O descaso com o meio ambiente, a reforma trabalhista e agora a previdenciária, os atiradores de elite atacando o povo no RJ, as ameaças aos indígenas, a liberação de agrotóxicos altamente nocivos, o desprestígio internacional, a sedição da soberania nacional são ataques letais à CF/88.
Sem contar que agora se voltam contra o conhecimento e a ciência. São tantos absurdos que, num só dia, qualquer pessoa é capaz de colecionar inúmeros recortes das mais graves violações à Constituição Federal de 1988. Há aquela série clássica, por exemplo, em que autoridades do próprio Ministério da Educação recomendam filmar e gravar aulas de professores que ousem criticar a política que desintegra a educação pública. É magistral a violência institucional, porque não falta clareza ao artigo 5º da CF/88:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Então, ministrar aulas sobre história e contemporaneidade, filosofia e sociologia, em que se promova o desagravo aos ataques dos padrões mínimos de decência pública e em defesa da democracia e dos direitos humanos, é crime? Existe um tipo penal para “doutrinação”? O que seria doutrinação – dizer que mulheres, pobres, negros, quilombolas, comunidade LGBT, idosos e jovens, trabalhadores, estão cobertos de razão em sua essência e protegidos por direitos fundamentais?
Será crime defender a CF/88 e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X), o devido processo legal (art. 5º, LIV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV) ou a presunção da inocência (art. 5º, LVII)?
Além dessa compreensão sobre o que é doutrinação, ainda devemos entender a crítica ao barbarismo social como um atentado terrorista, a fim de que se possa levar professoras e professores, alunas e alunos presos, algemados, humilhados, espancados pela polícia militar ou federal?
Pelo caminho contrário à tipologia da doutrinação (tipo penal em branco sem ser tipo algum), defender o fascismo não viola as leis? Pregar o ódio social, um “direito” de espancar e de matar, está de acordo com a CF/88?
Acusar as universidades, os centros de pesquisa e os institutos federais de promoverem balbúrdia – sem nunca terem entrado nesses espaços –, aclamar o corte de 30% (ou muito mais) de verbas federais para a área da educação, é o correto?
Se pesquisarmos o Estado de Exceção (implantado em refinamento ao Estado Penal), desde 2005, estaremos cometendo doutrinação que mereça a pena de morte?
Então, deve-se apoiar – como sinal de imensa qualidade moral e intelectual – que cortemos as bolsas de pós-graduação (para gerar alquimia)? O Supremo Tribunal Federal deu 11 a zero, pela manutenção da isonomia universitária, mas será sempre assim ? É saudável alegar que o “Jesus da Goiabeira” apontou o “direito” de matar trabalhadores rurais e sem-terras? E as milhares de mães presas, ilegalmente , será que fazem as cortes judiciais (regadas a lagosta e vinho) se sentirem mais seguras?
Minha dúvida final é se Kafka comia “Kafta”.