais para sua aplicabilidade, quais sejam, (i) espontaneidade, consubstanciada de maneira objetiva na denúncia feita pelo próprio contribuinte e por mais ninguém; (ii) critério temporal, que impõe a imperiosidade de a medida ser intentada antes de iniciado qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização especificamente relacionado à infração e (iii) a possibilidade de reparação, materializada no pagamento do tributo devido e dos juros de mora ou depósito da importância arbitrada pela Autoridade, se cabível.
A aplicabilidade da medida no âmbito aduaneiro não encontrava previsão expressa até o advento da Medida Provisória nº 497, de 27/07/2010 que foi convertida na Lei nº 12.350/2010 e prestou um grande serviço ao trazer a nova redação ao §2º do artigo 102 do Decreto-Lei 37/66, passando tal possibilidade a constar expressamente. Veja-se:
Art.102 – A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
§ 1º – Não se considera espontânea a denúncia apresentada: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
b) após o início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, tendente a apurar a infração. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988).
§ 2o A denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza tributária ou administrativa, com exceção das penalidades aplicáveis na hipótese de mercadoria sujeita a pena de perdimento. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010).
Desse modo, considerando-se sobredita alteração, qualquer dúvida a respeito da aplicabilidade da denúncia espontânea no âmbito aduaneiro deve cair por terra, ressaltando-se, por evidente, a restrição ao seu uso quando do curso do despacho aduaneiro até o desembaraço ou após o início de outro procedimento, em observância às disposições contidas nas alíneas a e b do parágrafo primeiro do mesmo artigo.
Sem a pretensão de defender a interpretação estritamente literal da norma que, sabidamente, muitas das vezes é maculada por lacunas que impossibilitam tal exercício, tem-se que no caso concreto o hermeneuta não encontraria tamanha dificuldade na interpretação, pois após as alterações introduzidas no Decreto-Lei nº 37/66 pela Lei nº 12.350/2010, a aplicabilidade da denúncia espontânea em relação às infrações aduaneiras restou cristalina, configurando um importante mecanismo para os intervenientes do comércio exterior.
Fonte: IVASCO, Laura. A aplicabilidade da denúncia espontânea no âmbito aduaneiro, in Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro – Temas contemporâneos. Eliane M. Octaviano Martins, Paulo Henrique Reis de Oliveira e Wagner Menezes, organizadores. Belo Horizonte: Arraes Editores Ltda. 2018. V.2., p. 95