As piores testemunhas são aquelas que se apresentam como vítimas. Caminham de forma claudicante, curvadas, falam muito baixo e não possuem certeza de nada. Não olham nos olhos.
Estas pessoas se perdem, se confundem. São, em realidade, péssimas auxiliares da justiça. Mais atrapalham do que ajudam. Muitas testemunhas dessa categoria inventam histórias com o objetivo de serem notadas e, de certa forma, sentirem-se importantes. Ao menos uma vez na vida.
Por essa razão, o estudo da psicologia do depoimento é de fundamental importância.
As pessoas tendem a mentir pelas mais variadas razões.
Dizem ver o que não viram, que não viram aquilo que viram, que viram mais do que realmente viram ou dizem ter visto menos do que verdadeiramente viram. E há ainda o caso da testemunha “cega”: aquela que nunca vê nada, mas, que pode “afirmar” tudo.
Não posso cometer a candura de ignorar o fato de que há casos penais de extrema gravidade. Certamente ninguém quer depor contra o chefão de uma facção criminosa, seja ela de pobres ou do colarinho branco. Ademais, ninguém, em sã consciência, tem a intenção de depor contra uma organização criminosa e, com isso, colocar sua vida e a de seus familiares em risco. Até porque, infelizmente, o Brasil não goza de um dos melhores programas do mundo de proteção às testemunhas.
Mas, estou falando dos casos pequenos, que podem, muitas vezes, envolver pequenas questões, coisas simples do cotidiano. Casos em que não há um potencial risco de lesão ou morte para a pessoa convocada a depor.
Uma pessoa não pode se recusar a depor, porque servir como testemunha é um múnus público, ou seja, uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público (como o poder judiciário), que beneficia a coletividade. Por isso não pode ser recusado, salvo exceções legais, como dito.
Como se sabe, no processo penal há a acusação, que pode ser encabeçada pelo Promotor de Justiça, em casos de ações penais públicas condicionadas à representação e as incondicionais, que não necessitam de representação da vítima (Art. 100, § 1º, do CPP[1]), por um advogado de acusação em casos de ação penal privada (Art. 100, caput, c.c § 2º, do CP[2]) e, ainda, por advogado como assistente da acusação (Art. 268, do CPP[3]) e há, ainda, a possibilidade de advogado de acusação em caso de ação penal privada subsidiária da pública (que ocorre quando o Ministério Público deve propor a ação penal, mas não o faz, nos termos do Art. 29[4], do CPP). Do outro lado da relação processual há a defesa, que garante ao acusado o respeito aos seus direitos legalmente previstos (constitucionais e processuais). Assim, há dois polos: acusação e defesa.
Tecnicamente, as testemunhas indicadas pela defesa são chamadas de testemunhas de defesa e as indicadas pela acusação de testemunhas de acusação.
No entanto, as testemunhas são do juízo. A divisão técnica facilita a ordem de início das perguntas, dentre outras características processuais.
Quem vai depor, deve (ou deveria) fazê-lo sem qualquer viés de cunho privado, emocional. Deve dizer a verdade de tudo que sabe ou viu ou ouviu sobre os fatos noticiados no processo. Não há espaços para “achismos”. Não do ponto de vista das garantias constitucionais e processuais. Opiniões pessoais, no processo, devem ser guardadas para si. Ou se sabe, ou não se sabe acerca dos fatos. Se não sabe, não invente.
O problema surge quando nos conscientizamos de que vivemos em uma sociedade na qual nem toda a verdade pode ser dita. Vive-se de meias verdades, meias certezas, mas com máximos interesses pessoais, frustrações emocionais e opiniões sem fundamento.
Uns querem fama, outros, vingança e outros, ainda, apenas a oportunidade de terem, ao menos uma vez na vida, alguma importância.
É essa falta de inteligência emocional que tem criado barreiras intransponíveis em uma sessão do Tribunal do Júri.
Pessoas despreparadas não julgam as provas, julgam apenas os antecedentes de quem se senta no temido banco dos réus.
Sempre acreditei que não devo negar ao outro aquilo que não gostaria que fosse negado a mim. Essa forma de pensar apenas é possível quando se tem empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro. E essa capacidade de se colocar no lugar do outro deve ser expressa pela seguinte sentença: gostaria que isso fosse feito comigo?
Aqui não sugiro usar o lado emocional do cérebro (não raras vezes desastroso para quem não tem prática em usá-lo), mas sim, o racional. As pessoas devem pensar: estou querendo negar esse direito a tal pessoa; se estivesse no lugar dela, gostaria que me fosse negado? Se a resposta for um rotundo sim, vá em frente, mas, se houver dúvida, não negue ao outro aquilo que não gostaria que lhe fosse negado.
No caso de um processo penal a questão é muito simples. A pessoa deve (ou deveria) pensar: eu gostaria de ser condenado sem provas ou mediante provas insuficientes de minha responsabilidade? Gostaria de ser condenado por boatos? Gostaria de ser condenado em razão de uma falsa hipossuficiência da vítima, que usa isso de forma maldosa (dolosa)?
Esses os grandes pontos.
Quando se diz que é melhor absolver um inocente do que condenar um criminoso, não se trata de indulgência, mas de racionalidade.
Até porque, se a pessoa for voltada ao crime, ou seja, fizer do crime seu modus vivendi (modo de vida), hora ou outra irá cometer uma falha grave e não haverá in dubio pro reo que o salve.
Tudo, na verdade, muito simples.
É o caso dos envolvidos na famosa e histórica Operação Lava Jato. Há réus envolvidos em tantos crimes simultâneos, com tantas provas em seu desfavor que é impossível uma defesa de inocência, restando apenas analisar causas de diminuição, atenuantes e acompanhar a pessoa em seu cumprimento de pena para que os benefícios processuais lhe sejam assegurados. Nada além disso. Muitos, como se sabe, estão presos. Pessoas que jamais sonharíamos que poderiam ser encarceradas. Claro, quanto tempo ficarão presas e como será feito o resgate dos valores que foram desviados e indevidamente apropriados é uma outra história. O sistema jurídico brasileiro é falho e necessita de urgentes reparos e reformas.
A questão central é que nenhuma pessoa, em sã consciência, gostaria de ser condenada e encarcerada diante da fragilidade de provas contra si apresentadas. Isso para pessoas normais, desconsiderando, evidentemente, as disfuncionais, loucas, insanas e manicomiais.
É muito comum, em cidades do interior, a pressão da testemunha para condenar um acusado de homicídio. Seja para se ver livre do indigitado morador do bairro acusado, seja para obter uma vingança pessoal, seja, ainda, para mostrar superioridade diante dos demais vizinhos. As causas, como dito, variam ao infinito.
A questão das testemunhas problemáticas é extremamente antigo e surge no exato momento em que se teve que apelar para uma pessoa, visando a elucidação de um crime ou falta grave nas primeiras aglomerações humanas (clãs e tribos).
Sei que não é racional de minha parte exigir a extrema racionalidade de pessoas que nem mesmo são suficientemente educadas para as situações mais simples da vida; que são doutrinadas a se curvarem e até venerarem o sentimentalismo; que vivemos, como muito bem exposto pelo professor Luiz Felipe Pondé[5] uma “sociologia do mimimi”, uma sociedade do ressentimento que está drasticamente dicotomizada entre opressores e oprimidos. Nesse sentido, Pondé[6] assim defende:
Mas existem dois tipos de mimimi. O do senso comum, “frescurinha básica” (não vou falar dele aqui); e existe o sofisticado, sustentado em alguma teoria besta derivada da maior picaretagem intelectual dos últimos 250 anos: refiro-me à famosa teoria picareta (que será comparada por nossos descendentes à leitura medieval de vísceras animais como mapa do futuro) segundo a qual o mundo está dividido entre opressores e oprimidos.
Vivemos em uma sociedade enfurecida, em que todos estão com raiva de tudo. Inventamos os mais variados fantasmas, que nos acusam, nos diminuem, nos incitam indevidamente a guerras e combates que nunca vão se concretizar, nos amedrontam, que, enfim, despertam em nós as mais variadas fantasias. E nós, incapazes de os enfrentar, desenvolvemos raiva de nós mesmos por nos dobrarmos tão fácil e impotentemente aos caprichos de nossos devaneios. Como resultado: descontamos nossas frustrações em qualquer pessoa.
No caso dos processos judiciais, infelizmente, não é diferente.
Temos visto a figura da testemunha mimimi. Sempre revoltada, frustrada, doente, claudicante, discurso em tom baixo, choroso, uma vítima de dar pena. Mas, que pode condenar sem hesitar um só instante. Mente e engana com desfaçatez. Simula, dissimula e metassimula seus sentimentos e discursos.
E isso funciona? Sim.
Como defendi acima, não somos educados para a utilização de nosso cérebro racional, e sim do emotivo. Herança mamífera é bem verdade. Mas, esse outro assunto.
A questão é que em nossa sociedade as pessoas querem convencer no grito mesclado ao chororô. As pessoas querem ser dignas de pena. Exigem que se tenha por elas pena. “Nossa, coitado do fulano”, “Nossa, que pena do beltrano”, “Minha nossa, fulana é uma coitada, escravizada, explorada, injustiçada, maltratada, mal-amada, etc., etc., etc.”. E como diz Lulu Santos: “...assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade”.
Por essa razão, mostra-se de extrema importância que o advogado de defesa conheça sobre comportamento humano, visando detectar e desmascarar esse tipo de testemunha que, em realidade, presta um desserviço à justiça e à sociedade.
Não se deve ter pena de quem não a tem nem de si mesmo, porque se uma pessoa realmente tivesse pena de si, jamais admitiria ser vista como coitada, oprimida ou incapaz. Isso, acredito, vai contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Ser coitado é indigno, é pífio, pequeno, pedante e ignóbil.
Conhecereis as testemunhas tontas, ingênuas e vitimistas, e destas, afastei-vos, esse o mandamento.
Assim, é importante termos em vista que há pessoas que não servem para o mister de se distribuir justiça.
Importante destacar que, estas considerações, neste caso, não se aplicam apenas ao Tribunal do Júri, mas a toda questão processual, seja judicial ou extrajudicial.
Como tenho dito, os argumentos acima expendidos não significam meu posicionamento contrário à Instituição do Tribunal do Júri, mas apenas alertar acerca de sua falibilidade.
[1] Código Penal. Art. 100. (...). § 1º. A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.
[2] Código Penal. Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º. A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
[3] Código de Processo Penal. Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
[4] Código de Processo Penal. Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal
[5] Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/sociologia-do-mimimi-658ypknx7gmro9hcrh9jlr5a8/ <Acessado em 4 maio 2019>.
[6] Idem.