Os interesses na recuperação judicial da empresa: do individualismo à transindividualidade

05/05/2019 às 18:59
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Tendo a lógica da preservação da empresa como mote, busca-se, por meio do presente artigo, realizar uma breve análise da vasta gama de interesses envolvidos no âmbito dos procedimentos de recuperação judicial.

A profunda recessão dos dias atuais, que macula a macroeconomia, aliada a inconstância política do Estado, contribuí em grande medida para o fenômeno da crise sistêmica das empresas. Diferentemente da crença tradicional, os malefícios do flagelo do organismo empresarial se estendem para outros atores que não apenas os empresários envolvidos na exploração da atividade econômica da ruinosa organização, de sorte que há uma vasta gama de interesses no entorno da vida e morte das empresas. Em outras palavras, a crise da empresa prejudica não só seus acionistas e controladores, mas a sociedade como um todo.

Destarte, de modo a compreender a miríade de interesses no soerguimento do organismo empresarial, propor-se-á, nas linhas que seguem, uma reflexão acerca dos principais interessados na preservação da empresa, bem como dos instrumentos para a sua tutela no âmbito dos processos recuperacionais. 

1. Os interesses dos trabalhadores

O estudo dos interesses dos trabalhadores em cenários de recessão e profundas crises empresarias é tema de inegável relevância[1] e deve ser analisado sob um duplo viés. O primeiro, de cunho monetário, refere-se a um aspecto comum entre os empregados e os demais credores e diz respeito à proteção creditícia desses participantes, ou seja, acerca do tratamento conferido pela lei aos créditos detidos pela classe trabalhadora em face da empresa recuperanda. No que diz respeito à primeira ótica, vale destacar a previsão pela lei de zelo especial para com os credores trabalhistas. Exemplificativamente, o art. 54[2] determina que o plano não pode prever prorrogação por mais de um ano para o pagamento de créditos decorrentes de relações trabalhistas e acidentes de trabalho, vencidos até o pedido de recuperação e pagamento em prazo superior a 30 dias de créditos de natureza salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação, limitados a 5 salários por trabalhador. Verifica-se, portanto, tratar-se de dispositivo que claramente busca tutelar o crédito do trabalhador nos processos recuperacionais.[3]

Tal perspectiva, todavia, não é suficiente para compreender a dimensão dos interesses e sua consequente tutela, sobretudo diante do propósito de manutenção dos empregos previsto no art. 47 da lei de recuperação e falência. Assim, impõe-se a análise da problemática sob um segundo enfoque, relativo à defesa de seus interesses nas situações em que estes não são necessariamente titulares de um crédito. Com efeito, é necessário que sejam previstas medidas não somente à recuperação dos créditos, mas sim atinentes a influenciar a tomada de decisão acerca do futuro das empresas, posto que tal deliberação afeta diretamente os trabalhadores. No entanto, na prática tais preceitos ainda não são aplicados em sua integralidade, uma vez que os tribunais, quando do embate entre a preservação da empresa e a promoção dos interesses dos trabalhadores, tendem a prezar pela continuidade do organismo empresarial[4], eis que a longo prazo a vantagem à classe tende a ser maior, inclusive classificando os direitos insculpidos na Lei de Recuperação como disponíveis, o que foge à regra da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. [5]

Nesse sentido, algumas decisões proferidas nos primeiros anos de vigência da lei, trataram de sedimentar a soberania das decisões da assembleia no que toca aos aspectos negociais. Nessa linha correu o AI 471.171-4/5-00[6], cuja ementa segue abaixo transcrita, no qual determinado credor trabalhista cujo crédito está sujeito à recuperação judicial, não satisfeito com a aparente inobservância das regras insculpidas no art. 54 da Lei 11.101/05, pleiteou a nulidade das deliberações colegiadas. Na ocasião, o Relator considerou válida a decisão da assembleia geral de credores, uma vez que os diretos em questão são disponíveis e, portanto, passíveis de negociação no âmbito da assembleia regularmente instaurada[7].

RECUPERAÇÃO DE EMPRESA. JUDICIAL. CREDORES. PAGAMENTO. CREDOR TRABALHISTA, ASSIM RECONHECIDO PELA JUSTIÇA DO TRABALHO. IRRESIGNAÇÃO DESTE COM A PROPOSTA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA, QUE NÃO PREVÊ O PAGAMENTO DO SEU CRÉDITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 54 E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LRF. PLANO APROVADO POR UNANIMIDADE PELA CLASSE CONSTITUÍDA POR TITULARES DE CRÉDITOS DERIVADOS DA LEGISLAÇÃO DO TRABALHO OU DECORRENTES DE ACIDENTES DE TRABALHO. SOBERANIA DA ASSEMBLÉIA-GERAL DE CREDORES. DIREITOS TRABALHISTAS QUE SÃO DISPONÍVEIS E PODEM SER OBJETO DE NEGOCIAÇÃO OU TRANSAÇÃO, SENDO A ASSEMBLÉIA-GERAL O PALCO PRÓPRIO PARA DELIBERAÇÕES SOBRE TAL MATÉRIA. LEGITIMIDADE DA REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES PELOS RESPECTIVOS SINDICATOS, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ARTIGO 37, § 5º E § 6º, DA LRF. RECURSO NÃO PROVIDO. (grifado)

Notadamente assentadas em estável base principiológica, as normas trabalhistas, em sua atual configuração, são fruto de anos de árduas batalhas travadas diariamente pela classe, de sorte que deve ser dada a devida interpretação axiológica a toda e qualquer ulterior disposição de lei diversa atinente a afastar um direito penosamente adquirido. Destarte, com o advento da lei 11.101/05, surgiram inúmeros debates acerca da violação de premissas basilares do ordenamento jurídico, especialmente no que toca à negociação de direitos outrora tidos como indisponíveis, bem como à contrariedade a disposições específicas da lei celetista, como no caso do art. 449[8], que trata da subsistência dos direitos advindos do contrato de trabalho por ocasião da concordata, com o devido ajuste terminológico, bem como da possibilidade de declaração de ineficácia da rescisão do contrato, se não mediante o pagamento de ao menos metade dos salários devidos.[9]

A Lei 11.101/05, todavia, tratou de dispor de modo diverso, ao limitar a prioridade dos créditos trabalhistas ao patamar de 150 salários mínimos por credor. Tendo em vista que a lei posterior derroga a anterior conflitante, tem-se que o disposto no aludido artigo da Consolidação das Leis do Trabalho se encontra revogado, sobretudo, pois a convenção 95 da OIT, em seu art. 11.1[10], corrobora o disposto no artigo 83, VI, “c”[11] da lei 11.101/05. Tal exemplo, em que pese estar inserido no âmbito falimentar e, por conseguinte, alheio à recuperação, demonstra a latente necessidade da ponderação principiológica e legal quando da análise dos permissivos introduzidos pela lei 11.101/05, especialmente em se tratando de direitos de cunho trabalhista. Da mesma forma, a solução apontada pelo art. 50, VIII, que possibilita a redução de salários, jornadas e compensações de horários, deve ser proposta levando em conta não só a situação financeira da empresa, mas também as diretrizes primárias do ordenamento jurídico trabalhista, de tal arte que somente o caso específico justificará a limitação ou não dos direitos dos trabalhadores, sendo que tais medidas devem apenas ser invocadas ocorrer em situações extremas e mediante justificativa cabal acerca da real necessidade de privação de direitos trabalhistas, demonstrando-se de modo claro, que a limitação dos direitos dos trabalhadores acarretará em benefícios aos mesmos, inclusive possibilitando a preservação real do emprego.[12]

Tal qual ocorria na legislação anterior, buscou-se proteger aqueles que laboram na empresa em crise. Tal mister, cujo fundamento se encontra no princípio da proteção ao trabalhador, está refletido em diversos dispositivos da lei, dentre eles o já explicitado art. 54 e seu parágrafo, haja vista a natureza alimentar do crédito e a hipossuficiência do trabalhador, que por vezes se vê incapacitado de negociar de forma justa e igualitária as garantias de seu contrato. Destarte, percebe-se que o princípio da proteção ao trabalhador e o da preservação da empresa devem andar juntos no âmbito da recuperação de empresas, pelo que a lei trata de estabelecer uma ordem de prioridades na finalidade que diz perseguir, primando pela manutenção da atividade empresarial em sua plenitude, com o que haverá a possibilidade de preservação dos empregos e consequentemente a satisfação de todos os créditos.[13]

De modo geral, verifica-se, portanto, que os trabalhadores inegavelmente sofrem duras consequências da situação financeira da empresa, de diversas formas. Seja pela redução nos postos de trabalho e investimentos, pelo impacto nos mecanismos de incentivo ou remuneração, pela queda na motivação interna, bem como pela insegurança quanto ao futuro da empresa. Diante da essencialidade do trabalhador no processo de superação das dificuldades da empresa, a Lei de Recuperação de empresas buscou aproximá-lo das negociações, mediante a reserva de um assento ao credor trabalhista no comitê de credores, bem como de outras particularidades. Para além do critério econômico, deve-se levar em conta também os aspectos motivacionais, perspectivas de progresso profissional e administração dos impactos ocasionados por possíveis mudanças na empresa, como fechamento de unidades, terceirizações e vendas de ativos. Desta forma, reputa-se essencial e de todo prudente a transparência na condução do processo, de modo que se transmita de maneira clara a situação da empresa aos representantes da classe, bem como as providências a serem adotadas com vistas a estancar a sangria da organização.[14]

Evidenciados os relevantes interesses dos trabalhadores, tanto no que diz respeito ao seu crédito, quanto à vasta gama direitos advindos do pacto laboral, passa-se ao estudo dos interesses dos credores stricto sensu

2. Os interesses dos credores em sentido estrito

   Em termos históricos, a proteção aos interesses dos credores foi a principal preocupação das legislações concursais de seus primórdios, até idos do século XX, tendo o adimplemento dos débitos guiado a mentalidade dos aplicadores da lei falimentar até recentemente. Todavia, em que pese as legislações subsequentes alçarem a preservação da empresa à condição de pilar do novel instituto da recuperação, o propósito satisfatório não foi afastado, muito embora não seja mais o objetivo principal do sistema. Sob este prisma, os credores são responsáveis por relevantes decisões no âmbito dos processos recuperacionais, inclusive da que se reputa a mais importante de todas, qual seja, a aprovação do plano de recuperação judicial e a consequente concessão da recuperação judicial subjacente.[15]

Para além do fundamental direito ao voto, foi garantida aos credores ampla participação em diversas etapas do processo de modo a promover a defesa de seus interesses. Cite-se, a título de exemplo, a possibilidade de constituição de um comitê de credores, prevista no art. 26[16]; a escolha de um gestor judicial em hipóteses em que há o afastamento do devedor da condução das atividades, forte no art. 65; a possibilidade de impugnar qualquer crédito constante na relação disponibilizada, facultada pelo art. 8[17]; bem como a apresentação de objeções ao plano de recuperação, nos termos do art. 55[18] da Lei de Recuperação de Empresas[19].

Importante destacar, por oportuno, que apesar de os credores submetidos constituírem uma comunhão, não significa necessariamente que os interesses estejam alinhados. Como evidencia Francisco Satiro, a comunhão é criada pela Lei de Recuperação de Empresas em abstrato, de sorte que concretamente cada credor deliberará na exata medida de seu interesse individual, desde que este seja legítimo.[20]

Em casos específicos, como o dos credores financeiros, como bancos e detentores de títulos, verifica-se uma visão mais pragmática sobre o que está em jogo, especialmente, pois estes se sujeitam com frequência aos pleitos recuperacionais, porquanto fomentadores do crédito[21], ainda que tal experiência não signifique necessariamente convergência, não sendo raras as oportunidades em que credores dessa natureza venham a se valer de sua posição privilegiada e de seu poderio econômico para contestar determinados propostas que não atendem aos seus interesses.[22]

Por fim, há de se ressaltar que em se tratando dos interesses dos credores stricto sensu, a satisfação dos créditos não pode ser considerada como único propósito a guiar suas atuações, pelo que se deve ponderar que determinados credores, a exemplo dos fornecedores, buscam, em regra, manutenção de suas relações comerciais com a empresa e, por correlato, a própria preservação da empresa em si.[23]

Verificadas, em linhas gerais, os interesses dos credores no bojo dos processos de recuperação judicial e alguns comandos legais destinados à sua proteção, passar-se-á ao estudo dos interesses da própria devedora, enquanto recuperanda.

3. Os interesses dos devedores

Um dos pilares da Lei de Recuperação de Empresas, a separação dos conceitos de empresa e empresário representa verdadeiro marco legislativo. A desvinculação da empresa da figura de seu controlador, evidencia o propósito de proteção da atividade e não necessariamente do devedor, enquanto administrador ou mesmo acionista, o que se verifica da análise dos dispositivos da lei, que inclusive possibilitam, por exemplo, o afastamento do empresário da condução das atividades se este comprovadamente vier a prejudicar o soerguimento da empresa.[24]

No âmbito do direito recuperacional pátrio, o interesse social, cuja realização é almejada quando da participação da empresa na recuperação, não deve ser aquele que reflete tão somente a vontade dos acionistas e controladores, devendo reproduzir uma composição de interesses muito mais amplos. No entanto, na prática, algumas empresas sofrem de certo grau de fragmentação em seu núcleo diretivo e conflitos de gestão, o que torna a harmonização dos interesses tarefa difícil. Em outras situações, igualmente não raras, a própria empresa passa a ser utilizada como meio de satisfação dos interesses pessoais do controlador ou de determinado grupo de acionistas.[25]

Em vista desta realidade, como esclarece Bezerra Filho[26], a Lei de Recuperação de Empresas tratou de limitar a autonomia dos devedores no âmbito das assembleias de credores. Conforme preconiza o art. 43[27] da 11.101/05, acionistas e controladores que também detenham créditos não possuem direito de voto, haja vista a existência de conflito de interesses, o que não impede, todavia, a sua participação na assembleia-geral, desde que na condição de ouvinte[28], fiscalizando eventuais irregularidades que poderão ser levadas ao juiz.

Via de regra, para o sucesso da recuperação judicial, a empresa em débito precisa passar por profundas revisões internas, que pode atingir a troca de administradores, revisão de estratégias, investimentos e procedimentos. Tal processo, traumaticamente acompanha a exposição negativa da empresa perante o mercado, de sorte que há um desafio fundamental aos devedores em todo e qualquer pleito recuperacional, qual seja: restaurar a motivação, a credibilidade e a crença na viabilidade do negócio, sendo de todo superficial conceber a recuperação como uma mera negociação financeira, uma vez que esta é apenas parte da recuperação, que somente se justifica se o devedor for hábil o suficiente para convencer as partes envolvidas de que vale a pena apostar no empreendimento exânime.[29] Em síntese, o interesse da devedora enquanto empresa, desvinculada da figura de seu controlador, consiste em seu próprio soerguimento, de modo a manter-se no mercado, afastar a insolvência e permanecer gerando riquezas.

Compreendidos alguns dos complexos, porém definidos interesses na preservação da empresa, mister passar ao estudo dos interesses metaindividuais, que por sua natureza ampla e volátil, merecem especial destaque no âmbito do presente estudo.

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4. Os interesses transindividuais

A sociedade inegavelmente se encontra em constante transformação, sobretudo nas últimas décadas, de sorte que o direito naturalmente não poderia ficar alheio a tais mutações, sob pena de deixar de servir ao seu propósito. Tais mudanças exigem que o direito seja aberto, sensível e apto a gerir os emergentes conflitos de interesses daí advindos. A moderna acepção de transindividualidade de direitos, cuja gênese se encontra nos conflitos sociais instaurados no último século, compreende uma categoria de direitos situada entre o âmbito público e o privado, tendo em vista que embora não sejam propriamente estatais, são mais que puramente individuais, eis que são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, ou seja, são compartilhados por vários titulares individuais reunidos pela mesma situação fática ou jurídica.[30]

Nos processos recuperacionais em geral, especialmente naqueles que envolvem empresas de grande porte, reside uma franca expetativa social pela superação do momento de crise, de tal arte que o procedimento como um todo ganha contornos transindividuais, para além da figura isolada do empresário e dos atores do processo.

No âmbito do direito concursal, a relevância social e o reconhecimento do interesse coletivo por ele tutelado não são temas de todo recente. A ampliação da dimensão e da complexidade das estruturas empresariais passou a exigir a consideração de novas funções a serem exercidas pelas normas que regem o direito da empresa em crise, sendo tal mudança de funções um reflexo de uma nova hierarquia de interesses. Com efeito, ao longo da história, o direito concursal tratou de proteger distintos interesses[31], vindo a recentemente reconhecer a existência de valores mais amplos que o mero adimplemento das dívidas[32]. Em dado momento histórico, sob o transe do liberalismo econômico, buscou-se aproximar a liquidação da devedora e a satisfação dos credores do interesse público. Ocorre que com o passar do tempo, tal visão de interesse público não mais se mostrou adequado e que os efeitos sociais e econômicos causados pela crise da empresa, sobretudo as de grande porte, demandam uma tutela mínima, uma vez que as implicações da quebra empresarial não ficam adstritas ao âmbito daqueles que são por ela diretamente afetados. É cediço que a crise pode ocasionar um efeito sistêmico, alastrando consequências negativas para todo o setor econômico em que a empresa moribunda está inserida, vindo, ao final, a atingir uma miríade de indivíduos.[33]

Nesse contexto, tanto nas assembleias, em sua formação e poder de deliberação, como nos sistemas de aprovação do plano de recuperação, seja tácito, ordinário ou extraordinário, a conotação belicista e individualista deverá ceder espaço aos interesses transindividuais, com vistas a preservar a empresa que efetivamente seja recuperável. Com o passar do tempo e a apreciação de casos concretos na justiça, na seara da recuperação, cada vez mais se sofisticarão os meios de auxílio dos credores à empresa em crise, sendo certo que ao ultrapassar a crise e recuperar uma empresa, se estará reconstruído uma célula de real importância ao desenvolvimento social, tendo em vista a infinidade de relações que possibilita a empresa com todos os seus stakeholders[34] internos e externos, sejam eles os próprios credores, funcionários, consumidores, sócios, acionistas ou terceiros de qualquer natureza, o meio ambiente e o próprio Estado, no que toca ao recolhimento de tributos, contribuindo-se, ao final, para o bem-estar de toda a coletividade em sentido amplo.[35]

Partindo dessa premissa, cunhou-se, no âmbito do direito americano, o termo bystanders, que sintetiza a transindividualidade inerente a processos dessa natureza e representa as pessoas que, mesmo não sendo empresários, têm interesses gravitando em torno do desenvolvimento e solidez da empresa, ou seja, trata-se do reconhecimento de que a coletividade como um todo tem seu interesse metaindividual afetado, seja direta ou indiretamente, pelos altos e baixos na trajetória das empresas.[36]

Fábio Ulhoa Coelho[37], com toda sua propriedade, vale-se de uma simplória analogia para exemplificar a aludida transindividualidade dos interesses:

É útil a imagem de três círculos em torno da empresa – a exemplo das elipses representantes dos movimentos dos planetas ao redor do Sol. No círculo mais próximo ao centro, estão representados os interesses dos empresários; mas não somente os deles, como também os dos sócios da sociedade empresária, investidores estratégicos, acionistas do bloco de controle e, nas companhias com elevado nível de dispersão acionária, os dos administradores graduados. No segundo círculo, o mediano, representam-se os interesses dos bystanders: os dos trabalhadores (voltados à preservação de seus empregos e melhoria no salário e nas condições de trabalho), dos consumidores (que precisam ou querem os produtos ou serviços fornecidos pela empresa), do fisco (cuja arrecadação aumenta em relação direta com o desenvolvimento da atividade econômica), dos fornecedores de insumo (empresas satélites, muitas delas exploradas por micro, pequenos e médios empresários), dos investidores não sofisticados no mercado de capitais (se a empresa é explorada por companhia aberta) e dos vizinhos dos estabelecimentos empresariais (normalmente, beneficiados com a valorização do entorno). No terceiro círculo, o mais extenso, são representados os interesses metaindividuais coletivos ou difusos da coletividade, ou seja, o de todos os brasileiros (favorecidos, em caso de plena eficácia dos princípios de direito comercial, pelo decorrente barateamento geral dos preços), e a economia local, regional, nacional e global (com o desenvolvimento, que, afinal, é a soma dos desenvolvimentos das respectivas empresas).

Mostra-se, portanto, de fundamental importância, o princípio da preservação da empresa, como instrumento de tutela dos interesses transindividuais[38], devendo o operador da legislação recuperacional, pautar seu agir tendo como máxima a busca do benefício para o maior número de indivíduos, o que se perfaz por meio da manutenção da empresa viável no mercado. Com efeito, sorte da empresa não pode ficar jungida à simples conduta do empresário, como se entre ele e a recuperanda houvesse uma relação de domínio. Assim, preservação da empresa deve ser um centro autônomo de interesses, cuja intangibilidade deve ser incessantemente almejada, inclusive mediante a tomada de providências mais ásperas, como nos casos de afastamento dos sócios do controle das atividades, em hipóteses em que não haja a devida observância das premissas do direito recuperacional pátrio.[39]

Essa noção de transindividualidade dos interesses ajuda a compreender a dimensão do impacto social da crise da empresa e justifica que a série de mecanismos jurídicos de solução e prevenção da crise postos à disposição do empresário, na medida em que estes não se destinam unicamente à proteção dos interesses destes, mas também, quanto pertinentes, aos interesses mais amplos relacionados com a continuidade da atividade empresarial.[40]

Da análise do cenário atual, verifica-se a significativa alteração na escala de valores envolvidos pela crise empresarial. A preservação da empresa atualmente assume um valor de bem coletivo, haja vista a importância da ampliação do rol dos interesses merecedores de tutela quando da utilização do procedimento recuperatório.[41]

5. CONCLUSÃO

O delicado momento vivido pela nação brasileira, que sofre os reflexos tardios de uma crise econômica de âmbito global, reflete negativamente na saúde das empresas, que, quando imersas em um estado crônico de crise, acabam por atrasar pagamentos perante fornecedores, reduzir o ritmo das contratações ou mesmo promover demissões em massa e o fechamento de filais, ou seja, a ruína da empresa atinge, de modo exponencial, uma vasta gama de interesses que desbordam da esfera estritamente pessoal do empresário, e passam a atingir maior dimensão socioeconômica, afetando o mercado e a sociedade como um todo. Face essa realidade, o uso de mecanísmos jurídicos que propiciam o soerguimento do organismo empresarial recuperável, ainda que à custa de algumas concessões e sacrifícios individuais se mostra a medida mais correta, sobretudo ante o vital papel das empresas na retomada do desenvolvimento da nação. 

NOTAS

[1] Recentes estudos apontam uma interconexão entre o aumento no mal-estar psicofísico do trabalhador e os períodos de severas crises econômicas. Com efeito, em que pese não seja possível afirmar que a crise econômica seja única e exclusivamente a geradora do estresse no trabalhador na atual conjuntura, os transtornos, medos e as incertezas quanto às perspectivas futuras podem gerar nos indivíduos significativas rupturas de ordem financeira, social, familiar e psicológica, o que leva a crer que existem sólidos indícios dos malefícios que a atual crise econômica traz não somente para a economia em si, mas também para a saúde e bem-estar dos trabalhadores. DERISSO, Elder Marcos; ANDRADE, Nivaldo Aparecido de; DERISSO, Everton Márcio. Estresse Causado aos trabalhadores, decorrente da crise econômica mundial. Revista Brasileira de Ciências da Saude, São Carlos, SP, ano VII, nº 20. Abr/jun, 2009. p. 69. Disponível em:<http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/321/146> 

[2] Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>.

[3] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.218.

[4]    Diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça coadunam e evidenciam o intuito preservador dos procedimentos recuperacionais, inclusive mediante a flexibilização dos direitos creditícios de determinadas classes de credores e reforma de decisões manifestamente prejudiciais à recuperação da empresa. Nessa linha, em recente julgado, a presidente do STJ Min. Laurita Vaz, nos autos do Conflito de Competência tombado sob o nº 150.059, deferiu liminar para suspender a penhora de crédito determinada pela Vara do Trabalho suscitada em desfavor da suscitante, uma indústria de montagem de máquinas em recuperação. Em seu voto, a ministra sustentou a necessidade de observância do plano de recuperação aprovado quando da execução do passivo da sociedade em recuperação, tendo em vista o presumível estado de desiquilíbrio financeiro da empresa, bem como a necessária promoção da preservação da empresa, sempre que possível. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Suspensa decisão da Justiça que penhorou créditos de empresa em recuperação. 18 jan. 2017. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/ noticias/Not%C3%ADcias/Suspensa-decis%C3%A3o-da-Justi%C3%A7a-trabalhista-que-penhorou-cr%C3%A9ditos-de-empresa-em-recupera%C3%A7%C3%A3o>

[5] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.218.

[6] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 471.171-4/5-00, da 3ª Câmara Cível. Câmara Reservada à Falência e Recuperações. Agravante José Carlos Costa. Agravada: Viação Aérea São Paulo S.A. Relator: Pereira Calças. São Paulo , 30 de maio de 2007. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do?conversationId=&paginaConsulta =1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=471.171-4%2F5-00&uuidCaptcha=&pbEnviar=Pesquisar>.

[7]    Em importante julgado de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, reconheceu-se a aprovação do plano de recuperação judicial como pleno ato de manifestação de vontade, pelo que não cabe ao judiciário intervir na vontade soberana dos credores, salvo nas hipóteses previstas em lei. Todavia, tal mister não implica na impossibilidade do juízo de promover um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia, com vistas a assegurar a liberdade na manifestação de vontade das partes e a regularidade de seu conteúdo. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.314.209. Recorrente: Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool. Recorrida: Agrícola Santa Rosa LTDA e outro. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 22 de maio de 2012. Disponível em: <https://jurisprudencia.s3.amaz onaws.com/STJ/IT/RESP_1314209_SP_1339302430512.pdf?Signature=M%2BL%2Be31MOLp6oNqaeen3OTCO2EA%3D&Expires=1490466944&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=7f6a70c2e00206c30cd67f72cf0fe99e>.

[8]     Art. 449. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. (...) §2º Havendo concordata na falência, será́ facultado aos contratantes tornar sem efeito a rescisão do contrato de trabalho e consequente indenização, desde que o empregador pague, no mínimo, a metade dos salários que seriam devidos ao empregado durante o interregno. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>.

[9]     DAL MASSO, Fabiano. Direitos Trabalhistas na Falência e Recuperação de Empresas. In: MARTINS, Sérgio Pinto; MESSA, Ana Flávia (coords.). Empresa e Trabalho: Estudos em homenagem a Amador Paes de Almeida. São Paulo: Saraiva, 2010. Livro eletrônico. p. 95-96

[10]     Art. 11.1. Em caso de falência ou de liquidação judicial de uma empresa, os trabalhadores nela empregados terão categoria de credores privilegiados, quer para os salários que lhes são devidos a título de serviços fornecidos durante um período anterior à falência ou à liquidação, e que será́ prescrito pela legislação nacional, quer para os salários que não ultrapassem um montante prescrito pela legislação nacional. (Grifado). ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Escritório no Brasil. Convenção 95. Brasília, DF, 1948. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/node/463>..

[11]     Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101 .htm>.

[12]     DAL MASSO, Fabiano. Direitos Trabalhistas na Falência e Recuperação de Empresas. In: MARTINS, Sérgio Pinto; MESSA, Ana Flávia (coords.). Empresa e Trabalho: Estudos em homenagem a Amador Paes de Almeida. São Paulo: Saraiva, 2010. Livro eletrônico. p. 96-100.

[13] TAVARES, Júlia Evangelista. A proteção ao trabalhador em face da recuperação judicial. JusNavigandi. Teresina, 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/47220/a-protecao-ao-trabalhador-em-face-da-recuperacao-judicial>

[14] TORO, Antônio Cardoso. Recuperação de empresas: Interesses e posicionamentos na negociação. In: OLIVEIRA, Fátima Bayma de (org.). Recuperação de empresas: Uma múltipla visão da nova lei: Lei 11.101/05 de 09.02.2005. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. Livro eletrônico. p. 46.

[15] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.221-222.

[16] Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição: I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes; II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes; III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes. IV - 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>.

[17]  Art. 8. No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7o, § 2o, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>.

[18]  Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 25 mar. 2017.

[19] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.222-223.

[20] SATIRO, Francisco. Autonomia dos Credores na Aprovação do Plano de Recuperação Judicial. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; WARDE JUNIOR, Walfredo Jorge; GUERREIRO, Carolina Tavares. Direito Empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p.9 Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/39721087/SATIRO_-_Autonomia_dos_credores_da_RJ_-_Academia.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAJ56TQJRTWSMTNPEA&Expires=1484440265&Signature=NosfprGkDNvHHKCqPzQjaIEXggQ%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DAutonomia_dos_Credores_na_Aprovacao_do_P.pdf>

[21] Acerca da participação dos credores financeiros, vale destacar a não sujeição dos créditos fiduciários de bens móveis ou imóveis aos efeitos da recuperação judicial, inteligência do art. 49, §3º da lei 11.101/05. Na prática, tais créditos via de regra se encontram em poder de instituições financeiras e tendem a representar somas significativas, o que poderia prejudicar ou mesmo inviabilizar o soerguimento da empresa em determinadas situações. Todavia, sob uma ótica diversa, a exclusão dos créditos em questão contribuiria para a redução do spread bancário, dando maior segurança para os bancos, o que facilitaria indiretamente a concessão de crédito para as empresas em dificuldade. PEREIRA, Robson. Os conflitos de interesse na recuperação de empresas. Consultor Jurídico, São Paulo, 29 ago. 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-ago-29/estante-legal-conflitos-interesses-recuperacao-empresas>

[22] TORO, Antônio Cardoso. Recuperação de empresas: Interesses e posicionamentos na negociação. In: OLIVEIRA, Fátima Bayma de (org.). Recuperação de empresas: Uma múltipla visão da nova lei: Lei 11.101/05 de 09.02.2005. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. Livro eletrônico. p. 49.

[23] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.217.

[24] SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo; SPINELLI, Luis Felipe. Objetivos e princípios da lei de falências e recuperação de empresas. Júris Síntese, São Paulo, SP, 17 set. 2012. Disponível em: <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229>

[25] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.225.

[26] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada / Lei 11.101/ de 09 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. Livro eletrônico. p. 123.

[27] Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da assembléia-geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e de deliberação. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>.

[28] Sem prejuízo da vedação inserida pelo artigo em comento, a lei 11.101/05 prevê, em determinadas hipóteses, a necessidade de prévia concordância dos acionistas, como no caso das operações societárias no bojo das recuperações judiciais, o que demonstra a preocupação com os interesses, direitos e garantias daqueles que participam do capital social do devedor. (CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.229.) 

[29] TORO, Antônio Cardoso. Recuperação de empresas: Interesses e posicionamentos na negociação. In: OLIVEIRA, Fátima Bayma de (org.). Recuperação de empresas: Uma múltipla visão da nova lei: Lei 11.101/05 de 09.02.2005. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. Livro eletrônico. p. 47.

[30] OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Considerações sobre os direitos transindividuais. Cognitio Juris, João Pessoa, PB, Ano I, Número 2, ago. 2011. Disponível em <http://www.cognitiojuris .com/artigos/02/06.html>.

[31] Acerca da temática, Alberto Wunderlich ao referir a teoria do dualismo pendular de Fábio Comparatto, destaca haver uma dúvida quanto ao real interesse do sistema falimentar brasileiro anterior, que por vezes tinha como objetivo a proteção dos interesses dos credores e em outras situações visava proteger os devedores, de sorte que se tornava impossível a proteção de ambos, pelo que era possível evidenciar o desconhecimento do legislador quanto à realidade da empresa, como centro de múltiplos interesses. (WUNDERLICH, Alberto; SANTOS, Paula Neumann dos. A importância do instituto da recuperação judicial frente ao princípio da função social da empresa. Boletim Jurídico, Uberaba, MG, 16 jun. 2010. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2046>

[32]   Mister destacar a fala de Ulhoa acerca do Projeto de Lei do Senado nº 487/2013, o qual tem como escopo a reforma do Código Comercial e projeta expressamente, em seu art. 32, II, o princípio do impacto social da crise da empresa como aplicável à recuperação judicia e à falência. O art. 34, por sua vez, proclama que por força do dito impacto social, a prevenção e solução das empresas serão destinadas não somente à proteção dos interesses do empresário, credores e empregados, mas sim, quando necessário e possível, à proteção dos interesses metaindividuais relacionados à continuidade da atividade empresária. COELHO, Fábio Ulhoa. A crise da empresa no projeto do Código Comercial. In: FÁTIMA, Nancy Andrighi; BENETI, Sidnei; ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). 10 anos de vigência da lei de recuperação e falência: (Lei n. 11.101/2005): retrospectiva geral contemplando a Lei Complementar n. 147/2014. São Paulo: Saraiva, 2015. Livro eletrônico. p.163-165. Vale ressaltar, todavia, a falta de unanimidade da doutrina acerca da real necessidade de um novo código comercial, bem como da pertinência de determinadas disposições. No que diz respeito ao objeto do presente artigo, diversos pontos são criticados, como: a positivação de alguns princípios amplamente aceitos no âmbito dos procedimentos falimentares e a omissão de outros, além da especificação da maneira como certos princípios devem ser interpretados, limitando, de certa forma, o papel da doutrina e jurisprudência; o não enfrentamento de pontos nebulosos na recuperação de empresas, como o cram down; deficiências da recuperação especial para micro e pequenas empresas, limitações da recuperação extrajudicial, dispondo, em regra, sobre tópicos pontuais; a possibilidade de o sindicato aprovar prazo para pagamento superior a um ano para credores trabalhistas na recuperação, o que vai de encontro a atual redação do art. 54 da lei 11.101/05; a possibilidade de a falência ser decretada pela assembleia, ato atualmente apenas de competência do juiz; além do duramente criticado regime da falência transnacional, o qual prevê que o titular de crédito estrangeiro não executável no Brasil será pago apenas após os credores quirografários, o que presumivelmente desestimulará o investimento estrangeiro no país; bem como a possibilidade de o Ministério Público pedir a falência de uma subsidiária nacional quando a matriz estrangeira tiver a falência decretada, independentemente de sua atual situação econômico-financeira. RIBEIRO DIAS, Leonardo Adriano. Modificações na lei de Recuperação no projeto do Código Comercial. Consultor Jurídico, São Paulo, SP, 19 ago. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br /2016-ago-19/leonardo-dias-projeto-codigo-comercial-afeta-lei-recuperacao> Acesso em: 05 fev. 2017. Acerca das disposições correspondentes à falência transnacional, Francisco Satiro, em artigo colaborativo, sustenta a sua manifesta contrariedade ao modelo Unicitral atualmente adotado no Brasil e em diversos países do mundo, o qual consagra, em seu art. 13º, o princípio da não discriminação, ao determinar que não deve o credor estrangeiro ser tratado de forma pior que os credores nacionais. Ao dispor de modo diverso, a redação do projeto do Código Comercial vai de encontro ao propósito unificador do modelo, necessário na economia globalizada dos dias atuais. SATIRO, Francisco; CAMPANA FILHO, Paulo Fernando; BECUE, Sabrina. Insolvência Transnacional e o projeto do Código Comercial. Jota, São Paulo, SP, 05 jul. 2016. Disponível em: <http://jota.info/artigos/insolvencia-transnacional-e-o-projeto-de-codigo-comercial-05072016>

[33] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.231-233.

[34] Por stakeholder, entende-se o modelo de governança, de origem nipo-germânica, onde os interesses são múltiplos, envolvem responsabilidades corporativas, em relação aos interesses nacionais e sociais, balanços sociais, ambientais e indicadores de atendimento de dispositivos legais. Os objetivos não estão centrados tão somente no retorno de investimentos e no acréscimo patrimonial dos acionistas e controladores, mas sim no compromisso com outras partes interessadas no desenvolvimento da empresa. Destarte, além das partes envolvidas no modelo stakeholder, insere-se um público interno, caracterizado por empregados, fundações de assistência e seguridade, entre outros; bem como um público externo, formado por credores, fornecedores, consumidores, clientes, governo, comunidade em geral, meio ambiente, além dos órgãos normativos do mercado de capitais. SANTOS, Roseli Rego. A importância da governança corporativa para a preservação da atividade empresarial no regime jurídico de recuperação de empresas. Publica Direito. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos /?cod=f3e52c300b822a81>

[35] FILHO, Adalberto Simão.  Interesses transindividuais dos credores nas assembleias-gerais e sistemas de aprovação do plano de recuperação judicial. In: DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo (coord.). Direito recuperacional – Aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.63-64.

[36] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v.3: Direito de empresa. Livro eletrônico. p. 116.

[37] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v.3: Direito de empresa. Livro eletrônico. p. 116.

[38] No âmbito do direito norte-americano, diversos autores sustentam a necessidade de se levar em conta uma base mais ampla de interesses na tomada de decisões quanto a reorganização da empresa. Defende-se a participação de todos, que de alguma forma possuem interesses não econômicos na reestruturação, segundo determinados critérios. Algumas medidas atinentes a favorecer a parcitipação de atores externos consistiriam em: (i) Notificação dos stakeholders acerca do pedido e demais etapas do processo; (ii) Outorga de direitos de participação nas assembleias; (iii) A atribuição de papel de amicus curae a representantes de determinados grupos de interesse, entre outros. Vale destacar, entretanto, que embora o dito sistema caminhe na direção da admissibilidade de novos interesses no procedimento, na prática tais propostas não foram aptas a afastar de forma satisfatória a insegurança jurídica a incidir sob o processo, bem como a estruturar um mecanismo plenamente apto a ser utilizado pelo poder judiciário. (CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.332-334)

[39] PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 409.

[40] COELHO, Fábio Ulhoa. A crise da empresa no projeto do Código Comercial. In: FÁTIMA, Nancy Andrighi; BENETI, Sidnei; ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). 10 anos de vigência da lei de recuperação e falência: (Lei n. 11.101/2005): retrospectiva geral contemplando a Lei Complementar n. 147/2014. São Paulo: Saraiva, 2015. Livro eletrônico. p.166.

[41] CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: O princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012. p.236.

Sobre o autor
Luiz Guilherme Winckler

Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Bacharel em direito pela mesma instituição, Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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