EM BUSCA DE UMA CULTURA DE PRECEDENTES
Alberto Nogueira Júnior
I – O CASO
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na sessão de 24.4.2019, acolheu Questão de Ordem alegada nos Recursos Especiais nos. 1769306 e 1769209, ambos de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, no sentido de reexaminar a tese firmada no Tema 531. A Questão de Ordem foi cadastrada como Tema Repetitivo no. 1009. Discute-se se “o Tema 531 do STJ abrange, ou não, a devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente por erro operacional da Administração Pública”. Conforme se dá em procedimento de recursos repetitivos, determinou-se a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, com aquele objeto.
II – MEUS COMENTÁRIOS
No Tema 531, discutiu-se se o servidor público estaria obrigado a devolver aos cofres públicos remuneração recebida a maior, paga por motivo de interpretação normativa equivocada da Administração Pública, tendo estado o servidor público de boa-fé.
No Tema 1009, a discussão é se a devolução deve se dar quando a causa do pagamento a maior tiver sido erro operacional cometido pela Administração Pública, e para a qual o servidor público beneficiado não tiver colaborado.
Não há diferença essencial entre as duas situações.
O problema não é se a Administração Pública interpretou errado uma normativa legal ou regulamentar, ou se alguém apertou um botão no teclado do computador equivocadamente.
A questão é se o servidor público, que se conduziu com boa-fé, deve ser obrigado a restituir o que houver recebido a mais.
Em ambas as situações, pode-se entender que o servidor público não estaria obrigado a devolver, em atenção aos princípios da proteção da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, ou, ainda, em razão da natureza alimentar da quantia recebida – tradicionalmente, irrepetível.
Até entendo quem acha que uma zebra deixe de ser zebra só porque as listras são inclinadas da direita para a esquerda, em vez de da esquerda para a direita.
Mas não tenho como entender porque as duas espécies de zebra teriam que deixar de ser consideradas como tais, só porque uma teria as listras inclinadas para um lado, e a outra, para o lado diverso.
Ou seja: se o Tema 531 não é idêntico ao Tema 1009, para que rever o 531? E se são idênticos, para que o 1009?
E não há porque se imaginar que, mesmo vindo a ser aprovada a Tese 1009, que o assunto estará esgotado, não merecendo ser revisitado tão cedo.
Tomo como exemplo a jurisprudência do TCU, que inicialmente dispensava o servidor público de restituir o que recebido a mais de boa-fé (Súmula 106); depois, resolveu entender que deveria restituir, mesmo que tendo agido de boa-fé (Súmula 235); enfim, retornou àquela sua primeira jurisprudência (Acórdão 820/2007-Plenário, sessão de 09.05.2007).
No próprio STJ, o caso ora sob comento é exemplo bastante dessas idas e vindas jurisprudenciais.
Afinal, desde o julgamento do RESP 1.244.182, 1ª. Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, publicado no DJE 19.10.2012, o qual foi afetado para os fins de servir como base de recurso repetitivo, quando a Corte entendeu pelo descabimento da restituição, em caso de boa-fé do servidor público, que a matéria já deveria ter sido pacificada.
Evidentemente, não foi o que aconteceu.
Conclui-se, portanto, que ainda falta muito para que se consolide uma cultura jurídica que leve os precedentes judiciais a sério, a começar pelos próprios Tribunais Superiores que os formam.