A nomenclatura jurídica pela imprensa

07/05/2019 às 15:52
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Nomenclatura é a terminologia adotada por determinada ciência. É o conjunto de termos peculiares a uma arte ou ciência, seu vocabulário próprio, sua forma de descrever os fatos e objetos do seu mundo analítico, seu código.

INTRODUÇÃO

     

            Antes de tecer alguns comentários sobre a linguagem científica e a linguagem laica, seria bom narrar recente notícia publicada na imprensa.

            Dizia a notícia que a justiça eleitoral estava enviando intimações para os nomeados às juntas eleitorais cominando, para o caso de não comparecimento no dia das eleições, pena de um (1) ano de prisão.

            O órgão de imprensa considerava repulsiva a linguagem severa utilizada nas cartas de intimação e afirmava que as boas maneiras, a cortesia e os bons modos deveriam ser observados pelo Poder Judiciário.

            Este é apenas um exemplo das diferenças existentes entre a nomenclatura jurídica e a sua tradução para a linguagem popular pela imprensa.

1. A LINGUAGEM E SUA FUNÇÃO

            “A linguagem é a base das relações sociais e, em razão disso, os diversos grupos de uma comunidade linguística organizam um código comunicativo próprio, formando, ao lado da língua-padrão, um universo semiológico.”[1]

            A linguagem existe para representar graficamente os pensamentos humanos.

            Nesse contexto, o texto jurídico é uma forma de comunicação, nele ocorrem os elementos envolvidos no ato comunicatório; deve haver, então, um objeto de comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao receptor por um emissor, através de um canal, e utilizando um código próprio.[2]

            Da necessidade de uma linguagem própria advém a expressão latina nomenclatura.

            Nomenclatura é a terminologia adotada por determinada ciência. É o conjunto de termos peculiares a uma arte ou ciência, seu vocabulário próprio, sua forma de descrever os fatos e objetos do seu mundo analítico, seu código.

            Na Ciência Jurídica a nomenclatura é o nomen juris.

            Sendo científica, a linguagem jurídica é precisa, objetiva, denotativa, referencial e autoritária. Já a informação jurídica divulgada pela imprensa é imprecisa, subjetiva, conjectural, não comprometida com a realidade dos fatos.

            O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, a nomenclatura que, no dizer de Miguel Reale, é uma linguagem científica, para que o excesso de palavras plurissignificativas não dificulte a representação simbólica da linguagem.

            Por exemplo: a incompetência do juízo tem significado diverso na nomenclatura jurídica e na linguagem da imprensa. Na primeira, significa que o titular do juízo não pode exercer a jurisdição em dado caso; na segunda, que o juiz não é um profissional competente.

            A construção do discurso jurídico visa o convencimento e utiliza os princípios da lógica clássica para a organização do pensamento; o discurso informativo, inerente à imprensa, é meramente divulgador de fatos, sem compromisso com a nomenclatura científica.  

2. NOMENCLATURA JURÍDICA E IMPRENSA

            Assim, temos duas realidades distintas decorrentes do uso da nomenclatura jurídica: a primeira, aquela utilizada pelos “operadores, protagonistas ou cuidadores do Direito” – como se deseje adjetivar - , pessoas treinadas em uma linguagem própria, inerente à elaboração dos trabalhos de sua atividade, um código lingüístico; e, a segunda, a linguagem utilizada pela imprensa para traduzir o juridiquês para o vernáculo popular, desvirtuando a nomenclatura jurídica em favor da informação acessível ao vulgo, ao leigo.

            Dessas duas realidades surge o confronto entre o bem informar – pela imprensa – e o uso da terminologia científica-jurídica – pelos estudiosos do Direito.

            O ato comunicativo jurídico é prescritivo e descritivo, não se podendo moldar às necessidades lingüísticas dos consumidores de informação popular, leiga.

            Isso gera um confronto que não é negativo, já que traduz a necessidade de se comunicar bem e eficientemente, em linguagem acessível, as coisas do Direito ao mundo laico, ao cotidiano das pessoas, o que é feito pela divulgação dos fatos jurídicos e sociais pela imprensa.

3. A IMPRENSA E SUA IMPORTÂNCIA

            Rui Barbosa afirmou que a imprensa era os olhos da nação e, portanto, a ela deveria ser assegurada a plenitude da liberdade de expressão e divulgação de todos os fatos sociais, econômicos, políticos e jurídicos. Porém, a Justiça é, tradicionalmente, cega! 

            E a quem competiria assegurar tal liberdade à imprensa? A resposta é clara: ao Judiciário. 

            Portanto, Judiciário e Imprensa têm que conviver o mais harmonicamente possível, especialmente, no campo da divulgação dos atos e fatos jurídicos reguladores que são das relações sociais.

4. O CONFLITO, SUAS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

            De um lado, a Ciência Jurídica com a sua nomenclatura - linguagem científica -, apropriada ao seu desenvolvimento como ciência, porém inacessível ao leigo; e, do outro, o esforço da imprensa em divulgar de forma simples e compreensível ao leitor leigo os fatos do mundo jurídico, distorcendo a linguagem científica, deturpando a nomenclatura jurídica, em favor da prestação da informação.

            Contudo, a imprensa não peca contra a nomenclatura jurídica inocentemente; ela peca pela necessidade de divulgar os fatos em um tempo quase real, sob pena de fenecer economicamente, pois quanto mais rápido chega a informação ao leitor, mais o veículo de comunicação se populariza e atraia publicidade, gerando lucros.

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            Divulgam-se, então, os fatos e atos jurídicos de qualquer modo, sem audiência prévia dos seus produtores, acarretando a deturpação da linguagem científico-jurídica e, em conseqüência, dos próprios fatos.

            Conforme o ditado popular: “A pressa é inimiga da perfeição”.

            Como resolver tal conflito?

            Eliminando, como desejam alguns, o uso da nomenclatura jurídica, a denominada linguagem empolada, rebuscada, em favor de maior acessibilidade ao leigo?

            Se toda ciência tem uma linguagem própria, um conjunto de termos para designar seu objeto, um código comunicativo, eliminar a nomenclatura jurídica seria como extinguir do mundo das ciências o Direito como disciplina científica.

            Qual seria a solução? 

5. A SOLUÇÃO

            O esforço na busca de uma solução para o conflito entre o uso da nomenclatura jurídica e a sua distorção pela linguagem da imprensa, deve ser no sentido da maior transparência dos atos jurídicos, inclusive pela divulgação antecipada da realização dos seus atos.

            Por exemplo: a divulgação prévia da realização das audiências, entrega das peças jurídicas e o cumprimento dos prazos, abrindo um permanente canal de comunicação entre os protagonistas do direito e a imprensa, possibilitando um lápso temporal para a imprensa deglutir a linguagem jurídica e traduzi-la para a linguagem comum. 

            De parte da imprensa, deve ser observado um maior zêlo em não atropelar os fatos, pela urgência da sua divulgação, prejudicando o próprio conteúdo da informação divulgada. Como? Acompanhando permanentemente os trabalhos jurisdicionais, e não somente quando o fato em foco é socialmente relevante.

6. A NOMENCLATURA JURÍDICA PELA IMPRENSA

            No sentido da correção na divulgação dos fatos e atos jurídicos, as direções dos grandes jornais, rádios e tvs do país têm elaborado manuais de redação num esforço para um melhor e mais correto fornecimento de informações.

            Assim, os manuais de redação dos jornais O GLOBO e FOLHA DE SÃO PAULO, já trazem explicações sobre a linguagem jurídica, afirmando que ela é imperativa: que o juiz não pede nem requer; o juiz manda, determina, sentencia, julga; que as partes se dirigem ao juiz para pedir, solicitar, requerer, apelar; que o juiz não emite pareceres, e sim o Ministério Público e os juristas; que nos tribunais os juízes votam e, portanto, não sentenciam, e assim por diante.

            A busca de uma linguagem mais acessível ao leigo para a divulgação dos fatos jurídicos deve ser permanente, porém jamais deve-se exigir que uma ciência relegue a sua própria linguagem, o seu código lingüístico, a sua nomenclatura, em favor da célere divulgação de informações pela imprensa, que não tem o compromisso com as conseqüências advindas dos atos jurídicos praticados e materializados, justamente, através da nomenclatura jurídica.

CONCLUSÕES

            Não se pode exigir de uma ciência - no caso, a Ciência Jurídica -, que renuncie ao seu código lingüístico, pois tal corresponderia a pedir a um ser humano para renunciar à própria vida.

            Por fim, deve-se perguntar, sempre, diante da informação jurídica transmitida pela imprensa, como o fazia T. S. Eliot: “onde está o conhecimento que perdemos na informação?”  


[1]              Curso de Português Jurídico, São Paulo: Atlas, 1999.

[2]              Idem.

Sobre o autor
R. Carlyle

MBA em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio (2009). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFCE, obtendo o título de Master in Science com a dissertação Controle Jurisdicional das Comissões Parlamentares de Inquérito (2002). Participou II Curso de Especialização em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (1989). Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais - DIREITO pelo Instituto de Ciências Humanas de Mossoró da atual Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – FUERN (1986). Livros publicados A “Reinvenção” do Judiciário. Scortecci editora, SP, 2014. Desafios ao Direito no Século XXI. Scortecci editora, SP, 2011. Temas de Direito. Scortecci editora, SP, 2011. Juiz Presidente da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte (2017-2020). Juiz de Direito titular da 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal (Capital), desde 1997. Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (biênio 2013-2014). Juiz suplente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (biênio 2005-2006). Juiz Auxiliar do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte nas Eleições de 2006. Professor, orientador e examinador no Curso de Preparação à Magistratura (especialização lato sensu) da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte - ESMARN./TJRN. Juiz Preceptor nos Cursos de Formação Inicial de Magistrados na ESMARN/TJRN. Lecionou “Sentença Penal” na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte – FESMP; “Direito Penal” no curso de Direito da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte – FARN (2001); e “Processo Penal” no curso de Direito da Universidade Potiguar – UNP (1999-2000). Ministrou aulas de “Direito Eleitoral” na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Norte e de “Direito Processual Penal” na Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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