INTRODUÇÃO
A possibilidade de aplicação dos aportes técnicos da Mediação – extrajudicial - na Conciliação – judicial – prescinde de uma análise histórica sobre a crise da Justiça e os movimentos alternativos a ela, significando para alguns um enfraquecimento do Poder Jurisdicional e para outros tantos uma melhoria nos aspectos relevantes da solução de conflitos de interesses, como o sem a tutela do Estado-Juiz.
Não restam dúvidas de que o renascimento das vias conciliatórias é devido, em grande parte, à crise da Justiça. A formalidade e a complexidade dos meios judiciais de solução de conflitos tende à morosidade dos processos, enfeixando a idéia de outros meios ou caminhos de célere resolução das questões conflitantes.
Ademais, a busca pela eficiência na resolução célere e econômica dos conflitos tem levado à busca de meios alternativos à tutela jurisdicional, dentre eles, com destaque, a mediação e a arbitragem.
Desde o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - a denominada Lei da Arbitragem -, cresce no Brasil o movimento pelos meios alternativos à tutela judicial de resolução de conflitos, ainda que, como saída de emergência, o próprio Judiciário tenha instituído os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, através de Lei nº 9.099/1995, na tentativa de evitar o que alguns consideram a “privatização” da Justiça.
Urge, nesse contexto, ressaltar três marcantes aspectos que iluminam a Mediação, seja no âmbito dos Juizados Especiais ou no seio da Justiça comum, sendo eles: a) o funcional; b) o social; e, c) o político.
Sobre tais aspectos e a possibilidade de transposição dos aportes da Mediação para a Conciliação teceremos as considerações a seguir desenvolvidas, de forma sucinta e escorreita.
1. CONCEITOS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
Inicialmente, devem ser sufragados os conceitos aceitos de Mediação e Conciliação, através das acepções linguisticas, trazidas pelos dicionaristas.
Assim sendo, Mediação (do latim, mediatione) seria para o Dicionário Eletrônico Aurélio “Ato ou efeito de mediar; Intervenção, intercessão, intermédio; relação que se estabelece entre duas coisas, ou pessoas, ou conceitos, por meio de uma terceira coisa, ou pessoa, ou conceito, etc.”
Percebe-se, claramente, que o termo Mediação estabelece uma ligação entre duas partes, porém exigindo a intervenção de um terceiro, o mediador, para operar a relação de interesses intersubjetivos.
Para o mesmo dicionário, o termo Conciliação (do latim, conciliatione) implica “Ato ou efeito de conciliar; harmonização de litigantes ou pessoas desavindas.”
Ou seja, em ambos os conceitos denota-se uma desavença, um desalinhamento de interesses entre duas coisas, pessoas, partes, ou conceitos, exigindo uma harmonização que preencha a lacuna acarretada pela ausência de composição de interesses.
Porém, enquanto a Conciliação pode ocorrer entre duas partes em litígio – judicial ou extrajudicialmente – sem a intervenção de qualquer terceiro (juiz, conciliador), a Mediação exige a intercessão de terceira pessoa, visando afastar os litigantes dos aspectos meramente conflitantes, através da busca de soluções possíveis para satisfação dos interesses de ambos.
Portanto, essa a diferença primordial entre Mediação e Conciliação, a primeira exigindo um terceiro, o mediador, e a segunda permitindo a harmonização de interesses contrários, independentemente de intercessão de outrem.
Contudo, dentro da esfera dos interesses jurídicos, geralmente a Conciliação também exige a intervenção de um terceiro, seja o juiz ou o conciliador, buscando harmonizar os interesses em conflitos, exercendo um papel apaziguador de ânimos e arrefecedor de litígios.
2. FUNDAMENTOS DAS VIAS CONCILIATÓRIAS
Escoimadas as definições de Mediação e Conciliação, devem-se trazer à baila os fundamentos funcional, social e político das vias conciliatórias (Mediação e Conciliação). Como fundamento funcional, a busca pelo eficientismo na resolução dos conflitos é ressaltada pela própria crise da Justiça, traduzida em morosidade operacional, advinda da excessiva formalidade de seus mecanismos.
No cerne do fundamento social das alternativas conciliatórias, tem-se que não se busca apenas a celeridade na resolução dos conflitos, e sim, a resolução da própria “lide sociológica”.
Como fundamento político, busca-se à pacificação social, destinando-se às próprias partes em litígio a responsabilidade de buscar meios alternativos de solução de seus conflitos.
Os três fundamentos compõem o quadro demonstrativo de que a sociedade e seus integrantes devem buscar outros caminhos de pacificação de suas querelas, deixando ao Judiciário à solução dos litígios não compostos voluntariamente.
3. APORTES TÉCNICOS DA MEDIAÇÃO
O que são aportes técnicos? Aportes são subsídios de naturezas várias utilizados para auxiliar outra natureza, ou seja, no presente caso, seria a utilização de técnicas idealizadas pela Mediação em outras esferas de resolução de conflitos, como a Conciliação.
Quais são os aportes técnicos utilizados na Mediação? Para responder a questão é necessária a utilização de uma sigla em língua inglesa, ADRS, representativa de Alternative Dispute Resolution, Apropriate Dispute Resolution e Amicable Dispute Resolution, significando métodos de resolução de disputas em que se privilegia o paradigma ganha/ganha, contemplando a celeridade e a satisfação mútua de interesses, além da garantia da privacidade.
A Mediação, sob esse prisma, contém etapas distintas, porém integradoras, designadas de pré-mediação, discurso de abertura, relato das histórias, construção, ampliação e negociação de alternativas e fechamento do processo mediador.
Na Mediação, a figura ímpar do mediador é de fundamental importância para a concretização da harmonização de interesses, sendo claro que deve dominar técnicas de comunicação, negociação e, principalmente, ser um profundo conhecedor da “alma/natureza humana”, sabendo conduzir um diálogo travado no seio do conflito para a segura margem da resolução racional da disputa.
Por isso, a transposição dos aportes da Mediação para a Conciliação é difícil de implementar, porém deve ser buscada, sendo o que será discutido em seguida.
4. TRANSPOSIÇÃO DOS APORTES TÉCNICOS DA MEDIAÇÃO PARA A CONCILIAÇÃO
Compreendida a Conciliação como a busca de harmonização de interesses conflitantes por órgãos ou membros do Poder Judiciário (juiz, conciliador), enquanto a Mediação se dá na esfera de iniciativa privada das partes litigantes, merece destaque a dificuldade encontrada na ausência de preparo técnico do conciliador para conduzir a negociação, na forma e com as ferramentas utilizadas pelo mediador.
É motivo de chacota o fato dos juízes indagarem das partes em litígio se “tem acordo”, dando por encerrada a fase de conciliação com a resposta negativa dos litigantes!
A crescente demanda processual tornou os juízes máquinas de produção em massa de despachos, decisões, sentenças e audiências, premidos pela busca de índices de eficiência judicial, de celeridade, de resposta às novas demandas sociais, levando-os a desvalorizar as “audiências de conciliação”, acarretando a intervenção do Conselho Nacional de Justiça ao instituir “semanas nacionais de conciliação”.
Assim, a ausência de conhecimentos técnicos de comunicação e negociação não tem permitido ao quadro de juízes um aprofundamento nos aspectos mais relevantes da tentativa de pacificação social, ou seja, a utilização das vias conciliatórias de forma plena e eficaz.
Diante da figura do Mediador, qualificado, treinado robustamente, experimentado no seio das comunidades, das empresas, das famílias, conhecendo “por dentro” todos os aspectos de uma disputa, torna-se ilusória a tentativa dos juízes de promoverem conciliações em audiências de 15 minutos, onde somente conhece – e pouco – o que está nos autos!
Não existe na conciliação judicial qualquer das fases existentes na Mediação, ou seja, não existe uma pré-conciliação, não há discurso de abertura, relato das historias das partes, construção, ampliação e negociação de alternativas, fechamento do processo de conciliação, pois não existe tempo!
À tentativa de (re)conciliação frustrada dá-se início a uma nova fase processual, onde o juiz domina todos os aspectos legais, sendo o condutor da coleta das provas, o “senhor da razão”, a “boca da lei”, não permitindo sequer que as partes transijam, pois não lhes é mais indagado se desejam a conciliação, não são apresentadas alternativas na busca de solução do conflito.
CONCLUSÕES
Portanto, a transposição dos aportes técnicos da Mediação é imprescindível para tornar a Conciliação efetivamente relevante, devendo ser buscados dois caminhos para adequação dos juízes e conciliadores às vias conciliatórias de resolução de conflitos: a) a ampliação do quadro de Conciliadores, com o domínio de técnicas de comunicação e negociação, nas unidades judiciais onde exista a possibilidade de resolução dos conflitos através de Conciliação; e, b) a implementação de uma cultura conciliatória dos conflitos no seio da magistratura, mostrando aos juízes que a Conciliação torna mais célere a resolução das lides, mais econômica a produção judicial e mais eficiente a função jurisdicional.