Residências Jurídicas: você já ouviu falar?

10/05/2019 às 18:44
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As Residências Jurídicas são uma novidade acadêmica e, por isso, existem poucas investigações a respeito do tema. Você já ouviu falar? O que elas fazem? Como ingressar? Qual a proposta? Quais Universidades têm uma?

INTRODUÇÃO

As Residências Jurídicas são uma novidade acadêmica e, por isso, existem poucas investigações a respeito do tema. Note-se que não existe uma regulamentação específica para as Residências Jurídicas tal qual existe para as Residências Médicas e Residências Multiprofissionais em saúde, fazendo com que elas se submetam à regulamentação existente para os cursos de pós-graduação lato sensu, categoria na qual se enquadra, apesar de se diferir das demais especializações pela prática social exigida para a integralização de créditos, que obedece à lógica da educação em serviço.

Para entender um pouco melhor sobre as Residências Jurídicas, vamos retomar brevemente o surgimento da pós-graduação no Brasil e, a seguir, mostrar algumas dessas experiências em curso no país.

A PÓS-GRADUÇÃO NO BRASIL

Para compreender a gênese e desenvolvimento das Residências Jurídicas no Brasil, situada dentro do espaço da pós-graduação, é importante resgatar a própria história da `pós-graduação. Pode-se dizer que o marco mais importante da história da pós-graduação no Brasil se dá com a publicação do Parecer n. 977 CES/CFE de 3 de dezembro de 1965, popularmente conhecido como Parecer Sucupira, graças ao nome de seu relator, o educador Newton Sucupira.

No Parecer, o relator indica a origem da pós-graduação na estrutura da universidade norte-americana que compreende o college como base comum de estudos e as diferentes escolas que requerem o título de bacharel como requisito de admissão. Nessa perspectiva a Universidade norte-americana divide-se hierarquicamente em undergraduate e graduate.

Na undergraduate estão os cursos ministrados no college, e na graduate estão os estudos avançados que visam os graus de Mestre e Doutor. Para Sucupira, a pós-graduação na organização norte-americana representa o momento em que a Universidade deixa apenas de formar profissionais para destinar atenção às atividades de pesquisa científica e metodológica. Assim, aponta que o mais aconselhável é inserir na Universidade um escalonamento de níveis de estudo que compreende o ciclo básico, a graduação e a pós-graduação. O ciclo básico serviria de base a qualquer ramo, a graduação se ocuparia da formação profissional e a pós-graduação seria destinada ao desenvolvimento da ciência de uma forma geral.

Para que a implementação da pós-graduação nos moldes pretendidos ocorresse, ressalta-se que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambos criados em 1951, tiveram importante papel, sobretudo a partir do Decreto-lei n. 464 de 11 de fevereiro de 1969, que lhes incumbiu de promover a formação e aperfeiçoamento do pessoal docente de ensino superior. A CAPES capitaneava a avaliação e acreditação dos cursos e o CNPq incentivava a produtividade dos pesquisadores. A pós-graduação também contou e ainda conta com Planos Nacionais de pós-graduação (PNPG) para definir diretrizes e metas para esse nível de ensino. Atualmente o PNPG vigente tem duração até o ano de 2020.

Atualmente as normas para funcionamento de cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização são regidas pela já mencionada Resolução nº 1 de 6 abril de 2018. Nesse sentido, no nível de especialização, conforme preceitua o art. 9º a composição do corpo docente dos cursos de pós-graduação lato sensu que deverá ser constituído, pelo menos na proporção de 30%, por professores portadores de títulos de pós-graduação strictu sensu, e no art. 7º prevê a duração mínima dos cursos que deve ser de 360h.

AS RESIDÊNCIAS JURÍDICAS EM CURSO NO PAÍS

Após esse breve apanhado a respeito do surgimento e consolidação da pós-graduação, é importante citar que a Residência Jurídica, diferentemente da Residência Médica e Residência Multiprofissional em Sáude - que contam com regulamentação própria, público-alvo restrito, carga horária diferenciada e outras peculiaridades, se enquadra no campo da pós-graduação lato sensu, nível de especialização, porque não tem campo específico e autônomo. Logo, se submete às normativas que regem as especializações, conforme já mencionado.

Apesar de estar normativamente sujeita à regulação geral dos cursos de Especialização e não obter normatização própria, a Residência Jurídica tem algo em comum com as Residências Médica e Multiprofissional que vai além de mera coincidência semântica: diz respeito à educação em serviço. A educação em serviço traz a proposta de integração entre o ensino teórico e prático, sob a supervisão direta dos docentes. Vejamos algumas experiências em andamento:

1) Universidade Federal do Rio Grande (FURG): oferece a especialização em Prática Jurídica Social – Residência Jurídica. Os requisitos para inscrição no curso são de que o aluno possua formação em Direito ou Ciências Jurídicas e inscrição ativa como advogado na OAB/RS.

Para fazer jus ao certificado de Especialista em Prática Jurídica Social é necessário que o aluno integralize 360 h de disciplinas, 1800h de atividades complementares e aprovação em TCC, tenha nota igual ou superior a 7 em cada disciplina e o mínimo de 75% de frequência. Em relação aos recursos humanos, o curso dispõe de 5 professores, sendo que destes, 3 possuem o título de doutor e 2 possuem o título de mestre, todos com inscrição ativa na OAB. Em relação aos recursos materiais, o curso ocorre nas instalações do Escritório Modelo de Assessoria Jurídica (EMAJ) da Universidade.

Assim, é obrigatória a realização das atividades complementares ao longo de 90 semanas contínuas, suspensas pelas férias forenses, apenas, que abrangem 20 horas semanais em regime de serviço público voluntário de advocacia e orientação jurídica em atuação conjunta com os estudantes de graduação matriculados, incluindo um dia inteiro de plantão junto EMAJ, para atendimento ao público (10 horas semanais) e a disponibilização para atuação em audiências em horários indeterminado ao longo de toda semana (10 horas semanais). Essas obrigações são firmadas através de um Plano de Trabalho de Serviço Público Voluntário sob a forma de contrato celebrado entre o aluno e a FURG, de acordo com a lei 9.068/98.

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2) Universidade Federal Fluminense (UFF): oferece o curso de Pós- Graduação lato sensu em nível de especialização em Advocacia – Residência Jurídica. No ano de 2017 foram ofertadas seis vagas para candidatos com graduação em Direito.

A seleção ocorre mediante prova discursiva, análise curricular e entrevista, bem como avaliação de títulos. Os alunos matriculados no curso recebem uma bolsa mensal. Quanto ao projeto pedagógico do curso, a UFF informou que a grade curricular é composta das disciplinas obrigatórias de 1) Atividades práticas (1600h), 2)Metodologia (30h), 3) Pesquisa (30h), 4) Direito Material (público, privado ou novos direitos – 60h) e 5) Teoria do Processo (90h).

3) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): oferece Residência Jurídica em nível pós-graduação lato sensu, modalidade especialização. Trata-se de programa de treinamento em serviço, com duração máxima de 24 meses, a ser realizada nas dependências da Faculdade de Direito, sob supervisão do Núcleo de Prática Jurídica.

O curso dispõe de uma bolsa de auxílio mensal, que tinha o valor de R$1.427,63 no ano de 2011, ano em que se teve acesso ao edital, para uma carga horária de 40h semanais e atividades complementares referentes à participação em audiências, acompanhamento de processos e aulas complementares. Entre os requisitos do processo seletivo consta a necessidade de ser detentor de diploma de graduação em Direito e possuir registro na OAB/RJ. O concurso compreende prova objetiva e prova de títulos para ingresso.

4)Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN): oferece, em parceria com a Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN), um programa de Residência Judicial em nível de pós-graduação lato sensu, na modalidade especialização.

O processo seletivo consta de duas etapas: a classificatória, composta de prova objetiva e oral e a classificatória, composta de prova de títulos. A banca da comissão de seleção é composta por cinco magistrados.

A proposta pedagógica deste curso é baseada em estudos preparatórios, prática jurisdicional tutelada, atividades complementares e trabalho de conclusão de curso. Os estudos preparatórios consistem em aulas teóricas e práticas voltadas para conteúdos profissionalizantes, totalizando 360h. A prática jurisdicional tutelada consiste na prática em ambientes profissionais como unidades judiciárias ou núcleos de assistência jurídica, totalizando de 1440 a 2880h. As atividades complementares envolvem a participação dos Residentes em eventos jurídicos e totalizam 30 h para o módulo residência I e 30 h para o módulo residência II, além da elaboração e defesa de um trabalho de conclusão de curso ao final.

5) Centro Universitário Uni-Anhanguera de Goiás em parceria com a Escola de Direitos Humanos: oferece diversos cursos de pós-graduação intitulados de Residência Jurídica, com a finalidade proporcionar aos bacharéis em Direito o conhecimento da advocacia. As primeiras turmas foram ofertadas em 2016 para os cursos de Residência Jurídica em Prática Penal, Residência Jurídica em Relações de Consumo e Comportamento, Residência Jurídica em Família e Prática processual e Residência Jurídica em Trabalho e Previdenciário.

6) Universidade da Amazônia (UNAMA): oferece curso de pós-graduação em Residência Jurídica, em nível de especialização, com carga horária de 390h. O curso é ministrado pela Universidade em parceria com escritórios de advocacia conveniados, onde é desenvolvida a carga horária referente à prática jurídica. O objetivo difundido não foge à regra: promover formação continuada para os bacharéis em Direito voltada para a formação profissional da advocacia. O processo seletivo ocorre através de análise do currículo e entrevista.

CONCLUSÃO

As Residências Jurídicas tem um papel importante no processo de ensino-aprendizagem que é o de romper com a hierarquia entre educadores e educandos, tornando todos sujeitos da relação, ambos, educadores e educandos. Além de contribuir com a programação de uma ação político-pedagógica dos Residentes, capaz de construir um pensar autêntico e um ensino problematizador que conduz à práxis. A práxis é o caminho apontado para a transformação do mundo a partir da educação – o mundo que os educandos fazem parte: o mundo dos clientes atendidos nas práticas jurídicas.

Por fim, a Residência Jurídica dá o especial destaque ao uso do diálogo como porta de abertura do pensar crítico e solidário que percebe a realidade concreta como processo. O pensar crítico ao qual importa a transformação da realidade e a humanização dos homens, baseado no próprio universo temático e temas geradores dos educandos, compreendidos na relação homens-mundo, em um pensar referente à realidade e sua práxis.

Quer saber mais sobre a experiência de uma Residência Jurídica? Em meu livro “A Residência Jurídica e sua contribuição para a humanização do Ensino Jurídico” (à venda na Amazon), eu explico detalhadamente o funcionamento da Residência Jurídica da FURG, inclusive, através de um diário de campo, e mostro de que forma a Residência contribui com a humanização do Ensino Jurídico. Ficou em dúvida? Manda um e-mail pra mim, em [email protected].

Sobre a autora
Deise Brião Ferraz

Mestre em Direito e Justiça Social; Especialista em Direito do Trabalho; Pesquisadora CNPQ; Autora do livro "A Residência Jurídica e sua contribuição para a Humanização do Ensino Jurídico" E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo é um pequeno destaque do que trato em meu livro, recentemente publicado sob o título "A Residência Jurídica e sua contribuição para a Humanização do Ensino Jurídico". O livro é resultado de minha dissertação de mestrado e se debruçou especificamente sobre a Residência Jurídica e sua contribuição para a humanização do Ensino Jurídico.

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