Aumento do Diesel x Caminhoneiros: Uma corrida atrás do prejuízo

Por Alziro da Motta Santos Filho*

09/05/2019 às 21:41
Leia nesta página:

O Governo Federal determinou que a Petrobrás se abstenha de aumentar o diesel de acordo com a flutuação do preço internacional. Tal intervenção na estatal fez com que as suas ações comercializadas na bolsa de valores despencassem, numa redução de seu valo

Para dissipar o movimento paredista dos caminhoneiros em maio de 2018, o Presidente Michel Temer extinguiu a CIDE sobre o Diesel e subsidiou o preço do combustível, para reduzi-lo em R$ 0,46 centavos na refinaria. Essa medida, que durou 6 meses, teve um custo de R$ 10 bilhões para a União. Ocorre que, passados quase um ano, o transporte rodoviário de cargas (TRC) continua em plena crise, sucateado, com fretes baixos e em constantes ameaças de greve. E novamente o Governo Federal, agora sob o bastão do Presidente Bolsonaro, determinou que a Petrobrás se abstenha de aumentar o diesel de acordo com a flutuação do preço internacional. Tal intervenção na estatal fez com que as suas ações comercializadas na bolsa de valores despencassem, numa redução de seu valor de mercado em R$ 32 bilhões de reais.

Isso nos remete a uma expressão popularizada por Galvão Bueno: “correr atrás do prejuízo”, que é dita para narrar o comportamento daquele que tenta se recuperar de uma derrota, ou um infortúnio. Porém, o significado literal da dita expressão é exatamente o oposto. Correr atrás da derrota, do prejuízo é diverso de correr atrás da vitória, do lucro, do sucesso. Mas parece que nosso Brasil, e nós brasileiros, dia após dia corremos, de fato, atrás do prejuízo mesmo.

Antes de fazer algumas contas, vamos a alguns dados:

  • Do consumo de óleo diesel no Brasil, a indústria responde por 30%, a agricultura por 35%, e o transporte em geral por outros 35%;

  • Dos 35% consumidos pelo transporte, estima-se que o TRC consuma 1/3 disso, o que nos dá quase 12%, sendo o restante (24%) consumido por veículos de passeio, transporte de passageiros e transporte aquaviário;

  • Destes quase 12%, metade (6%) são consumidos por caminhoneiros autônomos e a outra metade por empresas de TRC;

  • Segundo números atuais da ANTT, existem no Brasil cerca de 400.000 caminhoneiros autônomos legítimos[¹] e ativos no Brasil, com veículos automotores de idade média que variam de 24,4 anos a 19,3 anos, de acordo com o tipo de veículo.

Visto estes números, vemos que o valor de R$ 10 bilhões gastos no subsídio do diesel poderia custear um programa de renovação de frota que beneficiaria 25% dos caminhoneiros legítimos[²], possibilitando reduzir a idade mínima da frota, com as incontáveis vantagens que isso proporciona, ou mesmo, ofertar uma indenização para retirada de circulação de caminhões velhos e sucateados, para que o transportador defasado deixe de exercer a profissão e assim se restabeleça o equilíbrio entre a oferta e a demanda, cuja inexistência é a grande causadora da crise pela qual passa o setor.

Ao invés disso, somente neste subsídio, dos R$ 10 bilhões gastos, apenas R$ 600 milhões chegaram a beneficiar os caminhoneiros, o restante foi distribuído para outros setores.

Estes números nos revelam com perplexidade que, ao invés de investirmos em capacitação e estrutura, esperamos ocorrer o desastre para agir de forma inconsequente e populista, com o objetivo de aplacar os ânimos, mas não necessariamente resolver o problema. Essa conduta não é exclusiva deste setor da economia, mas sim um comportamento padrão nas diversas áreas de nossa sociedade. Por exemplo: criminalidade x educação; tratamento de saúde x saneamento básico; acidentes de trânsito x infraestrutura viária; enfim, infinitos outros exemplos tipicamente brasileiros onde optamos por remediar, ao invés de prevenir, o que seria invariavelmente mais barato, menos danoso e mais producente.

Buscamos soluções simples e imediatas para tudo, mas “balas de prata” não existem. Nos últimos anos os caminhoneiros conquistaram o direito de receber o vale-pedágio independente do valor do frete; o pagamento eletrônico do frete, para evitar a extorsão da carta-frete; a estadia a R$ 1,38 a tonelada/hora, a ser atualizada desde 2015, para evitar a espera excessiva no descarregamento do caminhão; e, mais recentemente o piso mínimo de frete, para evitar os abusos decorrentes das distorções de mercado. Porém, o setor continua em crise e, ao invés de enfrentarmos a causa matriz do problema com reequilíbrio da oferta e demanda e aquecimento da economia, continuamos “correndo atrás do prejuízo”, custeando remédios caros e ineficientes nos momentos de crise aguda, que amenizam momentaneamente a agonia, mas não resolvem o problema de fato.

Nesse clima de um novo Brasil, a sociedade tem que aproveitar a oportunidade para repensar a maneira como enfrentamos nossos problemas. Problemas complexos exigem soluções complexas. Precisamos de fato nos concentrarmos na prevenção e em soluções efetivas e duradouras. Não falo aqui exclusivamente da classe política, já que ela nada mais é do que o reflexo de nós mesmos, mas sim de um choque de realidade para que consigamos caminhar para frente. Vamos correr atrás da vitória!


 

[¹] Contabilizados apenas os caminhões acima de 8 toneladas, e os caminhão trator, que respondem efetivamente pelo Transporte Rodoviário de Cargas.

[²] Com o valor do subsídio, a título de exemplo, se poderia conceder um crédito a fundo perdido de R$ 100.000,00 para 100 mil caminhoneiros autônomos, para que deixem de exercer a profissão, ou renovem a frota, com complementação de financiamento bancário.

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* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial, vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná e conselheiro da OAB-PR.  

 

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