Em Busca de Uma Cultura de Precedentes

03/05/2019 às 14:37
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O artigo comenta uma possível revisão de jurisprudência firmada pelo STJ em sede de Temas de Recursos Repetitivos, e busca demonstrar as dificuldades para a construção de uma cultura jurídica baseada em precedentes no nosso sistema.

 

 

EM BUSCA DE UMA CULTURA DE PRECEDENTES

 

 

    Alberto Nogueira Júnior

 

 

I – O CASO

 

 

    A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na sessão de 24.4.2019, acolheu Questão de Ordem alegada nos Recursos Especiais nos. 1769306 e 1769209, ambos de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, no sentido de reexaminar a tese firmada no Tema 531. A Questão de Ordem foi cadastrada como Tema Repetitivo no. 1009. Discute-se se “o Tema 531 do STJ abrange, ou não, a devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente por erro operacional da Administração Pública”. Conforme se dá em procedimento de recursos repetitivos, determinou-se a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, com aquele objeto.

 

 

II – MEUS COMENTÁRIOS

 

   

    No Tema 531, discutiu-se se o servidor público estaria obrigado a devolver aos cofres públicos remuneração recebida a maior, paga por motivo de interpretação normativa equivocada da Administração Pública, tendo estado o servidor público de boa-fé.

 

    No Tema 1009, a discussão é se a devolução deve se dar quando a causa do pagamento a maior tiver sido erro operacional cometido pela Administração Pública, e para a qual o servidor público beneficiado não tiver colaborado.

 

    Não há diferença essencial entre as duas situações.

 

    O problema não é se a Administração Pública interpretou errado uma normativa legal ou regulamentar, ou se alguém apertou um botão no teclado do computador equivocadamente.

 

    A questão é se o servidor público, que se conduziu com boa-fé, deve ser obrigado a restituir o que houver recebido a mais.

 

    Em ambas as situações, pode-se entender que o servidor público não estaria obrigado a devolver, em atenção aos princípios da proteção da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, ou, ainda, em razão da natureza alimentar da quantia recebida – tradicionalmente, irrepetível.

 

    Até entendo quem acha que uma zebra deixe de ser zebra só porque as listras são inclinadas da direita para a esquerda, em vez de da esquerda para a direita.

 

    Mas não tenho como entender porque as duas espécies de zebra teriam que deixar de ser consideradas como tais, só porque uma teria as listras inclinadas para um lado, e a outra, para o lado diverso.

 

    Ou seja: se o Tema 531 não é idêntico ao Tema 1009, para que rever o 531? E se são idênticos, para que o 1009?

 

    E não há porque se imaginar que, mesmo vindo a ser aprovada a Tese 1009, que o assunto estará esgotado, não merecendo ser revisitado tão cedo.

 

    Tomo como exemplo a jurisprudência do TCU, que inicialmente dispensava o servidor público de restituir o que recebido a mais de boa-fé (Súmula 106); depois, resolveu entender que deveria restituir, mesmo que tendo agido de boa-fé (Súmula 235); enfim, retornou àquela sua primeira jurisprudência (Acórdão 820/2007-Plenário, sessão de 09.05.2007).

 

    No próprio STJ, o caso ora sob comento é exemplo bastante dessas idas e vindas jurisprudenciais.

 

 

    Afinal, desde o julgamento do RESP 1.244.182, 1ª. Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, publicado no DJE 19.10.2012, o qual foi afetado para os fins de servir como base de recurso repetitivo, quando a Corte entendeu pelo descabimento da restituição, em caso de boa-fé do servidor público, que a matéria já deveria ter sido pacificada.

 

    Evidentemente, não foi o que aconteceu.

 

    Conclui-se, portanto, que ainda falta muito para que se consolide uma cultura jurídica que leve os precedentes judiciais a sério, a começar pelos próprios Tribunais Superiores que os formam.

Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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