O DIREITO DE RENDA SOBRE IMÓVEIS E O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
Rogério Tadeu Romano
I – O DIREITO REAL DE RENDA SOBRE IMÓVEIS
Estuda-se aqui o que doutrina entende sobre o direito de renda constituída sobre imóveis, ou direito de renda imobiliária, ao direito real de renda sobre imóveis, em virtude do qual nascem as pretensões às prestações de renda.
Trata-se de direito real.
Quem presta a renda é o rendeiro. Quem a recebe é o titular do direito real do direito de renda, o rentista. Aquele se chama censuário, a esse censuista, como explicou Francisco Pinheiro(De Censu et Emphyteuse Tractatus, 3).
Só os bens imóveis podem ser objeto do gravame.
Trata-se de direito real limitado, como o usufruto, o uso, a habitação e os direitos reais de garantia.
Trata-se de instituto diverso da habitação. Quem habita, usa.
II – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
Morto o habitador, extingue-se o direito real de habitação.
Tem-se que o conteúdo da habitação é habitar, não necessariamente residir, nem, tampouco, fixar domicílio.
O titular do direito real de habitação ou tem o direito à posse exclusiva do bem gravado, habitando só, ou com as pessoas a que se refere o artigo 744 do Código Civil de 1916, mais as pessoas que regularmente habitam com o titular( o menor que ele cria).
O habitador tem a pretensão vindicatória, a confessória e a negatória, a possessória.
São deveres do habitador; guarda, conservação e pagamentos de foros e pensões e impostos reais.
São causas da extinção do direito à habitação:
- A morte do habitador, se há mais de um, como se tem o direito do casal, ou se o tem o casal e os filhos ou o titular e os filhos, a morte do último; ou a extinção de pessoa jurídica, ou passados os cem anos do artigo 741 do Código Civil de 1916;
- O termo de sua duração;
- A cessação da causa de que se origina(artigo 739, III e 748);
- Destruição da casa, salvo nos casos dos artigos 735, 737, segunda parte, e 738, IV, 748;
- Pela consolidação(artigo 739, V, e 748 do Código Civil de 1916);
- Pela prescrição(artigo 739, VI e 748).
III - NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO REAL DE RENDA: A RENDA TEMPORÁRIA
Volta-se ao direito real de renda que Clóvis Beviláqua atendia como direito independente de qualquer direito pessoal sendo transmissível diante da causa mortis e entre vivos.
De toda sorte, não se trata de um direito real de garantia(hipoteca, por exemplo). Ele se soma a outros direitos reais como o usufruto, o uso e a habitação. È uma renda vinculada a imóvel.
Como informou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 257) o que caracteriza a natureza real do direito é a vinculação ao imóvel.
Pela constituição de renda como direito real, uma pessoa entrega um imóvel a outra, com o encargo de lhe fornecer ou a terceira uma renda periódica.
Não influi na caracterização do direito a modalidade do instrumento gerador da tradição do imóvel; pode ser um contrato especificamente a isso destinado(contrato de constituição de renda) ou cláusula adjeta de um contrato. O que se determina como elemento essencial é a vinculação do imóvel. Daí a necessidade do registro.
A renda pode ser a favor de quem seja o proprietário de outro imóvel, ou de quem seja titular de algum patrimônio(Código Civil alemão, § 1.105, segunda alínea; Código Civil suíço, artigo 782, segunda alínea).
Clóvis Beviláqua(Código Civil comentado, III, 310), à luz do artigo 1.424 do Código de 1916, entendeu que a renda deveria ser temporária. Veja-se solução dos Códigos da Prússia, Bade e Héssia.
Em verdade, a renda não pode ser constituída perpetuamente. Sua temporariedade, porém, não significa que somente valha por prazo determinado. Este é um aspecto apenas, e quando o assume, cessa no termo estipulado. Pode ser constituido pela vida do favorecido, e se extinguirá com ela. Mas, se vier a falecer dentro nos trinta dias subsequentes à celebração do contrato, de moléstia de que forsse portador anteriormente, é nula. Constituida a termo, subsiste a obrigação para com seus herdeiros, por todo o tempo do contrato, se o beneficiário vem a falecer no decurso do prazo ajustado, salvo cláusula em contrário.
O prazo determinado pode ser inserto no ato constitutivo; se não se disse perpétua a renda.
Na verdade, no direito brasileiro, não se tem a renda pessoal perpétua. Mas, no entanto, Pontes de Miranda(obra citada, § 492) entendeu que a constituição de renda sobre imóveis pode ser perpétua; não assim a constituição pessoal de rendas. Disse ele: “Tem-se pensado que o art. 1424 obsta a renda perpétua, mas o artigo 1.431 remete aos artigos 749 – 759, e esses nada dizem”.
Observe-se o artigo 750 do Código Civil de 1916:
Art. 750. O pagamento da renda constituída sobre um imóvel incumbe, de pleno direito, ao adquirente do prédio gravado. Esta obrigação estende-se às rendas vencidas antes da alienação, salvo o direito regressivo do adquirente contra o alienante.
Não só a obrigação de prestar a renda passa ao adquirente, também a mora, as penas convencionais e o mais que em virtude do direito real e das pretensões singulares se devia. Se, na constituição da renda, se inseriu a cláusula de não se transferir ao adquirente a dívida é nula, como se revela o artigo 750 do Código Civil de 1916.
Se tal cláusula foi inserta no negócio jurídico de transferência da propriedade, ainda que se haja logrado registo, é ineficaz do que se tem da lição de H. Lehmann(Sachenrecht, Kommentar, de M. Gmür, IV, 2, 656). O que o adquirente pode fazer é pessoalmente obrigar o alienante por mais do que o que lhe traria a ação regressiva do artigo 750, segunda parte. Aliás, o artigo 750, primeira parte, do Código Civil de 1916 tem norma cogente. Para a incidência do artigo 750, como relevou Pontes de Miranda(obra citada, § 2.196), não importa qual o modo por que se adquire. No caso de execução forçada, o arrematante ou recebe o bem, com o gravame e a sucessão das dívidas atrasas, ou o recebe livre das dívidas.
Se o imóvel foi dividido com averbação(Lei nº 6.015/73, artigo 167, II, d) que realize o desmembramento ou o registo da sentença de divisão(Lei nº 6.015, artigo 167, I, 23), o proprietário ou proprietários continuam sujeitos passivos do direito real de renda, tenha ou não, havido mudança subjetiva na relação jurídica da propriedade. Como ainda observou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 468), não se estabelece solidariedade: a) a divisão do direito real de renda só se dá se a prestação é divisível; b) se o não é, a comunhão dos sujeitos passivos e à semelhança do condomínio.
IV – O CONTEÚDO DO DIREITO REAL SOBRE RENDAS
O conteúdo desse direito real sobre rendas pode ser alterado pelo negócio jurídico ou por lei.
Pode ser titular do direito real de renda pessoa física, ou jurídica(renda real subjetivamente pessoal) ou o proprietário a cada momento de certos imóveis. Aquele é transferível, na dívida, entre vivos e a causa da morte; esse é parte integrante da propriedade do imóvel, a favor de cujo proprietário se concebeu; e inseparável dela; se se divide o prédio cujo dono foi favorecido, subsiste para os novos bens em que se dividiu; salvo se o proprietário, ao ser feita a divisão, declara que a titularidade passa a ser de uma só das partes tornadas res, ou se alguma delas. Pode o ato constitutivo ter prescrito isso; na dúvida, entende-se que se precisa de declaração posterior do proprietário do prédio para se saber se o direito se concentrou num só; ou em alguma das partes tornadas res.
Assim na relação jurídica da constituição de renda, sujeito ativo ou beneficiário pode ser o próprio instituidor ou um terceiro, por ele designado. Mas não passa aos sucessores por causa de morte, quando constituída pela vida do credor. Sujeito passivo ou devedor da renda é o adquirente do imóvel, e, eventualmente qualquer pessoa que o receba, pois, enquanto não cessar, o ônus real é um gravame que acompanha. Esta obrigação estende-se às rendas vencidas antes da alienação, sem direito regressivo do adquirente contra o alienante.
O ônus da renda transfere-se para o valor da indenização por desapropriação ou seguro, a qual se destinará à constituição de renda por sub-rogação.
O direito real de renda nasce de acordo de constituição e registro. Trata-se de disposição de última vontade; há o ato de disposição e o registro. Não há usucapião de rendas. O negócio jurídico que subjaz ou é venda e compra ou doação, ou legado outra categoria jurídica; mas a constituição pelo proprietário ou pelo que deduz o direito real a certo valor é abstrato.
No processo de cobrança das prestações singulares, pode o proprietário do prédio, se foi ele que conferiu o direito real à renda, ou se sucedeu na defesa contra o credor da renda, pelo não nascimento, ou não persistência do crédito, apresentar condictio ou propor, à parte, a ação de enriquecimento injustificado.
A renda imobiliária se constitui em ônus de direito privado.Integra-se, como todo ônus real, do direito de sequela. Em caso de alienação do imóvel, ainda que os diversos sucessores, acompanha-o onde quer que se encontre, gravando-o em todas as suas partes, como já prescrevia o artigo 754 do Código Civil de 1916.
É lícito aos interessados modificar o encargo por um novo negócio jurídico, com as formalidades dos primeiros, procedendo-se, pois, a averbação no registro imobiliário, como ensinaram Enneccerus, Kipp e Wolf(Tratado de derecho das cosas, § 127).
A obrigação real de renda sobre imóveis nasce a cada momento em que nasce a pretensão real correspectiva.
As prestações que dela venham podem vir em dinheiro, em espécies, fungíveis, ou não.
Observo o artigo 750 do Código Civil de 1916:
Art. 750. O pagamento da renda constituída sobre um imóvel incumbe, de pleno direito, ao adquirente do prédio gravado. Esta obrigação estende-se às rendas vencidas antes da alienação, salvo o direito regressivo do adquirente contra o alienante.
Essa obrigação se estende às rendas vencidas antes da alienação, salvo o direito regressivo do adquirente contra o alienante.
Se o imóvel gravado se torna sem dono, devido à renúncia do proprietário(artigo 589< II e § 1º do Código Civil de 1916), as prestações são devidas como se o dono tivesse o bem e o adquirente tem de responder pelas que correram ao tempo da inexistência do dono.
Mas pode dar-se que o bem gravado de renda sofra danos, ou pereça, havendo quem haja de indenizar. Dá-se, então, a sub-rogação real no que seja a pretensão à indenização, ou no que seja a prestação objeto da pretensão à indenização, quando ela for satisfeita.
Ao devedor da renda é lícito resgatar o imóvel gravado (remissão da renda), pagando ao beneficiário um capital em espécie, que lhe assegure um rendimento equivalente à taxa legal de juros.
Esse direito de resgate pode ser derrogado no ato constitutivo da renda(contrato ou testamento), e, assim, o credor pode recusá-lo. Pode ser renunciado.
Em caso de falência virá como crédito preferencial ou execução do prédio gravado.
Se o devedor não pagar a renda pode o beneficiário exeutar o imóvel gravado: do preço da arrematação fará deduzir quantia que, nos juros legais, lhe assegure rendimento equivalente.
V – A EXTINÇÃO DO DIREITO REAL SOBRE RENDAS
Pontes de Miranda(obra citada, § 2.401) observa que a renda sobre imóvel não é direito real de garantia.
O que se presta é renda e não a garantia.
A constituição de direito de renda sobre imóvel pode vir por ato entre vivos ou a causa de morte.
Esse direito real de renda pode ser extinto:
- Pela destruição do imóvel sujeito a ele sem sub-rogação real;
- Pela resolução do domínio sobre o imóvel gravado;
- Pelo termo, da sua duração ou advento da condição;
- Pela renúncia do titular do direito real à renda, se renunciável, e cancelamento consequente;
- Pela arrematação ou adjudicação, se deduzido o que basta para a extinção;
- Pela sentença transitada em julgado que tem efeito de cancelamento;
- Pela remição ou resgate(artigo 751 do Código Civil de 1916);
- Pela usucapião do domínio sem gravame.
Diante dessas situações, o dono do imóvel pode pedir o cancelamento do direito real de renda.
Se a destruição for parcial, sem culpa do proprietário, ou de outrem, portanto, sem indenizabilidade, resta saber-se se a parte restante suporta toda a prestação. Se a suporta toda, há diminuição pro rata ou o restante suporta toda a obrigação? Autores como Alvares Pêgas(Resolutiones Forenses, VII, 171), entendem pela segunda opção.
Se a destruição parcial não deixou que baste à prestação da renda, cabe pedir-se o cancelamento, mas presume-se que o restante basta à solução do bem gravado à destruição, como examinou Manuel de Almeida e Souza(Tratado Prático compendiário dos censos, 99).
A renúncia, supressão do direito real de renda imobiliária, por efeito de negócio jurídico unilateral, só tem a eficácia desconstitutiva com o cancelamento.
O imóvel sujeito a prestações de renda pode ser resgatado, se paga o devedor um capital em espécie, cujo rendimento calculado pela taxa legal de juros, assegure ao credor renda equivalente, como rezava o artigo 751 do Código Beviláqua.
Veja-se o artigo 751 do Código Civil de 1916:
Art. 751. O imóvel sujeito a prestações de renda pode ser resgatado, pagando o devedor um capital em espécie, cujo rendimento, calculado pela taxa legal dos juros, assegure ao credor renda equivalente.
Assim é remível o direito que apanha o bem, ainda se foi dito irremível. Tanto pode remir quem constituiu o direito real de renda sobre imóveis quanto quem adquiriu o imóvel gravado, inclusive sucessores a título particular. Os herdeiros, aliás, podem remir conjuntamente. Se um só rime, o bem gravado fica livre, restando aos herdeiros ação contra os demais. Se o herdeiro adquire o direito real que atinja o bem comum, então não se extingue o direito real de renda sobre imóveis: faz-se este titular do direito real de renda sobre imóveis, como revelou Manuel de Almeida e Souza(Tratado prático compendiário de censos, 111). Diga-se o mesmo quanto aos outros condôminos ou co-enfiteutas.
A supressão em virtude do negócio jurídico bilateral desconstitutivo(distrato) é sujeito a registro de cancelamento. Mas é preciso atender-se ao que realmente se passa; não se distrata um direito real, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 494), distratam-se tratos, inclusive contratos; a direito real renuncia-se. A construção científica é, portanto, a seguinte: “distrata-se o negócio jurídico de constituição, e, em virtude do adimplemento do que se prometeu, renuncia-se ao direito real”. A renúncia é ato unilateral, pode ser, todavia, prestação prometida pelo que tem de renunciar. .
A usucapião, por fim, do imóvel, sem gravame, extingue o direito real de renda sobre imóvel. A usucapião do prédio pelo próprio dono ou pelo titular do direito real de renda sobre o imóvel é mais difícil ocorrer, mas, segundo Pontes de Miranda(ogra citada, § 2.408) é mais difícil ocorrer, mas é possível, supõe sempre, posse própria, apta à eficácia de usucapião.
Usucapião não é prescrição.
VI – AS AÇÕES UTILIZÁVEIS
Por sua vez, são diversas as ações do dono do prédio tido como sujeito à renda:
- Ação negatória;
- Ação de retificação do registro;
- Ação de indenização;
- Ações possessórias.
- Ação declaratória;
- Ação condenatória;
- Ação de segurança, preparatória, incidental ou independente;
- Ação confessória.