Nunca desista de seu sonho. Vale a pena amar, tentar sempre de novo seu desiderato, ainda que à luz da terra seja improvável, pois mesmo diante da escuridão da vida, é certo que uma estrela há de iluminar seu caminho, dando-lhe sabedoria e discernimento e mostrando-lhe a verdadeira direção.
( JEFERSON BOTELHO)
RESUMO. O presente ensaio tem por finalidade precípua analisar sem caráter exauriente a novíssima Lei nº 13.819/2019, que instituiu no Brasil a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do suicídio, visando a prevenção desses eventos e para o tratamento dos condicionantes a eles associados.
Palavras-Chave. Saúde Pública. Política Nacional. Violência. Autoprovocação. Prevenção. Notificação compulsória.
RESUMEN. Este ensayo pretende analizar primaria sin carácter exauriente la nueva Ley Nº 13.819/2019, que inició en Brasil la política nacional a autolesionarse y prevención del suicidio, dirigidas a la prevención de estos eventos y para el tratamiento de condiciones asociadas con ellos.
Palabras clave. Salud pública. Política nacional. Violencia. Autoprovocação. Prevención. Notificación obligatoria.
A proteção à vida, longe de ser apenas política interna, mas compromisso das Nações Unidas para proteção do mais importante bem jurídico, a vida, considerando que a cada 40 segundos uma pessoa coloca fim a própria vida em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Falar sobre esse assunto não é tarefa tão fácil, mas é preciso quebrar tabus, enxergar o sofrimento de pessoas e se aproximar delas para efetivo acolhimento e proteção.
Recentemente, foi publicada a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, com previsão de entrada em vigor no prazo de noventa dias a partir de sua publicação, portanto, no dia 28 de julho de 2019, conforme contagem de tempo a teor do artigo 8º da Lei Complementar nº 95/98.
O citado comando normativo institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do suicídio, a ser implementada pela União, em perfeita cooperação como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Destarte, fica instituída a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, como estratégia permanente do poder público para a prevenção desses eventos e para o tratamento dos condicionantes a eles associados.
A Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio será implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e com a participação da sociedade civil e de instituições privadas.
O artigo 3º definiu nove objetivos colimados da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, sendo eles os seguintes:
I – promover a saúde mental;
II – prevenir a violência autoprovocada;
III – controlar os fatores determinantes e condicionantes da saúde mental;
IV – garantir o acesso à atenção psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, especialmente daquelas com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio;
V – abordar adequadamente os familiares e as pessoas próximas das vítimas de suicídio e garantir-lhes assistência psicossocial;
VI – informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância e a relevância das lesões autoprovocadas como problemas de saúde pública passíveis de prevenção;
VII – promover a articulação intersetorial para a prevenção do suicídio, envolvendo entidades de saúde, educação, comunicação, imprensa, polícia, entre outras;
VIII – promover a notificação de eventos, o desenvolvimento e o aprimoramento de métodos de coleta e análise de dados sobre automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados, envolvendo a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os estabelecimentos de saúde e de medicina legal, para subsidiar a formulação de políticas e tomadas de decisão;
IX – promover a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde em todos os níveis de atenção quanto ao sofrimento psíquico e às lesões autoprovocadas.
Em razão da grande preocupação social com o tema em foco, criou-se um número de autoajuda para amparar a quem se encontre passando por sérias dificuldades na vida, com atendimento especializado, no caso, o Disque 188, do Centro de Valorização da Vida, fundado em São Paulo, em 1962, associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, reconhecida como de Utilidade Pública Federal, desde 1973 e que funciona 24 horas como ferramenta de apoio emocional a quem precisa de ajuda psicológica.
Não obstante, o artigo 4º da nova lei, previu que o poder público manterá serviço telefônico para recebimento de ligações, destinado ao atendimento gratuito e sigiloso de pessoas em sofrimento psíquico.
Além da comunicação telefônica, outras formas de comunicação serão criadas, sobretudo, que facilitem o contato, observados os meios mais utilizados pela população, devendo os atendentes terem qualificação técnica e adequada, o que será detalhado em regulamento próprio.
Este tipo de serviço deverá ter ampla divulgação em estabelecimentos com alto fluxo de pessoas, assim como por meio de campanhas publicitárias.
O poder público poderá celebrar parcerias com empresas provedoras de conteúdo digital, mecanismos de pesquisa da internet, gerenciadores de mídias sociais, entre outros, para a divulgação dos serviços de atendimento a pessoas em sofrimento psíquico.
Os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada são de notificação compulsória pelos estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias e pelos estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.
A citada lei definiu aquilo que se entende por violência autoprovocada, como sendo:
I – o suicídio consumado;
II – a tentativa de suicídio;
III – o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.
Nos casos que envolverem criança ou adolescente, art. 2º da Lei nº 8.069/90, o conselho tutelar deverá receber a notificação de suicídio, nos termos de regulamento.
Para a notificação compulsória de violência provocada, a lei assegura caráter sigiloso, e as autoridades que a tenham recebido ficam obrigadas a manter rigoroso sigilo.
Os estabelecimentos de saúde públicos e privados deverão informar e treinar os profissionais que atendem pacientes em seu recinto quanto aos procedimentos de notificação estabelecidos na lei em estudo.
O regulamento disciplinará a forma de comunicação entre o conselho tutelar e a autoridade sanitária, de forma a integrar suas ações nessa área.
Nos casos que envolverem investigação de suspeita de suicídio, a autoridade competente deverá comunicar à autoridade sanitária a conclusão do inquérito policial que apurou as circunstâncias da morte.
Aplica-se, no que couber, à notificação compulsória no novo comando legal o disposto na Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.
A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde fica acrescida como o artigo 10-C, in verbis:
“Art. 10-C. Os produtos de que tratam o inciso I do caput e o § 1º do art. 1º desta Lei deverão incluir cobertura de atendimento à violência autoprovocada e às tentativas de suicídio.”
É certo que a referida lei ainda será regulamentada e claramente definirá outras questões importantes, como prazo para a notificação compulsória, consequências administrativas em caso de não notificação, tipicidade penal, além de outros assuntos importantes.
Por exemplo, a Portaria nº 204, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2016 define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo legal, e dá outras providências.
Referido ato administrativo conceitua notificação compulsória, imediata e semanal, negativa e vigilância sentinela, art. 2º, a saber:
VI - notificação compulsória: comunicação obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de saúde pública, descritos no anexo, podendo ser imediata ou semanal;
VII - notificação compulsória imediata (NCI): notificação compulsória realizada em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir do conhecimento da ocorrência de doença, agravo ou evento de saúde pública, pelo meio de comunicação mais rápido disponível;
VIII - notificação compulsória semanal (NCS): notificação compulsória realizada em até 7 (sete) dias, a partir do conhecimento da ocorrência de doença ou agravo;
IX - notificação compulsória negativa: comunicação semanal realizada pelo responsável pelo estabelecimento de saúde à autoridade de saúde, informando que na semana epidemiológica não foi identificado nenhuma doença, agravo ou evento de saúde pública constante da Lista de Notificação Compulsória; e
X - vigilância sentinela: modelo de vigilância realizada a partir de estabelecimento de saúde estratégico para a vigilância de morbidade, mortalidade ou agentes etiológicos de interesse para a saúde pública, com participação facultativa, segundo norma técnica específica estabelecida pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS).
O responsável pela notificação, no caso de um médico, por exemplo, caso não comunique a violência autoprovocada, poderá se enquadrar no artigo 269 do Código Penal?
É certo que a conduta criminosa se refere a omissão de notificação de doença, crime contra a saúde pública, consistente em deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória, com pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
O autor ou porque não dizer vítima de autoprovocação de violência é enquadrado como doença de notificação compulsória?
Sabe-se que segundo estudos especializados, o risco de suicídio não tem uma classificação própria, pois é fenômeno que pode ocorrer em vários quadros clínicos diferentes e, mais raramente, na ausência de qualquer quadro clínico.
A maior parte das pessoas que planejam, tentam ou pensam insistentemente em suicídio sofre de algum transtorno psíquico, devendo ser feito seu diagnóstico e sua classificação segundo o transtorno.
Quando já ocorreu o evento, consumada ou frustrada, utilizam-se os itens da CID-10 abaixo: X60 a X84 - Lesões autoprovocadas intencionalmente.
X60 Autointoxicação por e exposição, intencional, a analgésicos, antipiréticos e antireumáticos, não-opiáceos;
X61 Autointoxicação por e exposição, intencional, a drogas anticonvulsivantes [antiepilépticos] sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos não classificados em outra parte;
X62 Autointoxicação por e exposição, intencional, a narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos] não classificados em outra parte;
X63 Autointoxicação por e exposição, intencional, a outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo;
X64 Autointoxicação por e exposição, intencional, a outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas e às não especificadas;
X65 Autointoxicação voluntária por álcool;
X66 Autointoxicação intencional por solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores;
X67 Autointoxicação intencional por outros gases e vapores;
X68 Autointoxicação por e exposição, intencional, a pesticidas;
X69 Autointoxicação por e exposição, intencional, a outros produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas;
X70 Lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocação;
X71 Lesão autoprovocada intencionalmente por afogamento e submersão;
X72 Lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de arma de fogo de mão;
X73 Lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de espingarda, carabina, ou arma de fogo de maior calibre;
X74 Lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de outra arma de fogo e de arma de fogo não especificada;
X75 Lesão autoprovocada intencionalmente por dispositivos explosivos;
X76 Lesão autoprovocada intencionalmente pela fumaça, pelo fogo e por chamas;
X77 Lesão autoprovocada intencionalmente por vapor de água, gases ou objetos quentes;
X78 Lesão autoprovocada intencionalmente por objeto cortante ou penetrante X79 Lesão autoprovocada intencionalmente por objeto contundente;
X80 Lesão autoprovocada intencionalmente por precipitação de um lugar elevado;
X81 Lesão autoprovocada intencionalmente por precipitação ou permanência diante de um objeto em movimento;
X82 Lesão autoprovocada intencionalmente por impacto de um veículo a motor;
X83 Lesão autoprovocada intencionalmente por outros meios especificados;
X84 Lesão autoprovocada intencionalmente por meios não especificados.
Não desista do amor, não desista de amar, não se entregue à dor, porque ela um dia vai passar...
( PADRE FÁBIO DE MELO)
A nova lei trouxe inovações importantes para a proteção da vida e da integridade física das pessoas. Entrementes, não se pode fechar os olhos para a nossa triste realidade nesse quesito.
O nosso Brasil sofre com os 63.875 homicídios dolosos, também com os 45 mil homicídios de trânsito, e um sem números de autoextermínio, registrados anualmente.
As estatísticas não são positivas, ao contrário, altamente preocupantes, números elevados, perdas irreparáveis, sofrimentos que se eternizam, cicatrizes perenes, lamentavelmente, causas multifatoriais têm afetado as pessoas, crianças, jovens e idosos, qualquer que seja a idade, de forma significativa.
Sabe-se que em 2014 o Centro de Valorização da Vida, o Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria criaram a campanha Setembro Amarelo e teve por escopo a conscientização sobre a prevenção do suicídio por meio de identificação de locais públicos e particulares com a cor amarela e ampla divulgação de informações, além de alertar a população a respeito da realidade do suicídio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção.
É preciso mesmo que o Poder Público possa criar políticas públicas eficazes para a prevenção da violência autoprovocada.
E que não fique tão somente em criação de números de utilidade pública, campanhas publicitárias, carta de intenções, proteção meramente formal, e punição para os omissos da notificação compulsória, seja na esfera administrativa, civil ou penal, mas que haja criação concreta de modelos e métodos avançados para detecção de sintomas e de propensões além de oferta de serviços e tratamento qualificados a pessoas que necessitem do serviço público de saúde, mas que seja prestação eficiente, universal, com prioridade das medidas preventivas, e sem as costumeiras longas filas e esperas a fio pelo atendimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Risco de Suicídio Protocolo Clínico. Disponível em http://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/atencao-basica/saude-mental/protocolos-da-raps/9202-risco-de-suicidio/file. Acesso em 06 de maio de 2019, às 15h55min.