Mediação x conciliação

07/05/2019 às 15:56
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A possibilidade de aplicação dos aportes técnicos da Mediação – extrajudicial - na Conciliação – judicial – prescinde de uma análise histórica sobre a crise da Justiça e os movimentos alternativos a ela (...)

INTRODUÇÃO

A possibilidade de aplicação dos aportes técnicos da Mediação – extrajudicial - na Conciliação – judicial – prescinde de uma análise histórica sobre a crise da Justiça e os movimentos alternativos a ela, significando para alguns um enfraquecimento do Poder Jurisdicional e para outros tantos uma melhoria nos aspectos relevantes da solução de conflitos de interesses, como o sem a tutela do Estado-Juiz.

Não restam dúvidas de que o renascimento das vias conciliatórias é devido, em grande parte, à crise da Justiça. A formalidade e a complexidade dos meios judiciais de solução de conflitos tende à morosidade dos processos, enfeixando a idéia de outros meios ou caminhos de célere resolução das questões conflitantes.

Ademais, a busca pela eficiência na resolução célere e econômica dos conflitos tem levado à busca de meios alternativos à tutela jurisdicional, dentre eles, com destaque, a mediação e a arbitragem.

Desde o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - a denominada Lei da Arbitragem -, cresce no Brasil o movimento pelos meios alternativos à tutela judicial de resolução de conflitos, ainda que, como saída de emergência, o próprio Judiciário tenha instituído os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, através de Lei nº 9.099/1995, na tentativa de evitar o que alguns consideram a “privatização” da Justiça.

Urge, nesse contexto, ressaltar três marcantes aspectos que iluminam a Mediação, seja no âmbito dos Juizados Especiais ou no seio da Justiça comum, sendo eles: a) o funcional; b) o social; e, c) o político.

Sobre tais aspectos e a possibilidade de transposição dos aportes da Mediação para a Conciliação teceremos as considerações a seguir desenvolvidas, de forma sucinta e escorreita.

1. CONCEITOS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO                       

Inicialmente, devem ser sufragados os conceitos aceitos de Mediação e Conciliação, através das acepções linguisticas, trazidas pelos dicionaristas.

Assim sendo, Mediação (do latim, mediatione) seria para o Dicionário Eletrônico Aurélio “Ato ou efeito de mediar; Intervenção, intercessão, intermédio; relação que se estabelece entre duas coisas, ou pessoas, ou conceitos, por meio de uma terceira coisa, ou pessoa, ou conceito, etc.”

Percebe-se, claramente, que o termo Mediação estabelece uma ligação entre duas partes, porém exigindo a intervenção de um terceiro, o mediador, para operar a relação de interesses intersubjetivos.

Para o mesmo dicionário, o termo Conciliação (do latim, conciliatione) implica “Ato ou efeito de conciliar; harmonização de litigantes ou pessoas desavindas.”

Ou seja, em ambos os conceitos denota-se uma desavença, um desalinhamento de interesses entre duas coisas, pessoas, partes, ou conceitos, exigindo uma harmonização que preencha a lacuna acarretada pela ausência de composição de interesses.

Porém, enquanto a Conciliação pode ocorrer entre duas partes em litígio – judicial ou extrajudicialmente – sem a intervenção de qualquer terceiro (juiz, conciliador), a Mediação exige a intercessão de terceira pessoa, visando afastar os litigantes dos aspectos meramente conflitantes, através da busca de soluções possíveis para satisfação dos interesses de ambos.

Portanto, essa a diferença primordial entre Mediação e Conciliação, a primeira exigindo um terceiro, o mediador, e a segunda permitindo a harmonização de interesses contrários, independentemente de intercessão de outrem.

Contudo, dentro da esfera dos interesses jurídicos, geralmente a Conciliação também exige a intervenção de um terceiro, seja o juiz ou o conciliador, buscando harmonizar os interesses em conflitos, exercendo um papel apaziguador de ânimos e arrefecedor de litígios.

2. FUNDAMENTOS DAS VIAS CONCILIATÓRIAS

Escoimadas as definições de Mediação e Conciliação, devem-se trazer à baila os fundamentos funcional, social e político das vias conciliatórias (Mediação e Conciliação). Como fundamento funcional, a busca pelo eficientismo na resolução dos conflitos é ressaltada pela própria crise da Justiça, traduzida em morosidade operacional, advinda da excessiva formalidade de seus mecanismos.

No cerne do fundamento social das alternativas conciliatórias, tem-se que não se busca apenas a celeridade na resolução dos conflitos, e sim, a resolução da própria “lide sociológica”.

Como fundamento político, busca-se à pacificação social, destinando-se às próprias partes em litígio a responsabilidade de buscar meios alternativos de solução de seus conflitos.

Os três fundamentos compõem o quadro demonstrativo de que a sociedade e seus integrantes devem buscar outros caminhos de pacificação de suas querelas, deixando ao Judiciário à solução dos litígios não compostos voluntariamente.

3. APORTES TÉCNICOS DA MEDIAÇÃO

O que são aportes técnicos? Aportes são subsídios de naturezas várias utilizados para auxiliar outra natureza, ou seja, no presente caso, seria a utilização de técnicas idealizadas pela Mediação em outras esferas de resolução de conflitos, como a Conciliação.

Quais são os aportes técnicos utilizados na Mediação? Para responder a questão é necessária a utilização de uma sigla em língua inglesa, ADRS, representativa de Alternative Dispute Resolution, Apropriate Dispute Resolution e Amicable Dispute Resolution, significando métodos de resolução de disputas em que se privilegia o paradigma ganha/ganha, contemplando a celeridade e a satisfação mútua de interesses, além da garantia da privacidade.

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A Mediação, sob esse prisma, contém etapas distintas, porém integradoras, designadas de pré-mediação, discurso de abertura, relato das histórias, construção, ampliação e negociação de alternativas e fechamento do processo mediador.

Na Mediação, a figura ímpar do mediador é de fundamental importância para a concretização da harmonização de interesses, sendo claro que deve dominar técnicas de comunicação, negociação e, principalmente, ser um profundo conhecedor da “alma/natureza humana”, sabendo conduzir um diálogo travado no seio do conflito para a segura margem da resolução racional da disputa.

Por isso, a transposição dos aportes da Mediação para a Conciliação é difícil de implementar, porém deve ser buscada, sendo o que será discutido em seguida.

4. TRANSPOSIÇÃO DOS APORTES TÉCNICOS DA MEDIAÇÃO PARA A CONCILIAÇÃO

Compreendida a Conciliação como a busca de harmonização de interesses conflitantes por órgãos ou membros do Poder Judiciário (juiz, conciliador), enquanto a Mediação se dá na esfera de iniciativa privada das partes litigantes, merece destaque a dificuldade encontrada na ausência de preparo técnico do conciliador para conduzir a negociação, na forma e com as ferramentas utilizadas pelo mediador.

É motivo de chacota o fato dos juízes indagarem das partes em litígio se “tem acordo”, dando por encerrada a fase de conciliação com a resposta negativa dos litigantes!

A crescente demanda processual tornou os juízes máquinas de produção em massa de despachos, decisões, sentenças e audiências, premidos pela busca de índices de eficiência judicial, de celeridade, de resposta às novas demandas sociais, levando-os a desvalorizar as “audiências de conciliação”, acarretando a intervenção do Conselho Nacional de Justiça ao instituir “semanas nacionais de conciliação”.

Assim, a ausência de conhecimentos técnicos de comunicação e negociação não tem permitido ao quadro de juízes um aprofundamento nos aspectos mais relevantes da tentativa de pacificação social, ou seja, a utilização das vias conciliatórias de forma plena e eficaz.

Diante da figura do Mediador, qualificado, treinado robustamente, experimentado no seio das comunidades, das empresas, das famílias, conhecendo “por dentro” todos os aspectos de uma disputa, torna-se ilusória a tentativa dos juízes de promoverem conciliações em audiências de 15 minutos, onde somente conhece – e pouco – o que está nos autos!

Não existe na conciliação judicial qualquer das fases existentes na Mediação, ou seja, não existe uma pré-conciliação, não há discurso de abertura, relato das historias das partes, construção, ampliação e negociação de alternativas, fechamento do processo de conciliação, pois não existe tempo!

À tentativa de (re)conciliação frustrada dá-se início a uma nova fase processual, onde o juiz domina todos os aspectos legais, sendo o condutor da coleta das provas, o “senhor da razão”, a “boca da lei”, não permitindo sequer que as partes transijam, pois não lhes é mais indagado se desejam a conciliação, não são apresentadas alternativas na busca de solução do conflito.

CONCLUSÕES

Portanto, a transposição dos aportes técnicos da Mediação é imprescindível para tornar a Conciliação efetivamente relevante, devendo ser buscados dois caminhos para adequação dos juízes e conciliadores às vias conciliatórias de resolução de conflitos: a) a ampliação do quadro de Conciliadores, com o domínio de técnicas de comunicação e negociação, nas unidades judiciais onde exista a possibilidade de resolução dos conflitos através de Conciliação; e, b) a implementação de uma cultura conciliatória dos conflitos no seio da magistratura, mostrando aos juízes que a Conciliação torna mais célere a resolução das lides, mais econômica a produção judicial e mais eficiente a função jurisdicional.

Sobre o autor
R. Carlyle

MBA em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas – Escola de Direito Rio (2009). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFCE, obtendo o título de Master in Science com a dissertação Controle Jurisdicional das Comissões Parlamentares de Inquérito (2002). Participou II Curso de Especialização em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (1989). Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais - DIREITO pelo Instituto de Ciências Humanas de Mossoró da atual Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – FUERN (1986). Livros publicados A “Reinvenção” do Judiciário. Scortecci editora, SP, 2014. Desafios ao Direito no Século XXI. Scortecci editora, SP, 2011. Temas de Direito. Scortecci editora, SP, 2011. Juiz Presidente da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte (2017-2020). Juiz de Direito titular da 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal (Capital), desde 1997. Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (biênio 2013-2014). Juiz suplente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (biênio 2005-2006). Juiz Auxiliar do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte nas Eleições de 2006. Professor, orientador e examinador no Curso de Preparação à Magistratura (especialização lato sensu) da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte - ESMARN./TJRN. Juiz Preceptor nos Cursos de Formação Inicial de Magistrados na ESMARN/TJRN. Lecionou “Sentença Penal” na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte – FESMP; “Direito Penal” no curso de Direito da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte – FARN (2001); e “Processo Penal” no curso de Direito da Universidade Potiguar – UNP (1999-2000). Ministrou aulas de “Direito Eleitoral” na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Norte e de “Direito Processual Penal” na Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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