Resumo: O presente artigo aborda um breve estudo bibliográfico sobre a teoria funcionalista da anomia, na visão de Émile Durkheim e Robert King Merton, e a teoria das subculturas criminais, sob a visão de Edwin Sutherland, apontando para, além de suas especificidades, uma correlação entre as duas teorias de estudo do fenômeno criminógeno. Para uma melhor compreensão, o trabalho foi dividido em três tópicos: 1- Introdução; 2- Breve exposição da teoria funcionalista da anomia e a teoria das subculturas criminais; 3- A interação da teoria funcionalista da anomia e a teoria das subculturas criminais; além das considerações finais.
Palavras-chave: Teoria funcionalista. Teoria das subculturas criminais. Correlação.
Introdução
O estudo do crime tornou-se matéria de análise e observação social desde o século XVIII, devido ao desenvolvimento das cidades e da grande concentração de pessoas, o que desencadeou no aumento de delitos na esfera privada e pública. O seu objetivo era, através de métodos científicos, tentar explicar a origem da delinquência, adaptando o sistema penal e tornando-o mais eficiente no tratamento dos criminosos. Acreditava-se que erradicando as causas, conseguiriam eliminar os efeitos.
Como resposta a esse fenômeno social, foram surgindo, ao longo da história, algumas teorias que propuseram-se a explicar os motivos do surgimento dos crimes na sociedade, analisando os diversos contextos histórico-sociais, bem como a personalidade e a conduta do autor. Vale destacar que por muito tempo, e quiçá hodiernamente, a análise do criminoso foi fundamentada em aspectos preconceituosos e estigmatizantes, sendo a prisão utilizada como meio de segregação racial e de classes.
Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo abordar, de maneira superficial, as teorias funcionalista da anomia e das subculturas criminais, propondo expor não apenas a distinção e pontos específicos de cada, mas, também, a interação que há entre elas no estudo da criminologia do final do século XIX até metade do século XX.
Breve exposição da teoria funcionalista da anomia e a teoria das subculturas criminais
A teoria das subculturas sociais, possui, como ponto histórico, sua origem no final dos anos 40 e no início da década de 50. Juntamente a teoria funcionalista da anomia, introduzida por Émile Durkheim e desenvolvida por Robert Merton, elaboram várias críticas às teorias gerais do comportamento criminoso, baseados em ideias e estudos generalistas, com fundamentos biopatológico que explicavam o desvio do indivíduo ao crime como uma deformidade do intelecto humano ou diferença genética ao comportamento normal e sociável dos demais sujeitos. Desenvolvidas no final do séc. XIX e início do séc. XX, essas teorias gerais possuíam um caráter teórico-racionalista que trabalhava com ideias e conceitos estigmatizantes e preconceituosos, por exemplo, o conceito de criminoso formulado por Cesare Lombroso, o qual entendia a causa da criminalidade como uma anomalia biológica, responsável por determinar a prática de crimes pelos delinquentes.
Logo, o positivismo criminológico, também conhecido como criminologia etiológica individual, pretendia explicar o fenômeno do crime a partir de uma relação entre causa e efeito. O criminoso era entendido como uma pessoa doente o qual necessitava de “remédios”, propondo-se as penas e as medidas de segurança para afastá-los, por tempo indeterminado, do convívio social, promovendo a ressocialização ou a neutralização.
Em meio ao rompimento do paradigma positivista, surge as teorias com viés sociológico, analisando a relação entre o indivíduo e a sociedade e o surgimento das ações delitivas.
Para a teoria funcionalista, presente neste novo paradigma, o comportamento desviante é um fenômeno normal em sociedades complexas. Devido ao surgimento do capitalismo e a transformação da sociedade pós-industrialização, as pessoas passam a ser conhecidas pela atividade que ocupam na divisão social do trabalho e o Direito passa a ocupar o lugar dos valores na organização social. Assim, o ilícito, segundo Durkheim, corresponde a violação de um padrão de comportamento, determinado pelo direito. O crime, portanto, produz uma reação social sancionatória, a qual constitui o símbolo de que o direito continua válido como padrão de orientação para o comportamento individual. Por sua vez, uma quantidade razoável de crimes torna-se positivo à sociedade, pois a sanção demonstra que o direito continua válido. O crime só é interpretado como uma patologia social, na visão de Durkheim, quando ele ultrapassa determinado limite, e indica que o direito está deixando de ser um padrão de orientação para o comportamento e tornando-se um fenômeno anômico.
De acordo com R. K. Merton, outro expoente da teoria funcionalista da década de 30, o crime está ligado ao surgimento do capitalismo e da cultura de consumo. Logo, nega-se a ideia de que o comportamento criminoso decorre de uma anomalia individual ou da estrutura social. Pelo contrário, o autor entende que o comportamento criminoso é absolutamente normal, assim como o comportamento conforme a norma.
Para o sociólogo norte-americano, é a estrutura social que cria os motivos para o comportamento individual e é capaz de produzir uma cultura, a qual pode apresentar uma possível contradição com a estrutura social, ocasionando um possível desvio. Dessa maneira, a cultura proporciona modelos de comportamentos institucionalizados, que resguardam as modalidades e os meios legítimos para alcançar as metas culturais. Por outro lado, a estrutura social oferece aos indivíduos, em diferentes graus, a possibilidade de acesso às modalidades e aos meios legítimos para alcançar as metas.
Sob esse viés, Merton entende que a criminalidade consiste no comportamento daqueles que aderiram a meta cultural (acúmulo de riqueza, no contexto de sociedade capitalista), mas não aderiram aos meios institucionais (trabalho), ou seja, decorre da crise na estrutura cultural que se verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e fins culturais, por um lado, e as possibilidades socialmente estruturáveis de agir em conformidade com aquelas, por outro.
Quanto a teoria das subculturas, o comportamento criminoso não é visto como algo negativo, pois ele é aprendido no interior de subculturas onde os valores criminais são valorados positivamente. Ou seja, o comportamento é determinado culturalmente e o crime, posto pelo Poder Legislativo, nada mais é do que o choque cultural, a qual uma é aceita e positivada e a outra é aceita apenas dentro de uma determinada cultura mas é contrária a lei.
A interação da teoria funcionalista da anomia e a teoria das subculturas criminais
Após a breve exposição acima, percebe-se que a teoria funcionalista e a teoria das subculturas criminais não são excludentes. Pelo contrário, possuem uma certa relação de compatibilidade. Enquanto a primeira pretende estudar o vínculo funcional do comportamento desviante com a estrutura social, a segunda se ocupa em estudar como a subcultura delinquencial se comunica com os jovens e demais entes delinquentes, como também a respeito da estrutura da origem dos modelos subculturais de comportamento. Para esta última teoria, nas subculturas há valores próprios e o crime possui um aspecto positivo, sendo justificado e legitimado pelos valores e regras de determinado grupo que, muitas vezes, são contrários aos valores tutelados pelo sistema penal.
A relação da teoria funcionalista, ou mertoniana, no conceito de subcultura e no comportamento delinquente, desenvolvida por Richard A. Cloward e L.E. Ohlin, baseia-se na diversidade estrutural de "chances" de que dispõe os agentes de servir-se de meios institucionalizados para chegar aos fins culturais. Neste caso, o comportamento criminoso não é anormal, não pode ser definido como desviante, pois ele está de acordo com o valores de determinadas subculturas e são criados devido a falta de acesso aos meios institucionais.
O sociólogo Edwin H. Sutherland vai mais além nas críticas às teorias gerais sobre a criminalidade e formula a sua teoria das associações diferenciais, baseada num conceito material de crime, afirmando que crime é todo comportamento que produz dano significativo à sociedade, independente de estar tipificado ou não em lei penal. Afirma também que o comportamento criminoso é praticado por pessoas de todas as camadas sociais e que os crimes que provocam mais dano à sociedade são os praticados pela elite, devido a enorme proporção econômica que é atingida. São os chamados crimes de colarinho branco.
Segundo Sutherland, as teorias gerais do comportamento criminoso são baseadas em generalizações e esse uso genérico é errôneo devido a alguns motivos, os quais: a) baseia-se numa falsa amostra da criminalidade, onde o crime de colarinho branco é quase que inteiramente descuidada (ocasionando as chamadas cifras negras); b) e não explicam o crime de colarinho branco, e nem mesmo a criminalidade dos estratos inferiores da sociedade. Segundo a teoria da associação diferencial, a explicação da causalidade do fenômeno criminógeno está nos valores presentes nas subculturas, os quais são aprendidos pelos indivíduos pertencentes a tais.
Desse modo, o comportamento humano (lícito ou ilícito) é orientado pela frequência e intensidade das relações que se desenvolvem no interior da subcultura. Para Edwin, não há diferença na explicação da causalidade de comportamentos lícitos ou ilícitos. O comportamento criminoso, assim como o comportamento lícito, é aprendido no interior das subculturas, e a internalização dos valores subculturais é diretamente proporcional a frequência e a intensidade das relações.
A partir desse ponto, fica mais claro entender o fenômeno do crime, consistindo no concurso de regras e valores das várias subculturas existentes no corpo social. Segundo Baratta (2002), essa especificidade de valores e normas dos diversos grupos sociais colaboram à formação de uma estratificação social e um pluralismo cultural, devido ao impedimento do acesso aos meios legítimos para os fins culturais. Ainda, há uma contribuição do direito penal em não exprimir apenas regras e valores comuns, aceito unicamente pela sociedade, mas também seleciona valores pertinentes aos grupos sociais os quais dominam o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
Somando-se aos pontos já mencionados acima e finalizando as possibilidades de correlação, para Sutherland, as teorias jurídicas mentem sobre a realidade da criminalidade e da função da teoria geral negativa, além da justificação de não praticar o crime devido a intimidação da lei, produzindo fortes críticas ao discurso jurídico sobre crime e pena, das quais: a) afirma que a pena criminal não possui o efeito de intimidação, como é afirmado pela teoria jurídica; b) estabelece que a execução da pena de prisão tem efeito criminógeno, pois os valores de dentro do presídio são criminosos, e o preso está exposto a contatos frequentes e intensos com outros presos, que possuem valores contrários a lei penal; c) expõe uma crítica ao princípio jurídico do bem e do mal, segundo o qual, o comportamento conforme a lei representa o bem e o comportamento desviante representa o mal; d) e nega o princípio de culpabilidade, primeiro porque o comportamento criminoso é determinado pelo aprendizado (ou seja, não é produto de uma livre escolha), e segundo porque não é possível afirmar que o autor do crime escolheu o comportamento errado, já que dentro da sua subcultura é entendido como correto.
Considerções Finais
Dessa forma, tanto a teoria funcionalista da anomia, quanto a teoria das subculturas criminais, contribuíram à relativização do sistema de valores e regras do sistema penal. Enquanto a teoria mertoniana aborda o caráter normal, não patológico, do desvio, e sua função elementar na estrutura social, a teoria das subculturas sociais mostra os mecanismos de aprendizagem e interação de regras e modelos de comportamento, que estão na base da delinquência e das carreiras criminais, os quais não diferem dos mecanismos de socialização que explicam os comportamentos normais.
Bibliografia
ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro, 2008, p. 405-568.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal: uma introdução à sociologia do direito penal. 3.ed., Rio de Janeiro: Revan: 2002. p. 59-76
FERRO, Ana Luiza Almeida. O crime organizado e as organizações criminosas: conceito, características, aspectos criminológicos e sugestões político criminais. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. London: Yale University Press, 1983.